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Pernambuco cria a rota turística do Queijo Artesanal

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Projeto Chão de Queijo incentiva a cadeia produtiva de laticínios e do turismo gastronômico e cultural das cidades da Bacia Leiteira

*Por Rafael Dantas / Fotos: Alexandre Albuquerque

Para quem busca unir turismo e boa gastronomia, Pernambuco oferece experiências imperdíveis, como as vinícolas de Garanhuns e do Vale do São Francisco, além das tradicionais cachaçarias. Agora, um novo roteiro está sendo estruturado no Estado, destacando uma das grandes referências da culinária local: o queijo. Queijarias artesanais de 10 cidades pernambucanas estão abrindo suas portas para apresentar produtos exclusivos e compartilhar histórias e receitas que preservam a tradição. Algumas delas produzem variedades únicas no Brasil.

Pernambuco conta oficialmente com 41 queijarias artesanais registradas na Adagro (Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado). No entanto, a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados, vinculada à Adepe (Agência de Desenvolvimento de Pernambuco), estima que o número real seja próximo de 300. Dentro desse universo, um grupo de 13 produtores da Bacia Leiteira do Agreste passa a integrar o Projeto Chão de Queijo, que busca consolidar a Rota do Queijo Artesanal de Pernambuco, uma iniciativa oficial do Funcultura.

“O Projeto Chão de Queijo nasce do desejo de valorizar um dos nossos patrimônios gastronômicos que é o queijo artesanal. Mais do que um simples roteiro, queremos contar as histórias por trás de cada produtor, mostrar a riqueza das técnicas tradicionais e conectar esses saberes a uma experiência de turismo com uma identidade forte local. Acreditamos que essa rota vai encantar visitantes e abrir portas para um reconhecimento ainda maior da nossa cultura", destacou Alexandre Albuquerque, idealizador do Projeto Chão de Queijo.

Alexandre Albuquerque rota artesanal queijo
Alexandre Albuquerque: "Mais do que um simples roteiro, queremos contar as histórias por trás de cada produtor, mostrar a riqueza das técnicas tradicionais e conectar esses saberes a uma experiência de turismo com uma identidade forte local."

Integram esse roteiro das queijarias artesanais, produções nos municípios de Alagoinha, Bom Conselho, Cachoeirinha, Garanhuns, Sanharó, São Bento do Una, Venturosa, Pedra e Pombos, no Agreste Pernambucano, além de Ribeirão, localizada na Zona da Mata Sul. Algumas dessas cidades já têm vocação turística, que é reforçada com mais um atrativo aos seus visitantes. Outros podem colocar um pé nesse setor da economia pernambucana que é intensivo em mão de obra e que gera oportunidades ligadas à hospedagem, à gastronomia e ao lazer.

Os turistas que percorrerem a rota das queijarias artesanais terão a oportunidade de conhecer novos fornecedores e descobrir a origem dos queijos que consomem. “Muitas vezes, as pessoas compram queijo nas capitais, como no Recife, sem saber de onde vem ou quem o produz. Com a rota, poderão conhecer a história dos produtores, acompanhar o processo artesanal e entender o verdadeiro custo do queijo, que é diferente da produção em grande escala. Além disso, terão uma experiência no meio rural, já que muitas queijarias estão localizadas fora dos centros urbanos”, destaca Patrícia Magalhães, Consultora de Turismo e CEO da Avant Turismo PE.

Patricia Magalhaes Avant Turismo Agreste
Patrícia Magalhães: "Com a rota, as pessoas poderão conhecer a história dos produtores, acompanhar o processo artesanal e entender o verdadeiro custo do queijo, que é diferente da produção em grande escala"

DAS COMMODITIES AOS QUEIJOS ARTESANAIS

Apesar da tradição na produção de queijos, Pernambuco ainda enfrenta um alto nível de informalidade, especialmente no interior. No entanto, um movimento de valorização tem ganhado força, destacando a identidade e a história de cada produtor, ao mesmo tempo em que aprimora os processos produtivos, agregando sofisticação e reconhecimento ao setor.

