Qual a saída para o Metrô do Recife? – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Qual a saída para o Metrô do Recife?

*Por Cláudia Santos

O Metrô do Recife perdeu 50% dos seus passageiros nos últimos três anos. A queda abrupta aconteceu no ano da pandemia, mas não foi mais normalizada. No entanto, desde 2016, o sistema metroviário vinha observando ano a ano a fuga dos usuários. A redução da qualidade do serviço, fruto de recursos para custeio e investimentos muito aquém dos requisitados pela companhia, e o aumento abrupto do preço das passagens no governo Bolsonaro (de R$ 1,60, em 2019, para R$ 4,25, em 2021) são dois fatores que contribuíram para o cenário atual. Os caminhos para reverter essa rota de colisão estiveram em debate numa audiência pública nesta semana no Senado Federal.

No ano de 2015, quando Dilma Rousseff ainda era presidente, o Metrô do Recife transportava por mês 9,3 milhões de passageiros. Desde então, a quantidade de usuários vem em queda. Em 2022, esse número foi de 4,3 milhões, com uma leve recuperação do pior desempenho que foi em 2021, com média de 4 milhões de usuários por mês.

A quantidade de falhas que afetam o metrô atualmente e que afugentam passageiros contrasta com o passado desse sistema. “Nosso metrô já foi considerado o melhor na América Latina e no mundo em limpeza e atendimento, nos anos 1990. Mesmo nos anos 2000, vivemos uma expansão durante o primeiro governo Lula até Camaragibe e com a abertura da Linha Sul, além do ramal do VLT até o Cabo. Com o advento da Copa do Mundo de 2014, recebemos novos metrôs, VLTs e máquinas especiais”, destacou o presidente do Sindmetro-PE, Luis Soares, relembrando os últimos ciclos de investimento do sistema.

Os últimos investimentos mais robustos na empresa aconteceram poucos anos antes da queda do número de passageiros, com a chegada de 15 trens elétricos novos (2013) e 9 veículos leves sobre trilhos (2012). De acordo com o Metrô do Recife, cada novo trem elétrico, por exemplo, custou R$ 58 milhões e cada VLT foi adquirido por R$ 35 milhões.

Em contraste com o aumento da frota daquele ciclo de investimentos, no ano passado parte das composições foi leiloada e adquirida pela empresa Açonorte. Por obsolescência dos trens e frente à necessidade de altos custos de reforma, parte dos trens virou sucata. Aproximando-se dos seus 40 anos de operações, o sistema demanda outros investimentos, além de novas composições, como nos trilhos e na rede aérea elétrica. Muitas estações também carecem de melhorias e de novos telhados.

Apesar desse cenário, que demandava mais recursos, entre 2016 e 2020, os investimentos no Metrô caíram paulatinamente de R$ 26,5 milhões para R$ 500 mil em 2020. Em 2021 e 2022, os aportes voltaram a crescer, respectivamente para R$ 3,3 milhões e R$ 18,3 milhões.

Nas verbas de custeio, referente a gastos com despesas correntes, os valores executados na maioria dos anos foram muito inferiores aos solicitados pela empresa. Em 2019, por exemplo, o Metrô do Recife solicitou R$ 282,7 milhões, tendo sido executados apenas R$ 94,6 milhões. Em outras palavras, o sistema funcionou um ano com apenas 33,4% da receita demandada. O único ano em que a receita solicitada foi menor que a executada foi no ano passado, em meio a um cenário muito degradado da operação.

“Na área operacional, da antiga frota de 40 trens, hoje temos 16. Os intervalos que chegavam a um pico em torno de 5 minutos, estamos indo para 10 minutos e com risco porque os equipamentos estão quebrando. Com os sistemas desatualizados, com as estações degradadas, com a manutenção com muita dificuldade de peças, a verdade nua e crua é que o metrô vem funcionando graças ao empenho e à diligência dos funcionários. Esse pessoal tem se virado no mês para tirar uma peça de um trem e colocar no outro, para varar a madrugada. Antigamente havia manutenção preventiva, hoje praticamente é corretiva porque já não se dispõem das condições para isso”, expôs o senador Fernando Dueire na audiência pública realizada pela CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado Federal.

