Quando O Letramento Racial é Urgente Mesmo Em Escolas Onde Ninguém Se Considera Racista - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Quando o letramento racial é urgente mesmo em escolas onde ninguém se considera racista

Em muitos ambientes, incluindo escolas particulares do Brasil, o racismo parece um tema distante. Ninguém se declara preconceituoso, todos acreditam na igualdade, e é justamente aí onde mora o perigo. Basta um olhar mais atento para perceber que as cores que ocupam as salas de aula e os cargos de liderança raramente são as mesmas que estão na portaria, na cozinha ou na limpeza.

Essa diferença não é obra do acaso nem resultado de intenções individuais. Ela é o reflexo de uma estrutura social que atravessa séculos e que segue organizando o Brasil de forma desigual. É por isso que é exatamente nas escolas onde o racismo parece não existir que o letramento racial se faz mais urgente. Porque nas escolas de maioria branca e economicamente privilegiada, o desafio é romper o ciclo da invisibilidade.

Quando as crianças crescem sem conviver com pessoas negras em posições de prestígio, poder ou saber, aprendem, mesmo sem perceber, a associar cor a valor. É um aprendizado silencioso, mas profundamente formador. Por isso, o papel da escola e das famílias precisa ir além do discurso da igualdade. É preciso criar convivência simbólica e afetiva com a negritude viva, potente e criadora. Na escola, isso começa na escolha dos livros, nas imagens que circulam, nos exemplos citados em sala de aula. Mas essa ação também precisa acontecer em casa.

Famílias brancas, socialmente privilegiadas, podem, e devem, fazer muito mais do que "ensinar a não ter preconceito". Podem mostrar aos filhos que há negros brilhantes, inspiradores e protagonistas de histórias de sucesso. Que o Brasil é um país majoritariamente negro, mas que, por questões históricas, as pessoas não ocupam os mesmos espaços. O primeiro passo é trazer outras presenças para dentro do cotidiano. Podemos apresentar artistas e intelectuais negros, e aqui eu vou citar alguém que é do Recife, cuja obra admiro muito: Jeff Alan, que pinta suas origens e memórias afro-brasileiras com cores intensas e um olhar cheio de orgulho. Quantas crianças conhecem o trabalho dele? Quantas já viram uma arte que fala de pertencimento, educação, beleza e ancestralidade com tanto vigor?

Podemos também oferecer referências positivas: princesas negras, escritores, cientistas, professores e médicos negros. Deixar que nossas crianças os vejam como parte natural do que é ser brasileiro. Podemos ainda frequentar espaços onde a negritude é protagonista: exposições, feiras de arte, rodas de capoeira, blocos afro, apresentações culturais. E, acima de tudo, podemos conversar sobre o que não vemos. Explicar que a ausência não é natural, é resultado de um país que se organizou para manter as pessoas em lugares diferentes.

Como lembra Djamila Ribeiro, o racismo vive também na norma, no que é visto como natural. E é justamente esse"natural" que precisamos aprender a questionar. O letramento racial não é sobre culpa, é sobre consciência. Não é sobre o passado, é sobre o presente que estamos formando agora, diante dos olhos das crianças. Quando uma escola branca decide se letrar racialmente, ela está dizendo às suas crianças que o mundo é muito maior do que o que cabe dentro dos muros da escola. Está mostrando que há muitas formas de ser, de existir e de vencer, e que reconhecer a beleza e a força da negritude é parte essencial da nossa história, da nossa humanidade. O letramento racial é, antes de tudo, um gesto de amor e de justiça.

gabriela camarotti

*Gabriela Camarotti é diretora pedagógica do Ensino Fundamental da Escola Vila Aprendiz

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