Na crise enquanto uns choram, outros vendem lenço. O ditado popular cabe como uma luva na realidade de setores que crescem em meio à difícil conjuntura econômica. Eles acabaram se beneficiando de aspectos típicos dos períodos de retração, quando o dinheiro é curto. É o caso da área de energia renovável. “Se o petróleo e gás passam por dificuldades, esse setor tende a crescer muito”, estima Valdeci Monteiro, sócio da Ceplan (Consultoria Econômica e Planejamento) e professor da Unicap. “São empresas com investimentos maciços”.
É fácil entender o porquê. O aumento do preço da tarifas energéticas, aliado à crise de abastecimento de eletricidade vivida nos últimos anos, levaram empresas e governo e apostar nas fontes renováveis. De quebra ainda ajudam a não poluir o meio ambiente. Bons ventos têm soprado no setor de energia eólica. Em 2015, quando a crise já se fazia presente, foram instalados no Brasil 2.754 MW dessa matriz energética, o que gerou 41.310 vagas de emprego para a construção das centrais eólicas, fabricação das turbinas, componentes e operação. “Desse total gerado, 80% está no Nordeste”, destaca Everaldo Alencar Feitosa, vice-presidente da Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA). Hoje no Nordeste existe uma capacidade instalada eólica de 8 mil MW. Para se ter uma ideia do que representam esses números, isso significa que nada menos que 50% de toda a energia gerada na região provém dos ventos.
Em terras pernambucanas há 27 centrais eólicas, uma capacidade instalada total de 594 MW. “Elas geram aproximadamente 2 milhões de MWh por ano, equivalente ao consumo residencial de Recife, Olinda e Jaboatão. Uma população de 2,5 milhões de pessoas”, compara Feitosa, que também é presidente do Grupo Eólica Tecnologia. Embora Pernambuco não tenha grandes parques eólicos como outros locais do Nordeste, o Estado possui três condições que o colocam em situação privilegiada: aqui estão instaladas as fábricas dos componentes das turbinas, o setor de consultoria que implementa os parques e a UFPE. “A universidade é o maior centro de formação de energia renovável no Brasil”, assegura Feitosa.
O vice-presidente da WWEA salienta que o grande propulsor do setor eólico no País foi governo federal. Parece até um contrassenso, já que houve tantos erros na política energética. Mas tudo indica que os acertos ocorreram na área de energia renovável. A grande virada aconteceu após a crise de abastecimento de 2001, quando o Brasil decidiu fazer um leilão de energia com todas as fontes. Esses leilões são uma espécie de licitação, em que o governo compra energia e a revende para concessionárias como a Celpe, que, por sua vez revendem aos consumidores. Ganha quem oferecer os melhores preços.
“O Brasil foi o primeiro país do planeta que fez leilão para compra de energia. E a eólica se mostrou o menor preço do mercado”, recorda Feitosa. Houve uma quebra de paradigma, pois sempre se falou que a energia renovável era cara e necessitava de subsídios. Hoje são empresas privadas que estão à frente do setor por meio dos leições. E por que ela é barata? “Temos no Nordeste o melhor regime de ventos do mundo: bem comportados, constantes, sem altos e baixos. Isso permite às turbinas eólicas terem o melhor rendimento e dão menos problemas de manutenção” explica Feitosa.
E as perspectivas vão de vento em popa. “Devemos manter o nível de emprego até 2020, quando serão concluídos os contratos feitos há 5 anos que estão sendo implantados”, prevê Feitosa. Ressalte-se, ainda, que os parques são instalados em regiões onde não havia muita possibilidade de investimento, muitos deles no Sertão e Agreste. “Estudos apontam que nos próximos 5 anos, 100% da energia consumida no Nordeste será eólica”, anuncia o empresário.
SOLAR. Quem também contou com um “empurrãozinho” do governo foi o setor de energia solar. Neste ano o Banco do Nordeste lançou a linha de financiamento FNE Sol para micro e mini geração distribuída. O prazo de pagamento é de até 12 anos, com um ano de carência, tempo necessário para a instalação dos sistemas fotovoltaicos. Outra vantagem é que o valor economizado na conta de energia pode ser abatido das parcelas.
“Essa economia pode chegar a 50%”, calcula Paulo Medeiros, gerente comercial da ATP Solar, empresa que instala sistemas de energia solar. Até 2015, a maior parte de seus contratos era de clientes residenciais. Hoje são pequenas e médias empresas, atraídas pelo financiamento do BNB. Medeiros comemora o bom momento. “Fecharemos o ano com faturamento 150% maior que o do ano anterior. O mercado no Brasil cresceu mais de 300% nos últimos 12 meses”.
