Em 2020, o Presidente Trump anunciava que o exército americano ia retirar suas tropas do Iraque e do Afeganistão. Diante do cenário de pandemia mundial, o Presidente Biden, aguardou para confirmar essa decisão. Em Abril 2021, foi confirmada então essa retirada, efetiva até 11 de setembro. Desde então, com a saída dos soldados americanos teve uma consequência radical, a volta com força total dos Talibãs.
No dia 7 de Outubro de 2001, os Estados Unidos atacaram o Afeganistão em represália dos atentados do 11 de Setembro. O idealizador dos atentados, Bin Laden e sua organizarão, Al-Qaeda, estavam lá baseados com apoio do governo Talibã. O ataque americano permitiu o desmembramento da organização terrorista no país e a queda do governo Talibã. Nesse sentido, a operação foi um êxito.
Desde então os Estados Unidos, igual no Iraque, se implicaram numa operação de luta contra o terrorismo e a implementação de um regime democrático (no sentido americano). No auge das operações 110 mil homens da coalizão (EU e OTAN) estavam mobilizados, hoje, pouco mais de 30 mil. Mas quais são as conclusões efetivas da maior intervenção americana de sempre (cerca de 20 anos)?
a) O Afeganistão não é mais o palco principal de intervenção da Al-Qaeda. A organização terrorista “levou” suas atuações para outros países como a Síria e principalmente na Africa, com a “filial” Al-Qaeda no Magrebe Islâmico.
b) Os Estados Unidos gastaram cerca de 2 trilhões de dólares (todos orçamentos cumulados) com mais de 100 bilhões para o desenvolvimento local sem sucesso. Esse valor é superior ao que foi investido durante o Plano Marshall na reconstrução da Europa no pós-guerra. Aparece hoje óbvio que financiar e apoiar financeiramente o exército local (300 mil homens) será mais barato que manter uma operação militar de porte em campo, mas isso também cria uma dependência forte. E quando os Estados Unidos deixarem de apoiar?
c) As tentativas de guerras para impor a democracia, se revelam sem sucesso para os Estados Unidos, em parte porque não conseguiram obter a adesão plena da população, devido aos inúmeros “danos colaterais” dos ataques aéreos americanos, e não conseguiram colocar aliados diretos no poder nas eleições democráticas que ocorreram nos últimos anos. Os Talibãs são de etnia pachtun como 42% da população.
d) Além disso, as próprias ações americanas acabaram por deslegitimar o poder local quando iniciaram a negociar acordos de paz com os talibãs em 2019, sem a presença das autoridades afegãs, deixando a imagem que estes não eram um força legítima. Essa iniciativa, simbolicamente, deixa entender que os Talibãs venceram a guerra.
e) Para manter um semblante de paz e conter a presença talibã em certos territórios, os Estados Unidos e o poder central concederam uma forte autonomia a “senhores de guerras”, que viraram governadores, assim como armamento. Estes consolidaram suas forças e retomaram a atividade da produção de papola e ópio, que é tradicional na região. Hoje o pais é uma narcoeconomia e, segundo alguns especialistas, com a saída do Estados Unidos poderá se tornar um narcoestado. Considera-se que cerca 20% do PNB (produto nacional bruto) e 354 mil empregos são oriundos do tráfico de droga. O Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo (85% da produção mundial).
f) Os rebeldes talibãs controlavam 77 distritos em maio. Em julho, passou para 222 no total de 400 (o governo central controla ainda 73). O exército afegão ainda mantém o controle das principais cidades do país, mas até isso está sendo difícil. Quantro delas caíram nas mãos dos talibãs. Essa progressão parece não ter fim.
g) A saída dos americanos terá impactos geopolíticos fortes. As reconquistas dos territórios do Norte pelos talibãs fizeram com que a Rússia mandasse frotas de blindados nas fronteiras do Tadjiquistão.
A posição do Paquistão, que foi uma das bases de apoio dos Talibãs será consolidada na região o que pode ser considerado uma ameaça para a Índia. Alem disso, para o Paquistão, apoiar os talibãs é impedir que o regime democrático se consolide no Afeganistão e assim manter influência no país com essa instabilidade.
A China com sua força tranquila, por via de acordos comerciais e projetos de desenvolvimento, pode ser um dos principais “vencedores” nesse marasmo, dado que os talibãs, neste momento, e mais ainda se voltarem ao poder, precisarão de apoio internacional. Essa penetração da China vai no sentido de uma política de expansão de influência na Asia Central para recriar as antigas rotas da seda.
O que nos resta são interrogações, dificeis de serem respondidas mas todas de grande importância dado os atores que eles implicam:
Qual será a posição internacional se os talibãs voltarem ao poder ? Principalmente a da Rússia e da China ? Qual o papel do Irã nesse contexto? O que pode acontecer se os talibãs quererem se autonomizar rapidamente da influência do Paquistão? Como vai reagir a India? Os talibãs voltando ao poder poderão ser de novo uma base para a Al-Qaeda e o Estado Islâmico ? Qual o peso do tráfico de droga num país destroçado, instável ?
Não o sabemos de fato. A unica certeza é que hoje a saida dos Estados Unidos em muitos aspetos se parece com a derrocada no Vietnã.
Marco Alves, Fellow IPERID na França
Politista, jurista internacional e internacionalista