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A República de Pernambuco

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Nunca esta República foi tão vilipendiada quanto nestes dias turbulentos. Marianne, a efígie republicana, está coberta de rubor. De que terá valido o sacrifício dos nossos heróis na busca do ideal republicano? Para que o tempo não apague, é sempre útil recordar. Um desses heróis foi o padre João Ribeiro, figura destacada, embora pouco conhecida pela posteridade.

Naquele início de março a apreensão reinava no Recife. Ao saber que o governador português detivera diversos conspiradores pela independência brasileira, João Ribeiro se pôs a rezar, esperando a vez de ir para a cadeia. A oração, contudo, funcionou e trouxe o inesperado. Oficiais brasileiros se rebelaram, o povo pobre apoiou, e a revolução programada para abril, eclodiu em 6 de março de 1817, fazendo-se fato consumado. Como diria, séculos depois, Chico Buarque em sua canção Vai Passar, “se viu de perto uma cidade a cantar, homenageando a evolução da liberdade”.

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O padre João Ribeiro, por seu turno, felicíssimo, supunha que, enfim, a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade marcariam o Brasil. Ledo engano, como você vai ver.

João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro nasceu em Tracunhaém e ganhou o mundo. Ordenado, tornou-se auxiliar do monsenhor Arruda Câmara, testemunha ocular da Revolução Francesa, cujos ideais libertários passou a disseminar tendo ao seu lado, sempre, o jovem padre, desenhista das novas espécies vegetais descobertas nas suas expedições científicas. João Ribeiro era, não há dúvida, o mais admirado dos discípulos de Arruda Câmara.

Em Portugal, se associou à Academia Real de Ciências de Lisboa e ao regressar empregou-se como professor de desenho no Seminário de Olinda, onde começou a ficar famoso pela dignidade, generosidade, cortesia e vasta cultura.
Diz o comerciante Louis Tollenare, que o padre João Ribeiro era “um homem pobre, mas bastante filósofo para desprezar a riqueza”, e “ninguém na Europa imaginaria haver aqui alguém tão sábio”. Achava-o, no entanto, excessivamente bondoso, desprovido da malícia necessária à atuação na política. E nos seus escritos profetizou que ele “se sacrificaria pela sua pátria, mas seria incapaz de salvá-la…”.

De qualquer forma, a revolução triunfou, proclamou-se a República e foi criado um governo provisório, uma pentarquia representando comerciantes, agricultores, juristas, militares e religiosos. Estes, por sua vez, João Ribeiro à frente, os mais cultos e preparados numa terra de maioria analfabeta, assumiram a administração pública, onde operaram verdadeiros milagres. Em apenas dois meses reformaram o sistema tributário, prepararam um projeto de Constituição, fizeram uma gráfica funcionar pela primeira vez na província, criaram a primeira polícia brasileira, e deram fim ao monopólio dos mascates portugueses no comércio de alimentos, o que causava a carestia e a fome. Só não acabaram com a escravidão devido à resistência dos proprietários mas, mesmo assim, decretaram a alforria dos cativos que se alistassem no Exército, o primeiro ato abolicionista promulgado no País.

Incansável, João Ribeiro juntou-se ao pintor José Alves, e criou para a República uma bandeira azul e branca com o Sol, um arco-íris, uma cruz e três estrelas representando Pernambuco, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. À medida que outras províncias se libertassem novas estrelas seriam acrescentadas, mas a 13 de maio, derrotadas na batalha do Engenho Trapiche pelo Exército monarquista, as tropas republicanas retiraram-se do Recife para prosseguir lutando no interior. Estavam acompanhadas pelo padre João Ribeiro, servindo de capelão.

À noite, contudo, os líderes republicanos concluíram que a causa estava perdida e, não havendo condições de progredir, a coluna se desfez. Cada um tomou seu próprio rumo, em busca de esconderijo. João Ribeiro, no entanto, em vez de tentar fugir preferiu se matar, enforcando-se.

Conjurada a revolução, tão logo retomaram à capitania, os colonizadores, em supremo opróbrio, mandaram exumar o corpo do padre e passaram a expor sua cabeça na ponta de uma vara, no Centro do Recife. Ela assim permaneceu por dois anos, para intimidar os pernambucanos, que, indomáveis, em nome dos mesmos ideais libertários e democráticos defendidos por João Ribeiro se rebelaram em 1821, 1824 e 1848.

*Por Marcelo Alcoforado

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