Pergunta-se: qual é a probabilidade de dar certo um filho de agricultores nascido em 1920, em Itapetim, Sertão de Pernambuco? É bem pequena, admita-se, embora não impossível. Pelo menos não foi, quando nasceu Rogaciano Leite, no dia 30 de junho daquele ano.
Quinze anos se arrastaram naquela cidade também conhecida por “Ventre Imortal da Poesia”, suscitando outra pergunta: o que poderia fazer naquele lugar modorrento o menino agora transformado em um rapazola magricelo? Fazer poesia, ora.
Foi exatamente isso o que ele cuidou de fazer. E para dar início em grande estilo à carreira de poeta violeiro, desafiou, com apenas 15 anos de idade, recorde-se, o famoso e experiente cantador Amaro Bernardino. Ao final da cantoria conquistou o aplauso dos presentes, e sua fama começou a correr mundo, levando o dono com ela.
No Rio Grande do Norte, ele fez uma sólida amizade com o poeta Manuel Bandeira, que lhe ensinou técnicas de poesia. Em Caruaru, apresentou um programa diário de rádio. Em Fortaleza, quem sabe em busca de uma vida mais segura para a família, tornou-se bancário, casou-se e teve seis filhos, cujos nomes, Rogaciano Leite Filho, Anita Garibaldi, Roberto Lincoln, Helena Roraima, Rosana Cristina e Ricardo Wagner muito dizem dos vultos que ele reverenciava.
Em 1968 deixou o Brasil para cumprir uma temporada na Europa, deixando gravado em monumento da Praça de Moscou, na Rússia, seu poema Os Trabalhadores, um dos mais conhecidos de sua autoria, ao lado de Acorda, Castro Alves, Dois de Dezembro, Poemas Escolhidos e Eulália. Seu único livro editado, no entanto, é Carne e Alma, de 1950, prefaciado por Luís da Câmara Cascudo.
Mas não foi só isso. O menino poeta cantador fez mais. Fez-se intelectual. Graduou-se em letras clássicas, advogou e como jornalista conquistou um cobiçado Prêmio Esso de Jornalismo, com reportagem sobre o Rio Amazonas. Mesmo assim, premiado com tanto sucesso, foi marcado pelo amargor, especialmente quanto à cidade em que nascera, que considerava ingrata. Basta dizer que um dia, em meio a um desafio com o conterrâneo Lourival Batista, ouviu dele estes versos acusadores: “Filho que fala da mãe,/Morrendo o diabo carrega!”
A resposta foi pronta e à altura: De fato, caro colega, a sua razão não se some/ O diabo carrega o filho que da mãe manchar o nome/Mas também carrega a mãe que mata o filho de fome!
Talento raro, na véspera do Natal de 1953, numa mesa de bar do Recife, bebia com o folclorista Aleixo Leite Filho que lhe propôs o tema “Na noite santa em que nasceu Jesus”. Ato contínuo, o poeta escreveu: Bebo. E, bebendo pela vida afora/Esqueço-me das mágoas torturantes/De hora em hora, de instantes em instantes,/De instantes, em instantes, de hora em hora./ Vejo as visões que já não tenho agora,/Visões e outrora que já vão distante./São fantasmas de amor extravagantes,/Extravagantes ilusões de outrora./ Bebo. E ninguém me culpe desse vício;/Se eu rolar, ou tombar no precipício,/ Conduzirei, sozinho, a minha cruz./ Porém, jamais, embora frente à taça/ Me esquecerei do amor, da luz, da graça,/Na noite santa em que nasceu Jesus.
Rogaciano Leite morreu no Rio de Janeiro em 7 de outubro de 1969, mas voltou a Itaperim no documentário Reminiscência em Prosa e Versos em que seus contemporâneos contavam a história de sua vida. Entre eles estava Ariano Suassuna, com quem Rogaciano Leite fizera, nos anos 1940, o 1º Congresso de Cantadores Repentistas do Brasil.
*Por Marcelo Alcoforado