Se tem asa, pra que quer casa? (Por Joca Souza Leão) - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Se tem asa, pra que quer casa? (Por Joca Souza Leão)

Claudia Santos

Tudo começou com um mistério. Apareceram umas setas, como que desenhadas, no balcão do meu terraço. Em sequência, uma após a outra. “Que danado é isso?” Como nunca acreditei em disco voador, talvez tivesse chegado a hora de começar a acreditar. Pedi a Lurdes para lavar com mangueira e escovão. Dia seguinte, tavam as setas lá. Como já disse, desenhadas. Brancas. “Tão de sacanagem comigo”, pensei. Mas quem? E, sobretudo, como o sacana chega até aqui, ao 11º andar, desenha as setas e se manda? E por que setas que não indicam nem levam a lugar algum?

Até que, passados três dias, Lurdes desvendou o mistério. “Seu João Augusto, venha ver uma coisa aqui.” Fui. E vi. Dois urubus solenemente pousados no balcão do meu terraço. E as setas? Simples. Os bichos cagavam e caminhavam sobre a merda. Impressionante. As pegadas secas ficavam como setas desenhadas.

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É isso. Um urubu pousou na sorte de Augusto dos Anjos. E dois urubus deram de pousar no meu terraço. Quanto à sorte, poeta, continuo sem ter do que me queixar. Mas, o que esses bichos têm de bonitos voando num céu azul, planando, peneirando, lá no alto, têm de feios vistos de perto. Cabeças-pretas. Assim são chamados os nossos urubus, brasileiros. Eita bichinho feio danado! Onde não tem pena, é enrugado. E, como a gente sabe o que eles comem, não há boa vontade ecológica que lhes empreste simpatia. Além de feios, nojentos.

Lurdes disse que, no interior, a família dela botava uma bandeira na cumeeira da casa pros bichos não pousarem. Fez uma bandeira com um lençol velho, cabo de vassoura, e fincou num jarro, no terraço. Mas os bichos voltaram. Acho que passaram a usar a bandeira como os pilotos usam biruta de aeroporto, para saber a direção do vento.

Andei lendo sobre urubus. Macho e fêmea têm uma convivência solidária. E as mesmas, mesmíssimas funções em relação ao casal e à prole. Voam sempre juntos e são monogâmicos. Ou seja, meus indesejáveis visitantes são casados até que a morte os separe. Amém! Mas longe do meu terraço, né?

Tanto telhado com sombra e água fresca (de caixa sem tampa) por aí, tanta torre de igreja, tanta antena de TV, tanta árvore, tanto poste e luminária, tanto mausoléu grande e alto logo ali, em Santo Amaro, tanto esqueleto de edifício por todo canto! E eles aqui, no meu terraço.

O que fazer, caro leitor? Alguma ideia? Eu, sinceramente, não sei. Machucá-los, claro, tá fora de questão. Espantar, a gente espanta. Joga água, bate palma, panela, grita xôôôôôô urubu, mas não resolve. Eles vão no susto. Mas voltam. Se urubu do interior já é malandro, urbano, então, nem se fala. Só me resta invocar São Jackson do Pandeiro:

Urubu tem asa
Pra que urubu quer casa?
Ai, ai, ai
Pra que urubu quer casa?

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