Especialistas apontam que o Estado pode deixar de atrair investimentos bilionários em energias renováveis e perder espaço para Estados vizinhos
*Por Rafael Dantas
Pernambuco, como todo o Nordeste, vem arrematando investimentos bilionários no setor de energias renováveis nos últimos anos. A Zona da Mata, o Agreste e o Sertão estão atraindo empreendimentos em energia solar e eólica. A comparação regional, porém, indica que há uma concentração maior desses projetos em estados vizinhos. Há algumas motivações naturais, mas um gargalo que contribui para isso é a ausência de uma estrutura mais robusta de linhas de transmissão.
Elas são as estruturas responsáveis por transportar a energia elétrica das usinas geradoras até as subestações para ser transformada em níveis de tensão mais baixos e distribuída para os consumidores. São como as estradas por onde a produção hidroelétrica, eólica, solar ou térmica percorrem para chegar nas cidades, seja para atender a demanda do setor industrial, residencial ou quaisquer outras.
Acontece que os pesquisadores e os representantes empresariais do setor estão alertando para a urgência de o Estado projetar novas linhas de transmissão. Sem elas, os possíveis empreendimentos no interior, ainda que sejam construídos, não teriam como escoar sua produção. A percepção dos representantes da área elétrica é que Pernambuco está no limite. O problema, porém, não é exclusivo local e está sendo enfrentado também em outros estados.
“Pernambuco hoje está praticamente sem nenhuma margem a mais, ou seja, os parques que existem já ocuparam todas as barras disponíveis e, se esse trabalho não for feito, a gente compromete o desenvolvimento do Estado no futuro”, afirmou o presidente do Sindienergia-PE (Sindicato das Empresas de Energia de Pernambuco), Bruno Câmara.

"Pernambuco está praticamente sem nenhuma margem a mais [quanto às linhas de transmissão], ou seja, os parques que existem já ocuparam todas as barras disponíveis e, se esse trabalho não for feito, a gente compromete o desenvolvimento do Estado no futuro." (Bruno Câmara)
De acordo com o presidente da Aperenováveis, Rudinei Miranda, a infraestrutura existente ficou deficitária pois as malhas de transmissão não foram dimensionadas para um aumento de geração oriunda de outras fontes. Ou seja, o sistema criado para atender principalmente a geração hidroelétrica, hoje recebe a geração solar, eólica e vê a aproximação de outros projetos num horizonte próximo.
“Não houve um planejamento energético para que isso fosse corrigido ao longo do tempo. Isso é um problema de estado, não de governo. Pernambuco perdeu o timing de entender as necessidades energéticas. Então, hoje temos capacidade de captar investidores, temos atratividade pelo posicionamento logístico, mas o Estado esqueceu que a malha elétrica, o planejamento energético, precisa de um tempo maior para acontecer e ser construído”, afirmou Rudinei.

"Não houve planejamento energético para que isso fosse corrigido. Temos capacidade de captar investidores e atratividade pelo posicionamento logístico, mas o Estado esqueceu que a malha elétrica precisa de um tempo maior para acontecer e ser construída." (Rudinei Miranda)
A realidade apresentada pelos especialistas e representantes setoriais expõe uma gradativa perda de competitividade do setor elétrico, em Pernambuco, que já foi protagonista no Nordeste. No momento em que o mundo volta os olhos para regiões com alto potencial solar e eólico, como o Nordeste brasileiro, a ausência dessa infraestrutura pode reposicionar o Estado a um papel menor na região.
Essa percepção fica mais evidente quando comparados os empreendimentos no setor entre os estados do Nordeste. A conta foi explanada durante o evento Exporenováveis 2025 pelo professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPE, Methodio Varejão. “Existe uma realidade bem clara: os investimentos em geração eólica e solar em Pernambuco nos últimos 8 a 10 anos são muito menores. No Ceará, os aportes foram 10 vezes maiores, no Rio Grande do Norte 8 vezes e na Bahia 14 vezes”.
O docente afirma que embora a geração de energia eólica não seja uma realidade para todos lugares no Nordeste, os empreendimentos solares poderiam ter avançado mais no Estado. “Esses outros têm uma condição mais favorável de ventos. Mas, sobre a geração solar não tem justificativa nenhuma. A radiação é alta em qualquer estado. Esse é o ponto principal”.
BARREIRAS PARA ATRAÇÃO DE NOVOS PROJETOS
O presidente da Sindienergia-PE considera que esse gargalo na transmissão é o motivo pelo qual Pernambuco não consegue atrair um volume maior de empreendimentos. “Os investimentos no setor estão indo para Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Esses estados se organizaram melhor, conseguiram criar facilidades e estão atraindo muito mais projetos. Pernambuco é um estado que não ‘exporta’ energia. Todo o resto do Nordeste é exportador. A gente precisa aumentar nossa capacidade para poder se tornar um exportador de energia também”, alerta Bruno.
A fuga de projetos se dá exatamente porque uma das condições para qualquer investimento de geração é a infraestrutura de escoamento. Rudinei Miranda ressalta que esse problema tem afetado especialmente os empreendimentos de usinas fotovoltaicas em Pernambuco. “Hoje, dois critérios são levados em consideração pelos grandes investidores – dependendo da região onde pretendem instalar um projeto solar: como eles vão conectar essa usina; e se a subestação que vai receber essa energia terá condições de escoar. Como temos essa restrição em vários pontos do Estado, algumas usinas deixaram de ser feitas aqui e foram deslocadas para o Ceará ou para estados vizinhos, em virtude do receio de se avançar no projeto e não ter viabilidade.”
Methodio Varejão observa o problema também pelo ângulo contrário. Ele destaca que Pernambuco não tem uma quantidade maior de linhas de transmissão, justamente pelo fato de não ter atraído maiores investimentos em geração ou em carga, como os estados vizinhos. Ele exemplifica com o Ceará que atraiu um projeto de data center que representa uma demanda de consumo que equivale a 40% de todo o Sergipe. “Quando esse projeto estiver em plena operação, vai consumir o equivalente a todo o estado do Sergipe. Tendo uma carga dessa, terá investimento em transmissão… ninguém fez uma linha para nada”.