“O cenário atual de queijos aqui em Pernambuco e no Brasil também, atualmente, se divide em commodities (principalmente muçarela) e os queijos artesanais. Há espaço para ambos, percebemos que o público para queijos artesanais é bem mais seleto e também há ocasiões para cada tipo de queijo”, afirmou Vânia Freire Lemos, coordenadora de operações do CT Laticínios de Garanhuns (Centro Tecnológico Instituto de Laticínios do Agreste) do Itep (Instituto de Tecnologia de Pernambuco).

Vania Freire Queijo
Vânia Freire: "O cenário de queijos em Pernambuco e no País se divide em commodities e os artesanais. Há espaço para ambos, percebemos que o público para queijo artesanal é bem mais seleto e há ocasiões para cada tipo de queijo."

Entre 2020 e 2023, o CT Laticínios, em Garanhuns, desenvolveu um projeto de incubação voltado para empresários da região interessados em atuar no setor de laticínios, por meio de um contrato de gestão assinado entre o Itep e a Secretaria de Ciência Tecnologia e Inovação de Pernambuco (SECTI). Durante esse período, os participantes trabalharam na prospecção, desenvolvimento e produção de queijos finos, especiais e até autorais, aprimorando técnicas e consolidando suas marcas no mercado.

Após uma fase experimental, o Laticínio Belamente, de Garanhuns, deu sequência a sua produção própria na sede da Fazenda São José, onde atualmente produz queijos especiais das marcas Sambaiba e Belamente. No local, são fabricados oito tipos diferentes, usando tanto leite de vaca, como de cabra.

Apostando na raça indiana Guzerá, conhecida pela rusticidade e pelo leite de alto teor de sólidos (percentual de gordura, proteína e minerais), José Bezerra, proprietário do Laticínio Belamente, decidiu investir em queijos autorais. “Achamos que era uma matéria-prima muito rica para ser vendida apenas como leite fluido, então começamos a experimentar e desenvolver receitas para aproveitar ao máximo seu potencial”, explica o produtor.

A fazenda resgatou a tradição familiar na produção de queijos, interrompida por algumas gerações, e hoje se dedica à elaboração de produtos de média e longa maturação, naturalmente sem lactose e livres de conservantes. Além do leite do rebanho Guzerá, a queijaria também utiliza leite de cabra, animal símbolo da resistência da Caatinga. “Queremos explorar ao máximo os recursos do semiárido e produzir em harmonia com o meio ambiente, refletindo isso no produto final”, afirma José Bezerra. A fazenda também está iniciando a recepção de visitantes para roteiros guiados, mediante agendamento pelo Instagram ou por telefone.

A coordenadora de operações do Centro Tecnológico Instituto de Laticínios do Agreste destaca que, no caso das queijarias artesanais, diversos protocolos de produção são seguidos até que se atinja o sabor específico de cada produto. “Os diferenciais de raça, alimentação, manejo, tipo de leite e processo produtivo artesanal são, sem dúvida, o conjunto que promove a produção de queijos especiais e sabores característicos. Outro diferencial é que o processo de produção é o mais natural possível”, destacou Vânia.

DE PRODUTORES AO ATENDIMENTO AOS TURISTAS

Fazenda Polilac Garanhuns Queijos
A Fazenda Polilac já se consolidou como um dos atrativos para quem visita Garanhuns. O local atrai muitos visitantes pela venda de produtos artesanais, opções de lazer para crianças – como passeios de pônei – e refeições servidas no próprio espaço.

Para a maioria dos produtores, a recepção de visitantes na produção não fazia parte da rotina. Uma exceção é a Fazenda Polilac, localizada na entrada de Garanhuns, que já se consolidou como um dos atrativos para quem visita a chamada Suíça Pernambucana. O local atrai muitos visitantes pela venda de produtos artesanais, opções de lazer para crianças – como passeios de pônei – e refeições servidas no próprio espaço.

