Sistema usa inteligência artificial para prever ocorrências de crimes em áreas urbanas - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Sistema usa inteligência artificial para prever ocorrências de crimes em áreas urbanas

Rafael Dantas

Na região central da cidade de São Paulo há 1.522 esquinas com maior probabilidade de ocorrência de assalto a transeuntes, além de outros pontos com alto risco de furtos e roubo de veículos ou de carga. Juntos, esses locais são responsáveis por quase metade dos registros desses tipos de crimes no centro da capital paulista. A identificação dessas regiões na cidade, que devem merecer maior atenção dos agentes de segurança pública, tem sido feita por meio de ferramentas baseadas em ciências de dados e inteligência artificial, desenvolvidas nos últimos anos por pesquisadores vinculados ao Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.

As ferramentas computacionais despertaram o interesse de órgãos e secretarias de segurança pública de cidades como São Carlos, no interior paulista, afirma Luis Gustavo Nonato, pesquisador responsável pelo projeto.“O objetivo é que essas ferramentas possam ajudar esses órgãos a predizer regiões das cidades com maior probabilidade de ocorrência de crimes, visando a implementação de ações preventivas”, diz Nonato.

Uma das linhas de pesquisa do CeMEAI, sediado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), campus de São Carlos, é a aplicação de técnicas de ciência de dados para compreender o impacto de fatores como a infraestrutura urbana, o fluxo de pessoas e até mesmo o clima em problemas como, por exemplo, o da criminalidade.

Para realizar os estudos, são empregadas ferramentas da área de computação, matemática e estatística, mesclando técnicas de ciência de dados e de inteligência artificial, em especial, de aprendizado de máquina.

Os resultados dessas análises complexas são apresentados por meio de plataformas de visualização computacional, de modo a facilitar a interação dos gestores públicos com os dados disponibilizados.

“A ideia é ajudar os gestores a entender como esses fatores se correlacionam com ocorrências criminais, por exemplo, para auxiliar na criação de políticas públicas de baixo custo e com grande impacto econômico e social nas cidades”, diz Nonato.

Criminalidade no entorno de escolas

O projeto foi iniciado em 2015 por meio de uma colaboração com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), outro CEPID financiado pela FAPESP.

No âmbito dessa parceria, os pesquisadores do CeMEAI puderam ter acesso a uma grande quantidade de dados sobres crimes na cidade de São Paulo reunidos pelo NEV e empregar ferramentas de ciência de dados e inteligência artificial para identificar padrões de criminalidade e suas relações com variáveis externas associadas à infraestrutura urbana.

A primeira ferramenta desenvolvida por meio da parceria foi o CrimAnalyzer – uma plataforma que possibilita identificar padrões de criminalidade ao longo do tempo em regiões da cidade e, dessa forma, verificar quais são os mais prevalentes em termos quantitativos, por exemplo.

Por meio da plataforma, os pesquisadores realizaram estudo para avaliar a relação entre a criminalidade e a infraestrutura no entorno de escolas públicas na cidade de São Paulo. Reuniram dados de indicadores socioeconômicos, informações sobre a infraestrutura urbana, como pontos de ônibus e bares, além do fluxo de pessoas e histórico de crimes, como assalto a pedestres, de estabelecimentos comerciais e roubo de carros, durante o dia, à tarde, à noite e de madrugada, em um raio de 200 metros no entorno de 6 mil escolas públicas em São Paulo.

Constataram que as escolas localizadas em regiões da cidade com melhores indicadores socioeconômicos e cercadas por um grande número de pontos de ônibus tendem a apresentar um maior número de crimes, principalmente roubo de carros e assalto a transeuntes – este último concentrado no período da tarde.

O intenso fluxo de pessoas devido ao grande número de pontos de ônibus pode ser o fator a explicar o volume de assaltos de pedestres, diz Nonato. “Existe uma forte correlação entre pontos de ônibus e crimes no entorno dessas escolas”, afirma o pesquisador. “Isso mostra a efetividade dessa metodologia de ciências de dados para revelar padrões”, avalia Nonato.