DEBATE DO FINANCIAMENTO DO TRANSPORTE

Para Rafael Calábria, coordenador de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), o financiamento do sistema de transporte é uma questão-chave para garantir a qualidade na oferta de serviços à população. “Uma questão central para todo sistema de transporte é que os governos precisam entender que é um serviço público e precisa de investimento público. O Governo Federal tem acompanhado a crise do setor. Os órgãos de gestão precisam entender que não podem depender da tarifa, esse subsídio é necessário. Basear-se na tarifa é um estímulo à lotação”.

É esse cenário crônico de custeio e investimentos, aquém do padrão de qualidade esperado pelos passageiros e agravado nos últimos anos, que provocou o sucateamento do sistema, na análise de Luis Soares. “O sistema começou a ter uma degradação forte. Não avançamos em recursos para manutenção, recebendo sempre valores entre 30% e 50% abaixo dos solicitados, que não cobriam as necessidades do sistema. Nos últimos quatro anos, com a redução da segurança contratada, aumentaram os roubos de cabos e a insegurança nas estações. Chegamos a essa terra arrasada que é o sistema sucateado que temos hoje”, lamentou.

De acordo com o Metrô do Recife, o valor estimado para recuperação do sistema é de R$ 1,2 bilhão. Até o ano passado, o então secretário-executivo de Parcerias e Estratégias da Secretaria de Planejamento do Governo do Estado, Marcelo Bruto, falava em um aporte de R$ 2,4 bilhões para investimentos, mais R$ 1,4 bilhão guardados para garantir o equilíbrio financeiro do sistema. O projeto em discussão pela então secretaria, no entanto, era bem mais amplo, com R$ 8,4 bilhões, diluídos em 30 anos.

Durante a audiência no Senado, o senador Fernando Dueire destacou que o cálculo sobre o montante de recursos necessários ainda não está bem definido. “São recursos que precisam estar postos e disponíveis dentro de um ou dois anos. A CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) tem competência para esses investimentos. Poderíamos começar os investimentos e depois entrar no tema do modelo (se o sistema continua com gestão pública ou se será implantada a concessão). E verificar a questão fundamental que é a tarifa, que não é razoável”.

CAMINHOS PARA A RETOMADA

Em maio aconteceram dois eventos para discutir os rumos da recuperação da qualidade dos serviços do Metrô do Recife. Na Câmara dos Vereadores, a audiência pública foi conduzida pela vereadora Cida Pedrosa e, no Senado Federal, a pedido do senador Humberto Costa. O Crea-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco) também vem discutindo as alternativas junto aos técnicos da área e esteve nos dois eventos também.

“Neste momento o que estamos discutindo é principalmente retirar o metrô da atual situação de sucateamento em que está, inclusive com riscos de acidentes e outros problemas operacionais, com investimentos fortes. Isso significa que independentemente de qualquer coisa – como a modelagem – o mais importante é fazermos com que o metrô volte a funcionar com segurança e com atendimento de qualidade. Vamos buscar novos recursos para fazer a ampliação do metrô”, assegurou o senador Humberto Costa. A menção que ele e Dueire fazem à modelagem refere-se ao fato de que o sistema foi incluído, durante o governo Bolsonaro, no PND (Programa Nacional de Desestatização). O plano do ex-presidente era de entregar o sistema para a iniciativa privada, como ocorreu no apagar das luzes de 2022 com o Metrô de Belo Horizonte. Na audiência, a cobrança pela mudança dessa direção partiu de todos os lados.

Humberto afirma que tem um posicionamento, mas que a direção a ser dada pelo Governo Federal ainda não está decidida. “Nosso posicionamento em Pernambuco é manter o metrô gerido pela CBTU, naturalmente em articulação com o Governo do Estado e com investimentos públicos crescentes. Nesta semana, o ministro Rui Costa informou que a Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre) seria retirada do PND. Mas sabemos que há outras alternativas que estão sendo discutidas. Sinceramente não sei se o Governo Federal pensa em fazer aqui a mesma coisa que fez na Bahia (aonde houve a concessão do sistema recém-construído, em 2013) ou se pretende retirar do PND.”

A opção pela concessão dos sistemas metroferroviárias, que vinha sendo tratada dentro do governo Bolsonaro como a grande solução, vem caindo em desgraça em âmbito nacional. Dois dos principais sistemas que foram concedidos à iniciativa privada estão capengando e com indicadores de desempenho piores que os ofertados pelos sistemas públicos.

O caso mais dramático é o da Supervia, no Rio de Janeiro, que caminha para a devolução da concessão pela Mitsui, que integra o grupo japonês GUMI Brasil. Perto do final do contrato, o cenário é muito distante daquele estimado há mais de duas décadas. O sistema que chegou a transportar 600 mil passageiros por dia, hoje tem um pouco mais da metade, 350 mil. Outro detalhe dessa concessão é o preço da tarifa: R$ 7,40, a maior do País.