Além da Polilac, Garanhuns também se destaca por abrigar o Museu do Queijo Coalho e as produções das marcas Sambaiba e Belamente, consolidando-se como o epicentro do roteiro. “Acreditamos que a Rota do Queijo é uma ferramenta muito importante para a divulgação do queijo artesanal e vem somar ao polo turístico que é Garanhuns. Para o setor lácteo, esse projeto é a realização de um desejo antigo dos produtores e uma vitrine essencial para divulgar o trabalho de inúmeras famílias, que agora têm no turismo mais uma forma de agregar valor à sua produção”, afirmou Vânia Freire Lemos.

Nos demais municípios da Bacia Leiteira, a oferta de experiências turísticas atrelada à atividade de produção dos laticínios é nova. “Algumas queijarias já são conhecidas, como a Polilac. Mas, a maioria delas é nova. Então, é novo para o produtor também receber visitantes e turistas na propriedade. É uma rota realmente piloto mas com muito a apresentar. Algumas cidades que estão nesse projeto não são conhecidas turisticamente e passam a ter mais visibilidade, como Pedra. Além de visitar as queijarias, os turistas vão poder conhecer outros atrativos da cidade”, afirmou Patrícia Magalhães, consultora de turismo e CEO da Avant Turismo PE.

Pedra, com pouco mais de 20 mil habitantes, abriga a Fazenda Caboclo e o Laticínios Garanhuns. Outras cidades que não estão entre os destinos turísticos mais tradicionais da região, mas que fazem parte da rota, incluem Alagoinha (Coobellac), Cachoeirinha (Laticínios Cachoeirinha) e Venturosa (Leite Nobre).

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QUEIJO DE OVELHA

Na área rural de Pombos, a DiPotenza Latteria se tornou uma referência na produção de queijos artesanais do leite de ovelha. Com uma tradição familiar de origem italiana e uma inspiração nos queijos europeus, a queijaria se destaca por fabricar produtos autorais e premiados no cenário nacional. Agora, além de experimentar, os pernambucanos poderão conhecer de perto essa produção. “Hoje muita gente manda mensagem pelo Instagram perguntando se tem como visitar, se tem loja, essa demanda já existe aqui para a gente. Com a divulgação, tende a aumentar essa procura”, afirma Nicola Pedulla, proprietário da fazenda.

A história da DiPotenza começou antes de 2017, quando Nicola morava em Portugal e não planejava voltar ao Brasil. Com uma forte ligação afetiva com a propriedade da família, decidiu transformar o espaço em um laticínio especializado em queijos de ovelha, trazendo para o Nordeste um tipo de produção ainda rara no País. Hoje, a fazenda abriga cerca de 300 ovelhas leiteiras e uma fábrica que processa aproximadamente 1,5 tonelada de queijo por mês. Além dos queijos premiados, a marca também produz ricota, frescal e está prestes a lançar um iogurte artesanal.

DiPotenza ovelhas agreste pombos queijo
Em Pombos, a DiPotenza Latteria abriga cerca de 300 ovinos leiteiros e uma fábrica que processa aproximadamente 1,5 tonelada de queijo de ovelha por mês. A queijaria se destaca por fabricar produtos autorais e premiados no cenário nacional.

Durante a pandemia, a DiPotenza iniciou as vendas por delivery e, aos poucos, estruturou parcerias para distribuir seus produtos. Um dos focos atuais é a comercialização para hotéis, restaurantes e revendedores especializados. Agora, a fazenda se prepara para abrir as portas ao público, formatando um roteiro de visitação que incluirá uma lojinha e experiências interativas, como ordenha e alimentação de cordeiros.

