“Quando retornarmos à normalidade, a universidade vai voltar diferente”

E m maio do ano passado, ainda na primeira onda da Covid-19, Marcelo Carneiro Leão foi eleito reitor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco). De lá pra cá, tem enfrentado muitas dificuldades. A principal delas originada do corte de 21% no orçamento da instituição e sobre esse valor cortado há ainda 13,8% bloqueado pelo MEC. Neste período, o reitor tem presenciado também aceleradas transformações no ambiente acadêmico provocadas pela introdução repentina do ensino remoto.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, o reitor da UFRPE fala sobre as mobilizações que as universidades públicas têm realizado junto ao Congresso Nacional e à sociedade para a recomposição orçamentária das instituições. Conhecido por sua grande interatividade nas mídias sociais, Marcelo Carneiro Leão também comenta os desafios para implantar o blended learning, ou ensino híbrido de qualidade no País. Esse é um caminho sem volta, segundo Carneiro Leão, que é pós-doutor no uso das tecnologias da informação e comunicação no ensino de ciências pela Universitat de Barcelona. “Quem esteve no dia 15 de março de 2020 aqui na Rural, vivenciou um dia histórico: o último dia em que a Universidade Federal Rural de Pernambuco funcionou naquele formato. Isso serve para todas as instituições superior de ensino. Teremos uma nova universidade, o impacto que a pandemia causou não permite retornar da mesma forma que antes”, vaticina o reitor.

Quais as consequências desses cortes no orçamento da universidade?

Já vínhamos sofrendo, desde 2015, um decréscimo orçamentário que se agravou nos últimos dois anos e, principalmente, neste ano. Comparativamente – vou informar os números específicos da Rural – tivemos um corte de 21% no orçamento em relação ao ano anterior e sobre esse orçamento cortado ainda tem 13,8% bloqueado pelo MEC. Nosso orçamento é dividido em duas grandes áreas: investimento e custeio. No investimento, estamos zerados, tínhamos R$ 16,6 milhões, hoje temos um recurso de R$ 42 mil que é para a acessibilidade, já vem carimbado, e duas emendas, uma para o Instituto Menino Miguel, R$ 250 mil, e R$ 150 mil para Parnamirim (Estação de Agricultura Irrigada de Parnamirim, um campus avançado). Ou seja, não tenho nada para fazer de investimento este ano se não for recomposto o orçamento.

Isso é grave, mas ainda mais grave é a situação do custeio que inclui pagamentos de água, luz, bolsa, terceirizados etc. Tivemos que cortar vários postos de terceirizados nas áreas de limpeza, transporte, recepção, só não cortamos em segurança. Fizemos um corte grande. Mantivemos as bolsas dos alunos e vamos reavaliar daqui a dois meses porque esperamos que alguma coisa seja recomposta desses 21%, caso contrário, ficaremos sem condição. Com toda certeza, se hoje estivéssemos com aulas presenciais, talvez não chegássemos no próximo mês com condições de manter a universidade funcionando, com o restaurante universitário aberto, aumento de energia etc. Sem isso, ganhamos um fôlego de dois a três meses. Mas, se não houver recomposição, vai ser bem problemático.

Que ações as universidades públicas têm feito para reverter essa situação?

A única forma de reversão é no Congresso Nacional na forma de um projeto de lei. A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) está mobilizada. Estamos mobilizando nossos senadores e deputados, conversando com eles sobre a possibilidade de uma recomposição orçamentaria por meio de um projeto de lei. Já fizemos o que preventivamente como gestor teríamos que fazer que são esses cortes para ganhar um certo fôlego. Estamos fazendo ações também junto à sociedade. Estamos participando de divulgações, de entrevistas, de mobilizações, para que a própria sociedade perceba a importância das universidades no seu cotidiano, no enfrentamento da pandemia e pressione os parlamentares para a recomposição orçamentária.

Qual tem sido a receptividade dos deputados e senadores?

Os parlamentares independentes e oposicionistas absorvem a ideia e estão participando e colaborando. Infelizmente, existe uma base negacionista muito complexa mas acreditamos que possa haver algum movimento favorável numa parte dessa base. É aquela base de políticos que, ao perceber que a sociedade está se mobilizando para um lado, eles vão junto. Então, estamos mobilizando a sociedade e as entidades para ver se eles se sentem pressionados e, como vai ter uma eleição ano que vem, talvez isso mude um pouco o pensamento deles sobre essa questão orçamentária.

O senhor acha que as universidades deveriam estar mais próximas da população, inclusive para ela entender a importância dessas instituições?

Com certeza. Essa é uma das questões que a gente tem sempre que pensar e as universidades têm que fazer um mea culpa. Nós passamos muito tempo sem nos comunicarmos bem com a sociedade e parte dela acha que a universidade é algo isolado, uma ilha, não percebe a importância da formação dos profissionais, da pesquisa que é desenvolvida e da extensão. E isso permitiu que pessoas inescrupulosas começassem a passar a visão de que aqui na universidade só havia balbúrdia, sexo, drogas, e que aqui ninguém fazia nada. Uma parte da sociedade se apropriou dessa informação de forma equivocada por culpa também da universidade. Hoje, temos trabalhado a necessidade de melhorar o nosso diálogo, nossa comunicação com a sociedade. Há uma cultura que precisa ser vencida nas universidades – que existe até pela questão de financiamento – que é se preocupar em publicar papers etc. e não ir, por exemplo, para as periferias. O que é que as periferias das cidades sabem da universidade? Como os projetos de extensão podem impactá-las? Então, isso está servindo como um subproduto bom da pandemia, dessa crise orçamentária, que é a necessidade de repensarmos essa relação sociedade/universidade.

Leia a entrevista completa na edição 183.2 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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