Luis Paiva: "Se quisermos uma proteção social mais robusta, temos que pensar em algo mais generoso que o Bolsa Família" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
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Rafael Dantas

Luis Paiva: "Se quisermos uma proteção social mais robusta, temos que pensar em algo mais generoso que o Bolsa Família"

Luis Henrique de Paiva, sociólogo e pesquisador do Ipea, foi um dos entrevistados da última edição da Revista Algomais. Ele avaliou a importância do auxílio emergencial e tratou sobre a possibilidade do País construir um programa de longo prazo que garanta uma proteção social mais robusta no País. Mais generosa que o atual Bolsa Família, mas sustentável no médio e longo prazo, diferente do auxílio emergencial. Confira a entrevista.

Como você avalia essa experiência brasileira de distribuição do auxílio emergencial? 
O Auxílio Emergencial tem sido fundamental no período de pandemia. Do ponto de vista social, tem contribuído para manter dezenas de milhões de famílias protegidas contra a extrema pobreza. Do ponto de vista econômico, tem mantido a economia em movimento e evitando que muitos negócios fechem as portas.

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É algo sustentável no médio e longo prazo?
Embora o papel do Auxílio Emergencial seja fundamental no curto prazo, ele não será o modelo de proteção social não contributiva de médio e longo prazo que o País precisa, porque seu custo é muito alto. Ele custaria mais de 7% do PIB se pago por um ano, e esse não parece ser um custo que possa ser absorvido pela sociedade brasileira.
Se quisermos uma proteção social mais robusta, teremos pensar em algo que seja mais generoso que o Bolsa Família, mas que possa ser financiado no médio e longo prazos.

Qual a proposta de renda básica que você faria para o Brasil?
Conceitualmente, a renda básica tem alguns princípios. O primeiro, ela deve ser paga a todos, com base na cidadania ou residência, de forma indistinta. Ninguém precisaria ser pobre para receber a renda básica. O segundo princípio é que ela deveria ser incondicional. Não haveria obrigações das famílias beneficiárias para manter o recebimento do benefício. Do ponto de vista conceitual, portanto, a renda básica é muito diferente do Bolsa Família. O Bolsa é pago a famílias pobres e, para receber, as famílias precisam enviar seus filhos para a escola e frequentar os postos de saúde regularmente.
A renda básica é um conceito. Nenhum país do mundo adotou um programa como esse. O Bolsa Família, ao contrário, é uma experiência bem sucedida. Uns 70 países do mundo já adotaram um modelo semelhante.
Isso não significa que a gente tenha que ficar preso ao modelo do Bolsa Família para sempre. Podemos caminhar na direção de um programa mais generoso e universal. Um grupo de pesquisadores do Ipea, do qual eu faço parte, tem discutido muito sobre um modelo híbrido, que seja universal para as crianças, mas focalizado para os adultos. Esse modelo tem algumas vantagens, como proteger melhor as crianças da pobreza e lembrar aos mais ricos que seus filhos recebem o seu Bolsa Família, com o desconto por dependente no Imposto de Renda. As crianças formam o grupo social mais desprotegido.
Um programa como esse seria mais caro que o Bolsa Família e, provavelmente, um pouco menos eficiente. Mas será mais eficiente que vários outros programas sociais, que são muito mal desenhados. O orçamento desses programas pode ajudar a financiar um novo benefício. A perda de eficiência em relação ao Bolsa seria compensada com o ganho de eficiência em relação aos outros programas. O resultado poderia ser positivo, e ainda seríamos mais efetivos no combate à pobreza.

Quais os benefícios socioeconômicos dela? E qual a viabilidade de financiamento?
Tudo depende do desenho e do tamanho do programa. Se o princípio for utilizar apenas recursos dos benefícios existentes, teremos algum ganho. Mas a ampliação seria pequena. Hoje, o Bolsa custa 0,45% do PIB. O novo programa teria algo como 0,70% do PIB. É um aumento importante, mas vamos lembrar que o Auxílio Emergencial custaria 7% do PIB ao ano. Ou seja, o novo programa seria 10 vezes menor do que o Auxílio Emergencial. Do ponto de vista institucional, seria muito complicado. Teríamos que acabar com o Abono Salarial, o que exige uma reforma constitucional, e equacionar a questão das deduções do imposto de renda, que não são uma despesa orçamentária, mas um gasto tributário. Trazer esses recursos para o novo programa afetaria a regra do teto de gastos. Enfim, o desafio institucional é enorme.

Se o desafio é tão grande, o melhor seria ter um pouco mais de ambição. Um programa um pouco maior, que alcançasse, por exemplo, 2% do PIB, teria um impacto muito maior. Ele exigiria aumento da carga tributária, mas isso poderia ser feito de maneira suave, aproveitando a criação de um imposto sobre bens e serviços moderno, como o que está sendo examinado no Congresso, complementada pela elevação da alíquota marginal do Imposto de Renda e pelo fechamento de brechas que permitem que os muito ricos paguem poucos impostos.

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