"Existe uma realidade bem clara: os investimentos em geração eólica e solar em Pernambuco nos últimos 8 a 10 anos são muito menores. No Ceará, os aportes foram 10 vezes maiores, no Rio Grande do Norte 8 vezes e na Bahia 14 vezes". (Methodio Varejão)
Atualmente, em Pernambuco, uma região que tem uma geração já represada pela falta de uma estrutura mais robusta de transmissão é Serra Talhada. O professor da UFPE afirma que lá já acontece o que o setor chama de curtailment, que é a redução forçada da geração de energia elétrica. Em outros estados, que já dispõem de gerações maiores voltadas a exportação para o Sudeste, esse problema é uma realidade presente em uma dimensão maior, sendo alvo da prioridade dos novos projetos de linhas de transmissão.
Além do problema de curto prazo, que já estaria travando o anúncio de novos empreendimentos, os especialistas ligam o sinal de alerta também para o médio prazo. Isso porque praticamente inexistem projetos de expansão da rede de transmissão para os próximos cinco anos. Como o sistema é bem complexo e os investimentos são vultosos, o processo de diagnóstico, aprovação dos estudos, planejamento e execução dos projetos é bem longo.
Methodio Varejão destacou que no mapa dos próximos anos, há poucas redes de transmissão projetadas no horizonte de Pernambuco. Em destaque, há uma ausência dessas linhas na região central do Estado. “Se olharmos para os próximos cinco anos, na região de Caruaru para trás, não há praticamente nenhuma nova linha projetada. Ou seja, se o Governo do Estado não agir junto com a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), nada vai acontecer nos próximos cinco anos”, afirmou Methodio Varejão. “O centro elétrico do Nordeste hoje não está mais em Pernambuco”.

O pesquisador destaca que uma oportunidade para o Estado é justamente o avanço dos investimentos em data centers. Essas empresas demandam alta infraestrutura de geração energética e de transmissão porque são grandes consumidores. A vinda delas para o Nordeste pode viabilizar os investimentos em linhas de transmissão e subestações.
Porém, sem o avanço dessas infraestruturas de transmissão, esses projetos também tendem a seguir para outros estados. Methodio lembrou que, apesar dos inúmeros anúncios de empreendimentos em geração de energia na região, alguns têm sido adiados e, também, algumas fábricas de produção de pás eólicas têm encerrado as suas atividades. “Isso é porque não existe como escoar essa geração. A margem é praticamente zero e há uma série de projetos que querem entrar e não podem. Este é o fato”.

