A expressão do momento é “cultura do cancelamento”. Para alguns, um meio de romper a estrutura de poder que blinda os privilegiados. De fato, foi dessa forma que grupos minoritários conseguiram expor violações e fazer denúncias a direitos humanos pelo mundo afora. Para quem se debruça sobre o comportamento que ganhou ainda mais visibilidade, e provocações, a partir de um reality show, exibido em canais aberto e por assinatura, alguns questionamentos merecem atenção: o “cancelar” resolve problemas estruturais de desigualdade ou apenas reproduz uma lógica punitivista? Qual o limite do linchamento em território virtual?
A minha reflexão é que a cultura do cancelamento surge para dar visibilidade a grupos minoritários e denunciar pessoas de poder que, até então, eram intangíveis. E os impactos provenientes desse comportamento, contudo, são efêmeros, imediatistas e pouco efetivos para aqueles que são adeptos à prática.
Muitos desses cancelamentos perdem força após a sua “explosão” e os cancelados continuam sua vida e profissão naturalmente. A reflexão que devemos fazer é se essa é a única forma de trazer à tona a discussão de questões, que já são difíceis de serem tratadas e compreendidas pela maioria das pessoas, de forma violenta e rebatida.
A depender da forma falada se aproxima do formato violência com violência, gerando ódio, exclusão e falta de diálogo. Não há um convite à reflexão, à troca de ideia, será que cancelar alguém traz resultado? Pesquisadores apontam que a cultura do cancelamento foi difundida a partir do movimento #MeToo, com denúncias nas redes sociais para expor relatos de assédio sexual, especialmente na indústria do entretenimento.
A dinâmica foi incorporada de vez nos meios digitais com a nova face de que não é necessário cometer um crime para ser cancelado. Basta a formulação de ideias equivocadas, ou por pura ignorância acerca de um assunto, e o cancelled aponta.
Se, para alguns, o cancelamento traz o lado positivo de romper uma estrutura de poder para fazer uma denúncia justa que, de outra forma, não seria ouvida, por outro, fica uma interrogação sobre se o movimento foi perdendo o senso de proporção.
Será que estamos abertos ao diálogo? Ou, de fato, é melhor cancelar alguém, sem nem compreender como se deu aquele processo de aprendizagem, sobre conteúdos polêmicos? São questionamentos que nos mostram o quanto estamos sendo empáticos uns com os outros, o quanto estamos respeitando as diferenças… sem dar oportunidade de diálogo.
*Vladya Lira, psicóloga, mestre em Psicologia, doutoranda em Psicologia Clínica e professora do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE)