Hugo Gonçalves, presidente da Tambaú conta como seu pai ergueu uma das maiores indústrias alimentícias do Nordeste começando a vender, aos 14 anos, nas ruas de Sertânia, pirulitos feitos em casa. Também fala da segunda e terceira gerações da empresa familiar e dos planos para ganhar o mercado brasileiro.
Aos 14 anos, Gerson Gonçalves de Lima era um garoto pobre de Sertânia, no Sertão do Moxotó, que um dia disse ao pai não ter vocação para estudar e que queria ganhar seu próprio dinheiro. A resposta paterna veio em forma de sugestão: que tal fazer pirulitos na cozinha de casa para vender? Proposta aceita, Gerson em pouco tempo já não dependia dos recursos da família, com os trocados que passou a ganhar. Um sucesso que levou seu pai a sonhar mais alto ao propor comercializar doces de frutas tropicais. Montaram uma fabriqueta na vizinha Custódia, onde produziam delícias a partir da goiaba, abacaxi, caju, jaca e até do leite. Tudo feito com receita caseira da família.
A produção caiu no gosto do consumidor e transformou a fábrica de Gerson, a Tambaú, numa das maiores indústrias de alimentação do Nordeste. Hoje presidida pelo seu filho, Hugo Gonçalves, a empresa conta com 650 funcionários e produz uma média de 5 mil toneladas de produto acabado por mês – 60 mil toneladas por ano. Hoje, o portfólio é bastante diversificado e inclui, principalmente, derivados de tomates. Essa, aliás, foi mais uma inovação de Gerson. O motivo? “Meu pai disse: `é um mercado muito maior do que o de doces’. Foi uma decisão acertada porque hoje os atomatados representam mais de 70% do nosso faturamento”, ratifica Hugo.
Nesta entrevista online a Cláudia Santos, o presidente da Tambaú conta a trajetória da empresa familiar que teve um crescimento de 50% entre 2019 e 2023, mantido sustentável até hoje. O que também permanece é a decisão de manter a fábrica em Custódia, apesar de todos os percalços de se produzir no Sertão. Hugo, porém, tem planos ousados: “pensamos em ter uma outra unidade industrial para poder tornar a Tambaú uma empresa nacional”. É o DNA de empreendedor arrojado de Gerson que persiste na outra geração.
Como começou a história da Tambaú?
A Tambaú é uma empresa familiar, fundada pelo meu pai Gerson Gonçalves de Lima. Ele era de uma família humilde de Sertânia e, aos 14 anos, disse para o meu avô que não tinha vocação para estudar. Queria ganhar o dinheiro dele e que seu sonho, desde a infância, era ter uma indústria. Foi quando meu avô deu a ideia de começar a fazer pirulitos na cozinha da casa deles. Meu pai saía pela cidade vendendo e no final do dia passava na mercearia, comprava o açúcar que era matéria-prima para o dia seguinte. E foi ganhando dinheiro, não tinha mais a dependência dos pais. Um dia meu avô disse: “Gerson, vamos fazer doces de frutas tropicais”. Naquela época, há 60 anos, na região onde estavam, havia muita produção de frutas porque não havia estiagens tão fortes. Eles alugaram uma outra casa em Custódia onde meu pai montou uma fabriqueta.
Inicialmente produziam doce de goiaba. Meu pai era uma pessoa que sempre valorizava a inovação e começou a fazer doces cristalizados, que é aquela mariola. E aí foi de fato, o início da Tambaú. Antes o nome do produto era Goiabada Telma. Depois meu pai teve uma experiência de sair de Custódia para Campina Grande, onde achava que tinha condições de crescer mais rápido por ser um grande centro comercial. Mas chegando lá, percebeu que não havia produção de frutas como na região de Custódia. Ele ainda passou uns dois anos, depois voltou.