A instabilidade no setor elétrico, movida também pelas dificuldades de infraestrutura, repelem a atração de novos investimentos, segundo o head de energia solar da empresa pernambucana Connectway, Luzer Oliveira. “A energia sempre é um tema que está ligado diretamente aos negócios. Se houver geração de energia e redes estáveis, vai atrair investimentos. Mas hoje, no Brasil, existem muitos locais ainda com a rede muito precária”.
Ele destaca que as experiências de curtailment, por exemplo, que reduzem a capacidade de geração porque as linhas não aguentam a transmissão, afugentam investidores. O head conta que já viu empresas estrangeiras do setor de energia deixando o Brasil por sentirem insegurança, inclusive nas diversas mudanças de regras do setor. Ele considera que Pernambuco não está no pior cenário do Nordeste, mas poderia estar melhor posicionado.
“Na última divulgação da margem de conexão pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Pernambuco não ficou tão ruim. Mas tem muita evolução para acontecer. Uma obra de grande escala no setor solar representa dois anos empregando gente, gerando impostos e crescimento econômico. É fundamental explorar áreas que tenham viabilidade e não promovam desmatamento. Existem regiões com disponibilidade de montar usinas que só precisam de um pouco mais de investimento em linhas de transmissão para que os empreendimentos aconteçam”, afirmou Luzer Oliveira.

"Uma obra de grande escala no setor solar representa dois anos empregando, gerando impostos e crescimento econômico. Há regiões com disponibilidade de montar usinas que só precisam de investimento de linhas de transmissão para que os empreendimentos aconteçam." (Luzer Oliveira)
CAMINHOS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA
A receita proposta pelos especialistas e representantes setoriais para resolver o problema da falta de linhas de transmissão em Pernambuco é a elaboração de um planejamento energético estruturado, com ações de curto, médio e longo prazo. Esse plano deveria ser liderado pelo Governo Estadual, em parceria com instituições como o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Fiepe (Federação das Indústrias de do Estado de Pernambuco), Aperenováveis e pelos sindicatos setoriais, formando uma coalizão técnica.
Com o planejamento em mãos, o próximo passo é articular com o Governo Federal, especialmente com órgãos como a EPE e Aneel para que as necessidades do Estado sejam incorporadas aos leilões nacionais de subestações e linhas de transmissão. "Precisamos preparar os estudos que vão ser leiloados em 2027. Se perdermos essa janela, vamos preparar os estudos que vão ser leiloados em 2029", alertou Rudinei Miranda.
O protagonismo do Governo do Estado para mobilizar energias para essa agenda de longo prazo é fundamental para reverter o atual cenário, segundo Pedro Jatobá, ex-superintendente da Chesf e diretor de geração da Eletrobras. “O Estado tem que fazer um planejamento interno de modo a identificar e antecipar onde vai ter concentrações de geração e onde vai ter concentração de carga. Articulando esse movimento com a atração de investimento, é preciso levar esses dados com a devida antecipação para a EPE, para que eles sejam considerados no desenho dos cenários que irão determinar as próximas linhas de transmissão que têm um planejamento determinativo do que vai ser construído”.

"O Estado tem que fazer um planejamento de modo a identificar e antecipar onde vai ter concentrações de geração e de carga. É preciso levar esses dados com antecipação para a EPE, para desenhar cenários e determinar as próximas linhas de transmissão." (Pedro Jatobá)
INVESTIMENTOS NO HORIZONTE
O secretário-executivo de energia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Sá Cavalcanti, afirmou que os R$ 3,9 bilhões de investimentos já contratados nos leilões de transmissão 02/2023 e 01/2024 da Aneel para realização até 2029 de obras de ampliação da infraestrutura de transmissão de energia elétrica atendem também o Estado. Ele assinala que a “inclusão dessas obras nos últimos leilões de transmissão da Aneel resultou do trabalho diligente do Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, junto ao Ministério de Energia, para apontar a necessidade dessas obras de reforço da infraestrutura de transmissão para o desenvolvimento econômico e energético do Estado”.

O secretário-executivo considera ainda que esses empreendimentos “asseguram o pleno escoamento das usinas renováveis já contratadas no Estado, ampliação das margens para conexão de novos empreendimentos de geração e atendimento do crescimento da carga em Pernambuco”.
Ao considerar um estudo recente publicado pela EPE, Guilherme Sá Cavalcanti apontou Suape como o detentor da maior margem disponível no Nordeste para conexão de novos empreendimentos eletrointensivos, a exemplo de plantas de produção de hidrogênio, data centers e grandes indústrias. A Nota Técnica nº 60/2024 a que ele se refere aponta que a Subestação Suape II possui margem de conexão disponível de 3.000 MW para novos empreendimentos e que a margem de conexão disponível em Suape II não depende de obras para solucionar restrições pré-existentes de transmissão.
A necessidade de ampliar a infraestrutura de transmissão em Pernambuco tem sido uma preocupação do setor elétrico. Os especialistas têm alertado que o Estado pode perder espaço no cenário da transição energética que vem impulsionando a economia nordestina, ou seja, precisa de uma agenda estratégica para o novo ciclo de desenvolvimento local. Apesar dos investimentos já contratados e do potencial de crescimento, é essencial alinhar estratégia e visão de longo prazo para garantir a atratividade de novos projetos.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)