ABDC busca fortalecer o setor e impulsionar a infraestrutura digital no Brasil. Confira a entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), Renan Lima.
Renan Lima, cofundador e presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), destaca o papel estratégico dos data centers na economia digital e os desafios para a expansão da infraestrutura no país. Em entrevista, ele aborda a importância da regulamentação, incentivos para investimentos e a necessidade de qualificação profissional para acompanhar o crescimento do setor.
Qual a perspectiva de crescimento do setor de Data Centers no Brasil nos próximos anos? O cenário atual é satisfatório?
A perspectiva para o mercado de Data Centers no Brasil é de crescimento acelerado, com a previsão de triplicar a capacidade instalada atual até 2029, o que representará um investimento de aproximadamente R$ 100 bilhões. Este crescimento está sendo impulsionado por fatores como a digitalização das empresas, o avanço do cloud computing, o edge computing e, principalmente, pela crescente demanda gerada pela Inteligência Artificial (IA), que exige grandes Data Centers tanto para o processamento de inferências quanto para o treinamento de novos algoritmos.
Embora esse crescimento represente um avanço significativo, ainda corresponde a um market share pequeno em relação ao volume global de investimentos no setor. Por exemplo, apenas nos Estados Unidos, foram anunciados investimentos superiores a R$ 3 trilhões em Data Centers nos próximos anos. Apesar disso, o Brasil possui vantagens competitivas que o tornam altamente atrativo para investidores internacionais, como:
- Matriz elétrica abundante e sustentável: o país é líder em energia renovável, com destaque para hidrelétricas, eólicas e solares.
- Custo competitivo de energia: inferior ao de muitos países desenvolvidos, o que reduz o custo operacional dos Data Centers.
- Cadeia de suprimentos robusta e mão de obra especializada: nossa indústria é altamente profissionalizada e preparada para atender demandas críticas.
Esses fatores posicionam o Brasil como um dos destinos mais promissores para atrair uma parcela significativa dos investimentos globais em Data Centers, especialmente em um momento de expansão exponencial da economia digital e de maior ênfase na sustentabilidade.
Hoje a maioria dos Data Centers está concentrado em São Paulo?
A maior parte dos Data Centers no Brasil está concentrada em São Paulo, principalmente devido à alta densidade populacional e econômica da região. Esses fatores são fundamentais para o desenvolvimento de grandes campus de Data Centers voltados ao Cloud Computing, uma vez que garantem proximidade com clientes, maior demanda e uma infraestrutura de telecomunicações bem desenvolvida. Contudo, a descentralização dessa infraestrutura é crucial para atender a novas demandas estratégicas e impulsionar o desenvolvimento regional.
Qual a importância de descentralizar essa infraestrutura?
A descentralização, dentro da estratégia de Edge Computing, é essencial para levar o processamento computacional mais próximo das operações na ponta, o que reduz a latência e viabiliza serviços de alta performance, como a Internet das Coisas, veículos autônomos e aplicativos que exigem resposta em tempo real. Esse movimento não apenas moderniza a indústria, mas também promove o desenvolvimento econômico em regiões menos exploradas, ao descentralizar a concentração de investimentos tecnológicos.
Além disso, os grandes Data Centers voltados para treinamento de algoritmos de inteligência artificial, que não exigem baixa latência por não precisarem estar próximos aos usuários, podem ser estrategicamente localizados em regiões fora do eixo tradicional. O Nordeste é um exemplo promissor, pois combina vantagens estratégicas como ser o ponto de chegada de grande parte dos cabos submarinos que conectam o Brasil ao resto do mundo e possuir uma matriz energética majoritariamente renovável, com destaque para a produção de energia eólica e solar. Essa localização também minimiza custos com infraestrutura elétrica, já que a proximidade com a geração reduz a necessidade de grandes investimentos em transmissão e distribuição.
Portanto, a descentralização da infraestrutura de Data Centers não é apenas uma questão de eficiência operacional e redução de custos, mas também uma oportunidade de equilibrar o desenvolvimento tecnológico no país, promovendo maior integração regional e competitividade no mercado global.
Quais as políticas públicas que a associação pleiteia para incentivar a instalação de mais infraestruturas dessa no País?
A associação identifica três políticas públicas essenciais para impulsionar a instalação de mais Data Centers no Brasil. A primeira diz respeito à facilidade de conexão elétrica com a rede. Hoje, o processo para grandes consumidores, que demandam acima de 100 MW, é excessivamente demorado, levando cerca de um ano e meio para sua aprovação. Esse procedimento envolve a concessionária de energia, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Apesar de reconhecermos a complexidade da rede interconectada brasileira, o contexto global impõe uma criticidade alta, já que o país enfrenta uma oportunidade única de atrair esses investimentos. Os prazos prolongados criam incertezas que acabam afastando clientes finais dos Data Centers brasileiros, direcionando-os para países com processos mais ágeis.
A segunda política prioritária é a redução e estabilidade tributária para GPUs e supercomputadores voltados à inteligência artificial. O Brasil não possui uma indústria nacional de fabricação desses equipamentos e enfrenta competição com países que oferecem benefícios fiscais claros e abrangentes para Data Centers. Um exemplo é o estado da Virgínia, nos Estados Unidos, que se tornou o maior hub global de Data Centers graças aos incentivos fiscais. Cerca de 90% dos projetos na região não seriam instalados sem essas vantagens. No Brasil, os benefícios tributários existentes, como os Ex-tarifários, são limitados, pois a classificação de produtos é restrita e requer constante renovação sem garantias de longo prazo. A insegurança gerada por essa inconstância desestimula grandes investidores que planejam investir no país por longo prazo, mas enfrentam altos impostos e/ou inseguranças tributárias de longo prazo.
O terceiro ponto pleiteado é uma regulamentação de inteligência artificial favorável. Após solucionar os desafios da matriz elétrica e dos benefícios fiscais, este se torna o próximo fator decisivo para atrair investimentos. Uma regulamentação restritiva pode afastar grandes empresas de tecnologia e TI que buscam expandir suas operações no Brasil. A indústria de IA ainda está em sua fase inicial, e suas implicações indiretas são pouco compreendidas. Por isso, é essencial que o governo trabalhe em conjunto com entidades de classe, o setor privado e as grandes empresas de tecnologia para desenvolver políticas que promovam segurança jurídica e garantam o crescimento dessa indústria emergente.
Essas três frentes — conexão elétrica eficiente, redução e estabilidade tributária, e regulamentação favorável à inteligência artificial — são pilares fundamentais para posicionar o Brasil como um destino atrativo para investimentos em infraestrutura de Data Centers, alavancando as vantagens competitivas do país no cenário global.