*Por Rafael Dantas
Há exatos 200 anos, no dia 26 de outubro de 1821, acontecia na Igreja da Sé, em Olinda, a eleição para escolher Gervásio Pires Ferreira como novo governador de Pernambuco. Diferente da ampla participação popular dos pleitos atuais, aquele processo tinha a presença de representantes das diversas câmaras que já funcionavam naquela época no Estado e com religiosos de várias vilas, o que já era uma revolução para um período de lideranças indicadas pelo príncipe regente Dom João VI. O eleito substituiu o militar Luiz do Rego Barreto, o último português que governou Pernambuco, tendo sido imposto ao Estado logo após a Revolução Pernambucana de 1817. No ano de 1821, após um embate com os revolucionários da Junta de Goiana, o português ficou isolado e assinou a Convenção de Beberibe que abriu caminho para o processo eleitoral.
Gervásio Pires tinha sido um dos negociadores enviados pelo próprio Luiz do Rego para se chegar a um acordo que encerraria os dias do governador português em Pernambuco. O militar, por sinal, ficou no Estado até a data dessa eleição, partindo para Lisboa após a escolha do novo governante.
Descendente de portugueses, Gervásio Pires nasceu no Recife, viajou para estudar em Portugal e se tornou comerciante, a princípio em Coimbra e depois de volta à Pernambuco. No Recife, ele participou ativamente da Revolução Pernambucana de 1817, sofrendo as consequências após a derrota justamente para Luiz do Rego Barreto, enviado na época para reprimir o movimento.
“Gervásio Pires foi designado presidente do Erário, em substituição a Cruz Cabugá, e eleito para o conselho de governo ao lado de Morais Silva e de Antônio Carlos de Andrada e Silva. Durante as rebeliões que sucederam, Gervásio foi preso e enviado para a Bahia, onde permaneceu durante quatro anos. Liberado pela anistia, concedida pela corte, voltou ao Recife. Decidido a não falar, só se comunicava através de bilhetes. Permaneceu cauteloso administrando os seus bens”, afirma Dilva Frazão, no artigo Gervásio Pires Ferreira, Revolucionário brasileiro.
Em 1821, após eleito, governou pernambuco por quase um ano apenas. Naquele momento havia uma disputa no País entre aqueles que defendiam a ligação com Portugal e aqueles que estavam ao lado de Dom Pedro I no movimento independentista, que foi deflagrado quase um ano depois, em 7 de setembro de 2021. Na prática, Pernambuco já estava livre de Portugal desde a assinatura da Convenção de Beberibe em 5 de outubro de 1821 e consolidara o governo eleito localmente em 26 de outubro.
Durante a sua gestão, Gervásio Pires não se posiciona em favor de um lado ou outro, criando uma certa insatisfação em ambas as correntes da época. O historiador George Cabral, presidente do Instituto Histórico de Olinda, considera que ele foi uma liderança em favor dos interesses de Pernambuco não foi plenamente compreendida.
“O desejo de Gervásio era que a autonomia política e administrativa de Pernambuco ficasse garantida em um texto constitucional respeitado pelos poderes. Nesse sentido, relutou em aderir ao chamado do príncipe Pedro de Alcântara (futuro Pedro I), porque acreditava que as Cortes de Lisboa poderiam garantir uma melhor situação de autonomia para Pernambuco. Essa percepção de Gervásio foi vista pelos seus críticos como uma forma de indecisão, ou mesmo de covardia. Depois de quase um ano de governo, em agosto de 1822, ficou claro para Gervásio que as Cortes de Lisboa pretendiam anular os avanços concedidos ao Brasil durante a presença de Dom João VI, o que significava reduzir o papel das províncias brasileiras a meras colônias novamente. Ele então aderiu ao Rio de Janeiro, mas já era tarde demais. A incompreensão sobre o jogo político que se desenhava na triangulação Lisboa – Recife – Rio de Janeiro e os ressentimentos de senhores de engenho e parte das tropas levaram à deposição da Junta de Gervásio em setembro de 1822”, afirmou George Cabral.
Gervásio foi eleito como presidente da então Junta Provisória do Governo de Pernambuco. Integravam essa junta ainda: Felippe Nery Ferreira, Bento José da Costa, Antônio José Victoriano Borges, Joaquim José de Miranda, Manoel Inácio de Carvalho e Laurentino Antônio Moreira de Carvalho, esse como secretário.
Gervásio leva um golpe quase um ano após o início do seu mandato, quando passa a governar o Estado a Junta dos Matutos, um nome em referência às origens rurais dos seus componentes. “Com o Grito do Ipiranga em 7 de setembro de 1822, o movimento pró-José Bonifácio ganhou força entre as importantes famílias pernambucanas Albuquerque e Cavalcanti e, com a ajuda da força militar carioca, o governo de Gervásio foi derrubado no dia 16. Uma nova junta foi criada, e com o passar do tempo apelidada de Governo dos Matutos por ter em sua formação apenas proprietários rurais e nenhum comerciante urbano. O acontecimento marcou a adesão oficial de Pernambuco ao projeto de independência brasileiro”, afirmou Marcus Carvalho, no artigo Golpe e formação da Junta dos Matutos – Pernambuco.
Após a queda do seu governo e passar um novo período preso, Gervário volta a participar da vida política estadual como deputado e posteriormente como conselheiro do governo provincial. Ele vem a falecer em 1836, no Recife. Seu sepultamento ocorreu na Igreja Nossa Senhora do Rosário da Boa Vista.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)
.
.
REFERÊNCIAS