E veio com três nomes que faziam referência à Paraíba: Tambaú, nome da praia em João Pessoa, Borborema, Campina Grande é conhecida como a rainha da Borborema (referência ao planalto onde fica a cidade) e Cariri (nome da região sertaneja). A família inteira falou que Tambaú era mais bonito. Ele registrou esse nome e inclusive os primeiros rótulos tinham uma alusão a uma praia, com um coqueiro e o mar. Mas, depois, fomos interiorizando mais esse nome, tiramos esses elementos do rótulo e hoje Tambaú, pernambucanamente, é um nome muito forte porque a empresa fez 62 anos, prosperamos e perpetuamos o legado de meu pai.
Como era a característica dele como empreendedor?
Ele era uma pessoa que valorizava muito a inovação, não se contentou em fabricar somente doces de goiaba. Depois, passou a produzir também de banana, caju, jaca, abacaxi. Quando a empresa fez 25 anos ele disse: “agora vou trabalhar com atomatados”. Perguntei para ele, por que o interesse de entrar nessa área. Ele disse: “é um mercado muito maior do que o de doces”. Como de fato é. Foi uma decisão acertada porque hoje os atomatados representam mais de 70% do nosso faturamento.
E em 1997, meu pai foi diagnosticado com câncer de próstata, fez cirurgia e vários tratamentos, mas, no ano 2000, veio a falecer. A Tambaú já era uma empresa bem estruturada e nós nos reunimos – eu, minha mãe, meus irmãos – e, por decisão unânime, passei a ser o presidente, embora fosse o filho mais novo. A empresa começou com meu pai e meu avô, somos a segunda geração e já tem membros da terceira geração trabalhando na empresa.
De onde vinham as receitas dos doces?
De minha avó, que tinha a habilidade de fazer doces; e meu avô também. Eles passaram muita receita e uma coisa que também faz parte do nosso DNA, que é fazer produtos com foco para o Nordeste. Pessoas de São Paulo, às vezes, comiam nossos doces em calda e achavam muito açucarados, mas nossa região foi colonizada em cima da cana-de-açúcar que, na culinária nordestina, tem um peso muito forte. O nosso ketchup, campeão de vendas, nós o chamamos de “ketchup nordestino” porque é um produto mais adocicado e é o mais vendido porque agrada ao paladar do Nordeste.
A Tambaú deixou de fabricar alguns doces. Por quê?
Pois é, tínhamos doce de leite, de jaca, de abacaxi, de caju. Eles vendiam muito, mas por causa da estiagem, não temos mais a matéria-prima. Antes, em Custódia, recebíamos 2 mil litros de leite por dia, depois foi reduzido para 1.500, depois para 1000, cada vez mais foi reduzindo a produção e percebemos que não compensava trabalhar com uma quantidade muito pequena, então retiramos de linha. A produção de jaca na região chegou a zero. Eu já tive casos de passar três anos sem entrar nada de caju.
Aí você pergunta e a goiaba não afetou? Afetou, mas São Paulo é um grande produtor de goiaba, e compramos dele a polpa. Paralelo a isso, foi surgindo a fruticultura irrigada do Vale do São Francisco que independe de seca. Hoje compramos uma produção muito grande de lá.
Mas a matéria-prima que mais consumimos é o tomate. Não processamos tomate na fábrica porque, para processar, é preciso muita água, que a gente não dispõe. Por isso, compro o concentrado de tomate normalmente do Centro-Oeste, a região que mais produz tomate do Brasil. Aqui, diluímos o concentrado para fazer molhos, ketchup, extrato de tomate, a própria polpa de tomate. Também temos a opção de importar, a depender dos preços internacionais. Às vezes, é mais vantagem importar do Peru, do Chile ou mesmo da China, que é uma grande produtora e o país que mais processa tomate no mundo e exporta para a Europa, os Estados e para o Brasil.
Uma coisa que gosto de ressaltar é que de 2019 a 2023, que coincide com o período da pandemia, a Tambaú teve um crescimento muito acentuado de 50%, que vem se mantendo de forma sustentável, consistente, sem criar nenhum gargalo. Claro que existem os gargalos para atender mais pedidos, porém estamos fazendo os investimentos necessários para poder ampliar a produção e a frota de veículos, para fazer esses atendimentos.