Um dos maiores desafios da produção de queijo de ovelha no Brasil é a falta de conhecimento do consumidor. Muitos ainda confundem com o queijo de cabra, que tem um sabor mais intenso e específico. “Falta conhecimento mesmo, um problema que sempre temos. A gente fala e muita gente tem preconceito com queijo de cabra e associa com ovelha. Mas são animais e produtos completamente diferentes”, explica Nicola. Com a abertura para visitantes, a DiPotenza pretende não apenas fortalecer o turismo gastronômico, mas também ampliar o reconhecimento do queijo de ovelha no mercado pernambucano.

INCENTIVO AO SETOR E DESAFIOS PARA A ESTRUTURAÇÃO TURÍSTICA

O setor de laticínios do Estado é um dos grandes produtores do Nordeste, com um desempenho crescente nos últimos anos. “Pernambuco tem um grande potencial em produção de leite. Estamos entre os maiores produtores do Nordeste e o nosso queijo artesanal é o grande destaque desta cadeia produtiva. O Programa PE Produz e o Programa PE Produz Bacia Leiteira impulsionam associações e pequenas produções no Estado por meio de investimentos em tecnologias agrícolas e inovação”, declarou o presidente da Adepe, André Teixeira Filho.

Andre Teixeira Adepe
André Teixeira Filho: "Pernambuco tem um grande potencial em produção de leite. Estamos entre os maiores produtores do Nordeste e o nosso queijo artesanal é o grande destaque desta cadeia produtiva."

Uma das principais ações foi a atualização da legislação da bacia leiteira, garantindo isenção e descontos no ICMS para fortalecer a competitividade do setor. “O Governo de Pernambuco autorizou a prorrogação do decreto que cria subsídio de 95% do ICMS para indústrias que comprarem, pelo menos, 90% do leite com produção local. Agora, todos os tipos de queijo – incluindo o queijo coalho – são beneficiados. Também mantemos diálogo aberto com produtores e indústrias por meio da Câmara Setorial Produtiva do Leite. Todas essas iniciativas visam abranger desde pequenos criadores de gado até cooperativas e associações que movimentam a economia local”, reforçou André Teixeira Filho.

De acordo com o economista e diretor de Fomento, Inovação e Arranjos Produtivos da Adepe, Pedro Neves, o desempenho do setor é reflexo de políticas estratégicas que fortalecem desde os pequenos produtores até as grandes redes. Iniciativas que possibilitaram o crescimento da produção de leite e fomentaram a industrialização. Além disso, pequenos produtores estão sendo incentivados a obter registros de inspeção estadual, permitindo que comercializem seus produtos em grandes redes e ampliem sua participação no mercado. Outro destaque é a inclusão do leite nas compras governamentais para programas como a merenda escolar e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

O movimento em direção à oferta de uma experiência turística é um fator agregador do potencial da Bacia Leiteira. “O setor tem grande potencial turístico, pois o queijo é um produto representativo da nossa cultura, assim como o bolo de rolo. Além disso, algumas dessas cidades já possuem infraestrutura turística para receber visitantes, promovendo eventos e visitas guiadas a fazendas e restaurantes”, afirmou Pedro Neves.

Pedro Neves
Pedro Neves: "O setor tem grande potencial turístico, pois o queijo é um produto representativo da nossa cultura, assim como o bolo de rolo e algumas dessas cidades já possuem infraestrutura turística para receber visitantes."

Para fortalecer o turismo nas queijarias artesanais, Patricia Magalhães destaca a necessidade de apoio do poder público e de uma ampla divulgação da rota. Segundo ela, é fundamental que as secretarias de turismo municipais e estadual promovam a iniciativa, além de facilitar o acesso às propriedades rurais por meio de melhorias nas estradas. A parceria entre o setor público e privado, incluindo o envolvimento do Sistema S, também é essencial para consolidar a rota.

Para quem gosta de experimentar um queijo especial e ainda apreciar as paisagens do interior pernambucano, seguir a rota é uma receita que está em maturação para agradar diferentes paladares dos turistas que buscam cultura e gastronomia.

SERVIÇO Instagram: @chaodequeijo
Site do projeto: chaodequeijo.com.br

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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