Resultado de uma colaboração, além do NEV-USP, com a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as universidades federais do Espírito Santo (UFES) e de Alagoas (UFAL) e a New York University, dos Estados Unidos, o projeto está sendo implementado em São Carlos por meio de convênio da Secretaria de Segurança Pública da Prefeitura Municipal com o ICMC/USP para utilizar as ferramentas.

“A prefeitura de São Carlos tem viabilizado o acesso a diversos dados, possibilitando um grande avanço no projeto”, diz Nonato.

Séries temporais

Uma das limitações do CrimAnalyzer é que os dados dos crimes estavam agregados por setor censitário – unidade territorial estabelecida para fins de controle cadastral, formada por área contínua e situada em um único quadro urbano ou rural. Essa forma de apresentação de dados prejudicava a captura de padrões de criminalidade.

Em razão dos resultados alcançados com o projeto, os pesquisadores começaram a ter acesso a dados georreferenciados sobre crimes na cidade de São Paulo e desenvolveram uma nova ferramenta, batizada de Mirante.

“O acesso aos dados georreferenciados fez uma diferença enorme no poder de análise e também na forma como passamos a apresentar e obter os padrões de criminalidade”, afirma Nonato.

Por meio de tratamentos estatísticos, a plataforma faz o geoprocessamento em mapas de rua e, dessa forma, permite avaliar mudanças no padrão de criminalidade em locais da cidade ao longo do tempo.

Ao analisar uma esquina em São Paulo que em 2010 não registrava roubos de veículos e que, a partir de 2017, começou a registrar, os pesquisadores observaram que um dos fatores que contribuíram para essa mudança foi a alteração no lado da via liberada para estacionamento..

Antes de 2010 era proibido estacionar no lado da via de mão dupla que dá acesso a uma avenida principal com ligação a uma via marginal. Com a liberação para estacionamento, aumentou o roubo de carros na região.

“Isso pode ter facilitado aos criminosos roubar carros e sair rapidamente para a marginal, enquanto anteriormente eles teriam que dar uma volta dentro do bairro para poder ter acesso à marginal”, explica Nonato.

Padrões de criminalidade

Ao começar a aplicar a ferramenta, perceberam que ela não permitia identificar regiões da cidade com padrões semelhantes de criminalidade.

Desenvolveram então uma metodologia que permite comparar séries temporais de crimes em diferentes regiões da cidade. O modelo matemático e estatístico indicou que em um conjunto de 20 mil esquinas com maior registro de assaltos a pedestres no centro de São Paulo, 1.535 (7,65%) concentram quase a metade dessas ocorrências.

Utilizando técnicas de deep learning – tecnologia de aprendizado de máquina que propicia o reconhecimento de padrões –, eles também criaram uma ferramenta que permite agrupar regiões da cidade que apresentam séries temporais de crimes semelhantes e, dessa forma, identificar padrões e eventuais mudanças.

Essa ferramenta permitiu observar que, entre as esquinas na cidade de São Paulo onde não havia registros de crimes até 2012, uma delas começou a ter ocorrências a partir de 2017. As análises indicaram que, até 2012, a infraestrutura urbana dessa região era bem preservada e que, a partir de 2017, o local ficou completamente abandonado.

Noutro conjunto de esquinas com alta criminalidade, foi identificada uma que começou a ter redução de crimes a partir de 2017, quando seu entorno ganhou a filial de uma rede de drogarias. “Isso pode ter sido uma das causas para a redução de crimes”, diz Nonato.

A meta, agora, é desenvolver ferramentas que possibilitem predizer a probabilidade de ocorrências de crimes em regiões da cidade com base na identificação e análise de padrões espaço-temporais.

Elton Alisson | Agência FAPESP

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