Qual a causa desse crescimento?
Todas as indústrias de alimentos na pandemia tiveram um crescimento grande, porque foi um dos setores que não parou naquele período. Se parasse, haveria desabastecimento seria muito traumático. O governo concedeu a ajuda emergencial que se revertia em compra, principalmente de alimento. Além disso, muitas indústrias dos eixos do Centro-Oeste e do Sudeste, que atendiam o mercado daqui, tiveram um crescimento de vendas nas suas regiões muito grande. E, em razão da logística, havia muito carreteiro que não estava querendo viajar para o Nordeste. Então criou-se um vácuo na região que as empresas nordestinas ocuparam.
Para você ter uma ideia, tínhamos alguns produtos que concorriam com o de empresas do Centro-Oeste e Sudeste, como mostarda, que antes não vendíamos tanto. Como criou esse vácuo, passei a vender muita mostarda, assim como azeitona. E esse crescimento permaneceu. Aquele espaço que ganhei na pandemia, eu não perdi em seguida.
O consumidor experimentou seus produtos, aprovou e continuou a consumi-los?
Exatamente. Aqueles nossos produtos que os consumidores chegaram a provar pela primeira vez, eles gostaram e permaneceram fiéis. A pandemia teve a parte ruim de perdas de saúde e de vidas, mas deixou muitos aprendizados para o mundo. Esse tipo de reunião que eu estou fazendo contigo, uma videoconferência, quase não fazíamos antes. Aprendemos a fazer e agora isso é um legado que apropriamos.
Seus irmãos trabalham com o senhor também?
Todos os meus irmãos trabalham na empresa e eu já tenho filhos adultos que também trabalham em cargo de gestão. Meu filho mais velho, Igor, é gerente de vendas, uma área de muita responsabilidade porque é quem transaciona toda essa questão de atender o cliente, de desenvolver novos mercados. Mas ele vem fazendo isso com muita maestria e passou por essa prova de fogo que foi a pandemia, porque ele já vem nesse cargo há mais de 10 anos. Meu irmão Iuri é diretor financeiro, e minha irmã Maura é diretora administrativa.
Apesar de toda a dificuldade de produzir no Sertão, a Tambaú continua em Custódia. Por quê?
Nossa localização geográfica termina sendo, em termos logísticos, um diferencial. Num raio de 400 km, a Tambaú alcança capitais, como o Recife, Alagoas, João Pessoa, Natal e se dobrar esse raio para 800 km, alcançamos também as principais cidades. A localização termina nos favorecendo, embora soframos com a estiagem. E crescemos muito, eu confesso que crescemos além do que imaginávamos em Custódia, e já pensamos em ter uma outra unidade industrial para poder tornar a Tambaú uma empresa nacional.
O raio de atuação da Tambaú é o Norte e Nordeste brasileiro. Vale salientar que pesquisas da Nielsen apontam que o nosso ketchup nessas regiões é o mais consumido. Isso a gente vem conseguindo pelo oitavo ano consecutivo, disputando com multinacionais que lideram no mundo inteiro, como é o caso da Heinz.
Como estão esses planos de se tornar uma marca nacional. Onde seria a outra fábrica?
Estamos fazendo esses estudos, mas acredito que é um projeto para cinco anos à frente. Talvez vamos produzir no Centro-Oeste.
Qual a importância de uma fábrica como a Tambaú estar situada numa pequena cidade do Sertão?
Empregamos 650 funcionários diretos e isso para Custódia tem um peso muito grande porque toda cidade de interior tem uma certa carência de emprego. O que não acontece em Custódia. Não falo só da Tambaú, mas o próprio comércio de lá está sobrando vaga de trabalho. E nessa questão social, temos dado alguns apoios, como ao NACC que é o Núcleo de Apoio às Crianças com Câncer, e ao Imip. Em Custódia apoiamos vários atletas de corrida, de luta, de jiu-jitsu. A gente sempre tem esse espírito de retribuir o que a cidade vem nos dando. Então, apoiamos todas as festividades de Custódia, seja vaquejada, seja missa do vaqueiro.