Há setores, porém, que crescem em patamar menos robusto, mas não pararam de crescer. É o caso das empresas de TI. Segundo dados da Assespro PE-PB (Associação de Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação) o segmento em Pernambuco e Paraíba crescerá em torno de 5% este ano, um pouco abaixo dos 6% a 7% verificado nos anos anteriores, mas acima dos 2,6% previstos para o setor como um todo no País.
“Essa é uma área com demanda em época de crise, porque auxilia empresas a aumentar a produtividade e a eficiência e a diminuir custos”, analisa Monteiro. O presidente da Assespro PB-PE Ítalo Nogueira faz coro: “Empresários de outros setores estão entendendo que através da TI e inovação vão reinventar seus negócios e resolver seus problemas”, resume o empresário. São soluções que abrangem desde terceirização dos departamentos de TI, armazenamento de dados em nuvem, internet das coisas (que visa melhorar a vida do cidadão) e big data (análise de uma grande quantidade de informação, que existe numa organização, trabalhada de maneira a ajudar o negócio).
A empresa de ítalo Nogueira, a CMTech, terceiriza a área de TI alugando hardware (computadores, impressoras etc), software e pessoal especializado. Com clientes no Norte e Nordeste, este ano expandiu sua atuação para São Paulo e Brasília. Há 15 anos no mercado e com 70 empregados, a empresa cresceu 15% no último ano em locação para médias e grandes organizações. Com essa performance, a CMTech espera faturar este ano R$ 30 milhões, volume um pouco acima dos R$ 28 milhões faturados em 2015.
CONCURSO. Em tempos bicudos, muita gente busca a estabilidade do emprego público. Por isso, os cursos para concursos estão lotados. O curso Héber Vieira teve um aumento de 50% de alunos que ingressaram este ano. “São os novos desempregados, pessoas da classe B, alguns têm até doutorado. Eles investiram o FGTS para estudar para concurso, enxergando no serviço público a luz no fim do túnel”, constata o diretor geral e professor de português Héber Vieira. O valor dos cursos varia de R$ 300 a R$ 1.300. Ao todo são 5 mil alunos e a média de aprovação, segundo Vieira é de 40%. Com a chegada dos novos alunos, ele espera ter este ano um faturamento de R$ 3,6 milhões. “Mas quando o dinheiro dessas pessoas acabar e a economia não melhorar, aí a crise vai pegar a gente”, teme Vieira.
retomada. De forma gradual, alguns setores esboçam uma recuperação, sem ainda alcançar o auge do crescimento de anos atrás. Mas, ao menos, deixaram de apresentar queda nas vendas, como os serviços de reparo de automóveis. “O consumidor deixou de comprar carros novos e está tendo que levar o seu usado ao mecânico”, analisa Valdeci Monteiro. Segundo a Fenabrave, as vendas de veículos novos caíram 24,68% entre janeiro e julho, comparado ao mesmo período do ano passado.
Sem adquirir um 0km, o consumidor, cujo carro já não está na garantia, tem agora que recorrer à oficinas não autorizadas em busca de preços em conta. “A demanda do setor de reparo automotivo está aquecida”, informa Pedro Paulo de Medeiros Moraes, presidente do Sindirepa (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios de Pernambuco). “Mas existe mais procura para fazer orçamento do que para efetuar o serviço”, ressalva Medeiros, que no entanto, se mantém otimista. “Ainda há demanda reprimida, as pessoas vão levar tempo para adquirir um veículo novo e o movimento nas oficinas aumentará ainda mais”, estima.
Situação semelhante vivem as lojas de material de construção. “As pessoas não estão comprando imóvel novo. Estão reformando suas residências, por isso o varejo está sofrendo menos que a indústria da construção civil”, informa Guilherme Ferreira Costa, diretor do home center Ferreira Costa. O empresário revela que o setor enfrentou uma queda em torno de 7% nas vendas no primeiro semestre, mas deve recuperar até o final do ano. Afinal, depois do inverno, passado as chuvas, as pessoas tendem a reformar a casa. “Mas o mercado está retraído, há a expectativa de ver como fica a estabilidade política. Por isso seu desempenho deverá nivelar com o do ano passado, mas não cresce”, acredita.
*Por Claudia Santos - editora da Revista Algomais