*Por Maurício Costa Romão
A Itália acaba de aprovar (21/set/2020), via referendo, a redução do número de cadeiras no Parlamento em 1/3, a partir das próximas eleições de 2023. Dessa forma, o número de senadores diminui de 315 para 200 e o de deputados de 630 para 400.
Assim como aconteceu quando o então recém-eleito presidente francês Emmanuel Macron propôs a redução também de 1/3 no número de parlamentares no país (de 577 deputados para 385 e de 348 senadores para 232), como parte das reformas que intentava levar a cabo no seu mandato, a decisão do povo italiano encontrou imediato eco na população brasileira que passou a almejar medida semelhante por aqui.
Não sem razão. A crise do coronavírus se superpõe um notório desencanto da população com o “establishment”, principalmente com a classe política e com o Legislativo. Na verdade, o assunto vem sendo tratado no Congresso Nacional já há algum tempo. Com efeito, pelo menos quatro Propostas de Emenda Constitucional (PEC) têm tramitado recentemente, objetivando reduzir o quantum de parlamentares.
Todavia, relativamente à sua dimensão territorial e populacional, o número de deputados federais do Brasil está de bom tamanho, do ponto de vista quantitativo. De fato, numa comparação com dez países democráticos importantes o deputado brasileiro só perde para o congênere dos Estados Unidos em termos do contingente populacional que representa (vide tabela abaixo).
Com efeito, enquanto cada deputado americano representa 762 mil habitantes, o parlamentar brasileiro é responsável por uma média de 415 mil representados. Em compensação, a média brasileira é maior do que a dos demais países selecionados e do que a de muitos outros no mundo contemporâneo.
Em cotejo com a Itália, por exemplo, depois do referendo, a relação população/deputado naquele país aumentou de 96 mil para 151 mil. Pelos padrões de “eficiência” do parlamentar brasileiro, todavia, a Itália só precisaria ter 186 parlamentares, ao invés de 400.
Enfim, o número de deputados federais no Brasil, contrario sensu, é adequado à dimensão continental e populacional do país. O que realmente destoa de muitas nações é o aspecto financeiro, quando se observa o salário e as vantagens que o deputado brasileiro recebe.
A tabela seguinte desfila os benefícios recebidos pelos deputados federais no Brasil. Note-se, de início, que o custo total de um deputado é 5,5 vezes maior do que seu salário, por conta dos auxílios complementares que lhe são pagos. No todo, cada deputado recebe cerca de R$ 183,9 mil por mês, o que equivale a R$ 2,2 milhões por ano. Somados os 513 parlamentares, o custo anual chega a mais de R$ 1,1 bilhão.
Estudos relativamente recentes (The Economist, ONU, Transparência Brasil, entre outros) mostram que os salários e vantagens do parlamentar brasileiro (juntando deputado federal e senador) estão entre os maiores do mundo, muito acima dos de congressistas de países ricos.
À guisa de exemplo: vigorasse a PEC 106 (tramitação arquivada) a diminuição proposta no número de deputados federais (128) reduziria os gastos com parlamentares em R$ 282,5 milhões/ano.
Registre-se, por oportuno, que o número de deputados estaduais é função do quantitativo de deputados federais. Com a diminuição destes, os Legislativos das unidades da federação sofreriam redução proporcional, com menos despesas para o erário.
A partir de dados brutos coletados com muita dificuldade pela Transparência Brasil junto às nada transparentes Assembléias Legislativas*, é possível compor a seguinte configuração de valores.
Considerando os salários dos deputados estaduais (até 75% do salário do deputado federal) acrescidos dos benefícios (verba indenizatória, verba de gabinete, etc.), um parlamentar estadual recebe, em média, R$ 141.367,00 por mês, cerca de R$ 1,7 milhão por ano.
Como o total de deputados estaduais é de 1059, nos 26 estados e mais Distrito Federal, tem-se que a despesa mensal com os legisladores das unidades da federação é da ordem de R$ 149,7 milhões. Em 12 meses o gasto chega a R$1,8 bilhão.
Pela aludida PEC 106 os deputados estaduais se reduziriam a 794, gerando uma economia anual para o país de R$ 449,5 milhões.
A tabela abaixo sintetiza os gastos do erário público com salários e benefícios dos parlamentares federais e estaduais no Brasil. Note-se que a PEC 106 traria uma economia anual da ordem de R$ 732,0 milhões.
Naturalmente que a importância do Legislativo como instituição imprescindível do Estado Democrático de Direito não pode ser avaliada e medida apenas por meros demonstrativos e comparativos de custos financeiros. Muito menos ainda se deve atrelar o mérito da atividade parlamentar somente à mensuração de despesas que o exercício do mister congressual acarreta aos cofres públicos.
Num e noutro caso, há que se ter outros parâmetros que levem em conta a relevância do Poder Legislativo e a importância das funções e atribuições de seus membros.
Entretanto, os injustificáveis excessos financeiros concedidos aos parlamentares e os vultosos gastos administrativos praticados no Congresso Nacional (e também, com raras exceções, nos Legislativos estaduais e municipais) chamam a atenção da sociedade, que passa a atribuir mais importância ao custo de manutenção dessas instituições e de seus legisladores do que ao seu papel representativo no regime democrático.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
mauricio-romao@uol.com.br
*”Estados e municípios mais pobres gastam mais em verbas e auxílios parlamentares”. Juliana Sakai & Bianca Berti. Transparência Brasil, 2015.