Seu pai era muito inovador. Como vocês perpetuam essa característica dele?
Antigamente o extrato de tomate era vendido em copo com tampa de alumínio, depois veio aquela tampa que abre fácil, que tem um botãozinho de borracha, você puxa, extrai o ar. A primeira empresa do Nordeste a utilizar aquele tipo de tampa foi a Tambaú. Antes, os doces eram vendidos em lata, a primeira empresa do Nordeste a lançar a embalagem plástica também foi a Tambaú. Meu pai todo ano viajava para São Paulo, visitava as feiras do setor. Continuamos fazendo isso anualmente.
Meu pai também ia para feiras na Europa e a primeira vez que eu fui para a Alemanha foi para a Anuga e fui junto com ele. Este ano, estive lá novamente com Igor, Francisca que é a diretora industrial e Raíssa, que é quem conduz o marketing. É a maior feira de alimentos do planeta e a gente se inspira, vê lançamentos, tendências para poder servir de referência.
É importante você sempre acompanhar a transformação e as tendências nesse mundo da alimentação. Eu sempre digo que o sucesso do passado não vai garantir sucesso no futuro. A primeira empresa do Nordeste a lançar embalagens flexíveis de atomatado foi a Tambaú. Isso permite diferenciais que nos impulsionam. Essa foi uma decisão tão acertada que a gente hoje vende uma quantidade de molho bem significativa por ter acertado na embalagem.
Com tantos familiares na empresa, como é a relação de vocês, principalmente entre gerações?
Na qualidade de presidente, a palavra final é minha, mas não faço nada de forma autoritária. Quando não concordo com uma ideia, peço que me convençam de que ela é a melhor. Se eu não estiver convencido, mostro experiências passadas que não deram certo e explico que esse não é o melhor caminho e a gente termina se convencendo. Acho que esse embate de gerações é importante, eu lembro que na minha época, quando cheguei na fábrica, com 23 anos, formado, tinha alguns embates com meu pai.
Mas a melhor experiência que tive na vida, não digo que foi nem a faculdade, foi quando cheguei em Custódia, passei 10 anos ao lado do meu pai. Isso me propiciou um aprendizado muito grande que, mesmo depois da morte dele, a gente conseguiu dar continuidade ao seu legado. Em determinadas decisões que vou tomar, procuro ouvir a terceira geração e os funcionários para acertar o mais possível. Na medida que você escuta, você ouve, às vezes, uma opinião divergente da sua e isso propicia um enriquecimento, você tem a melhor escolha.
E quais são os planos da Tambaú?
Temos um comitê interno que abrange o marketing, o industrial, o comercial e fazemos reuniões periódicas para analisar novos produtos que podem fazer parte do nosso portfólio. Eu não vou te falar quais serão, porque ainda é segredo, mas existe uma lista de novos produtos a serem lançados. Como eu te falei, quero deixar o legado de tornar a Tambaú uma empresa nacional e para isso a gente precisa ter o apoio de uma outra unidade industrial. Sem ela, eu nem abro vendas para outras regiões, pois não iria conseguir atender. Já a unidade de Custódia tem como foco o Norte e Nordeste e a gente vem fazendo isso com muita maestria, com muita dedicação, com muita sensibilidade.
O que eu gosto de reafirmar é que ter essa sintonia, essa raiz com o Nordeste muito nos orgulha e nos enobrece, porque é uma região que desses últimos 10 anos muitas empresas passaram a enxergar também como seu mercado. Mas a Tambaú sempre teve a mente voltada para cá. A convivência com a seca, a ausência de malha ferroviária, as rodovias muito precárias, isso tudo procuramos superar, porque o importante para nós é chegar na casa do nosso consumidor nordestino e, para isso, todo o esforço vale a pena.