Em São Paulo, as duas linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) que foram concedidas à Viamobilidade anotaram 123 falhas em um ano de operações, segundo levantamento do Ministério Público de São Paulo, que pleiteia o fim do contrato de concessão do governo paulista com a empresa. Segundo um levantamento de falhas diárias criado pela TV Globo, essas duas linhas bateram o recorde de falhas da década, quando a emissora iniciou essa contagem.

Se os modelos de concessão não conseguem atender a contento as expectativas de prestação de serviços, em especial a serviços mais envelhecidos, como é o caso do Metrô do Recife, por que essa alternativa permanece na mesa? “Temos um lobby muito forte no Brasil pela privatização e por parcerias público-privadas”, avalia Rafael Calábria, do Idec. “Vão criando um ambiente que favorece a privatização. Mas é uma lenda. Não tem solução mágica, existem modelos intermediários entre conceder tudo e estatizar tudo, mas conceder tudo tem dado muito errado”.

O presidente do Crea-PE, Adriano Lucena, critica a inclusão da CBTU no PND. A estatal é responsável pela gestão do Metrô do Recife e de mais três sistemas sobre trilhos no Nordeste. “Colocar o metrô no PND foi um grande equívoco e manter também é um grande equívoco. Ainda que a decisão do Governo Federal seja pela concessão pública, esse momento é igual ao final de feira, quando se vende o produto no menor preço possível, com rejeição e sucateamento”.

Em Belo Horizonte, por exemplo, todo o sistema foi concedido recentemente em leilão à Comporte Participações S/A por R$ 25,7 milhões. Mesmo sem estar num estado de depreciação tão avançado como no Recife, o Metrô de BH foi vendido por um valor inferior ao custo de um único VLT. A nova empresa assumiu um sistema com duas linhas em operação.

EXPANSÃO PRECISA ESTAR NO HORIZONTE

Adriano Lucena afirma que não existe uma fórmula pronta para resolver o problema do Metrô do Recife. Mas, além da recuperação do sistema, ele defende ser preciso colocar a expansão da malha metroviária. “Não estamos na mesa com a receita pronta, estamos com o problema e precisando encontrar solução. Envolvemos nesse debate universidades, empresas, o poder público e o sindicato. Vamos discutir os benefícios desse investimento para o mercado, quantos empregos seriam gerados com a expansão do metrô e quando estiver em execução”.

Ele destaca que durante esse período de operação, os técnicos do sistema sugeriram seis expansões, entre linhas de VLT e de metrô. Há planos de ampliação para Zona Norte da Região Metropolitana, com destino a Paulista. Outro projeto previa um trecho em direção ao Centro do Recife, partindo de Afogados. Linhas para Suape e para São Lourenço da Mata também estavam no papel, entre outras. “Imagine se tivéssemos expandido nesse tempo o sistema? Quantas pessoas estariam se deslocando diariamente, diminuindo a poluição, reduzindo a quantidade de veículos nas ruas. Esse é um meio de transporte amigo do meio ambiente, que reduz o número de acidentes de trânsito. Esse é o debate que estamos construindo”, defendeu o presidente do Crea-PE.

Além da recuperação e expansão, uma pauta defendida principalmente pelo Sindmetro-PE em nível estadual é da criação de um sistema de tarifa social para os passageiros. Luis Soares tem sugerido reiteradamente a discussão acerca da oferta de uma passagem por R$ 2. O sindicalista sugere que o desenvolvimento de novas fontes, como a oferta de centros comerciais ao longo do percurso do metrô, e a redução do ICMS sobre o serviço do sistema seriam algumas das alternativas para pagar essa conta e incentivar o retorno dos trabalhadores ao sistema.

A Comissão de Assuntos Sociais, presidida pelo senador Humberto Costa, anunciou que virá ao Metrô do Recife visitar as suas instalações para conhecer a situação in loco que foi exposta durante a audiência pública no Senado Federal. Está nos planos também a realização de uma nova sessão em Pernambuco.

O caminho para reabilitar o Metrô do Recife ainda parece longo. No entanto, a mobilização que se articula agora no âmbito federal indica um sinal verde para se construir a almejada solução que a população pernambucana tanto aguarda para o modal ferroviário.

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