Três anos e meio após o auge da epidemia de chikungunya em Pernambuco, os pacientes infectados pela doença seguem frequentando os consultórios médicos. Se as dores agudas eram o motivo que levava os pernambucanos aos serviços de saúde, hoje são seus sintomas crônicos que preocupam. Os especialistas destacam que a ciência avançou no conhecimento de informações sobre esse vírus, mas ainda há a necessidade de encontrar uma vacina para sua prevenção e que suas consequências ainda têm desdobramentos sendo descobertos pela academia.
“As sequelas articulares a longo prazo continuam sendo atendidas nos ambulatórios e consultórios reumatológicos”, destaca a reumatologista do Imip e do Hospital da Mulher Renata Menezes. Ela explica que alguns fatores contribuem para que a doença se torne crônica. As ocorrências são mais frequentes em pessoas com idade mais avançada e mais comuns nas mulheres do que nos homens. Os pacientes que já eram portadores de doenças crônicas como diabetes, artrite reumatoide e osteoartrite também estão nesse grupo de maior risco de apresentar a cronicidade da chikungunya.
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A cozinheira Vilma Soares, 64 anos, já tinha artrose e artrite antes de ser acometida da chikungunya. Após três anos da fase aguda do vírus, as dores pioraram. “Levantar todos os dias é um sacrifício. Tenho inchaços, fortes dores nos joelhos, formigamentos nos braços. Tem dias que tomo remédios para dormir”, relata. Ela já passou por várias tratamentos medicamentosos, mas disse que há uma melhora inicial, mas os sintomas voltam a piorar em seguida.
O quadro de Vilma, que oferece já comprometimentos na sua atividade laboral, não é algo incomum nessa fase da doença. “Esse quadro de dor crônica apresenta restrições de movimentos de muitas articulações. Algumas pessoas não voltam a lavar pratos, varrer a casa ou fazer trabalhos manuais. O fato de não voltar ao trabalho devido a esse incômodo traz uma repercussão social muito ruim”, informa Raphael dos Anjos, infectologista do Hospital Jayme da Fonte. “Isso gera uma relação com a dor emocional e alguns pacientes começam a apresentar também transtornos de comportamento e até quadros depressivos. São pessoas que estão reaprendendo a viver após a doença”.
O infectologista informa ainda que outro fator de risco que aumenta as chances de tornar a doença crônica é a demora em iniciar o tratamento em sua fase aguda. “Isso é percebido em especial quando atendemos a população mais carente, pois a intervenção mais precoce medicamentosa poderia evitar casos crônicos. Diante da vulnerabilidade social da população de baixa renda, há uma maior incidência nos casos”.
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Como não há um remédio específico para a chikungunya, quando as dores se prolongam, o tratamento deve ser individualizado e depende do grau de inflamação da doença. “No comprometimento muscular mecânico sem artrite ou inflamação (como dores articulares, tendinite, rigidez e fasciíte, inflamação das fáscia, um tecido fibroso que recobre músculos e ossos), deve-se usar analgésico, fisioterapia e atividade física para amenizar a dor e a rigidez nas articulações”, explica Renata Menezes.
Já para os casos que envolvem um quadro de reumatismo inflamatório crônico, ela orienta que devem ser acrescentados medicações imunossupressoras ou imunomoduladoras (substâncias que atuam no sistema imunológico para diminuir a resposta orgânica contra o vírus) como corticoide ou eventualmente imunobiológicos. Sempre com prescrição médica.
"Além dos analgésicos, atividade física e fisioterapia são importantes na melhora da dor, rigidez e mobilidade das articulações. O retorno precoce às atividades físicas contribui para uma melhor evolução do paciente. Superar o desânimo acarretado pelas dores pode ser difícil, mas os exercícios evitam o agravamento da condição e ajudam na recuperação da massa muscular, evitando o círculo vicioso de inatividade, instabilidade articular e outras lesões que piorem a dor, além da melhora na auto-estima do paciente. Quanto maior o período de inatividade, maior a perda do condicionamento físico e muscular anterior", afirmou a reumatologista Renata Menezes.
PESQUISAS
Recente estudo científico realizado no Hospital da Restauração indicou que os vírus da chikungunya, dengue e da zika podem ser o gatilho para o acidente vascular cerebral. Entre 160 pacientes acometidos com a doença provocada pelas arboviroses, a pesquisa mapeou 20 casos que apresentaram AVC. A médica Maria Lúcia Brito, que é chefe do Serviço de Neurologia do HR apontou ainda que podem estar relacionadas à infecção por arboviroses a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a esclerose múltipla e as crises convulsivas.
A Fiocruz, que é uma das referências nos estudos sobre a chikungunya, relaciona a doença com alterações no sistema nervoso central. Em paralelo ao crescimento da chikungunya no Brasil, por exemplo, foi identificado um aumento em paralelo de casos de meningite e encefalite. Outro estudo coordenado pela pesquisadora Soniza Alves-Leon, que é professora de neurologia da UFRJ e da Unirio, apontou que mesmo quando não apresenta sintomas, as arboviroses podem desencadear doenças neurológicas.
A boa notícia é que a Fiocruz comprovou neste ano a eficácia do medicamento sofosbuvir, para o combate a chikungunya. A pesquisa realizou testes em camundongos infectados com o vírus. A meta era confirmar se o tratamento seria eficaz em seres vivos. Segundo o pesquisador Thiago Moreno, esse é o primeiro estudo a comprovar, em células vivas, que o sofosbuvir inibe a replicação do vírus. “A pesquisa é importante para que o medicamento seja, num futuro próximo, opção terapêutica para tratar a doença”, afirmou.
*Por Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)