Soluções para a escassez hídrica

Pesquisas apontam uma piora da seca nas próximas décadas, para enfrentar o futuro com menos água é necessário recorrer às novas tecnologias e melhorar o abastecimento

 

Pernambuco é um dos Estados do Brasil com pior potencial hídrico, de acordo com pesquisa da Agência Nacional de Águas (ANA). As imagens do gado morrendo de sede e da vegetação da caatinga no solo rachado, no entanto, contrastam com a vasta produção de manga e uva nos perímetros irrigados ou mesmo com o verde dos canaviais da Zona da Mata. Além de uma precipitação média muito abaixo da média nacional, ela é concentrada em parte do território estadual. Uma terra de realidades extremas quando assunto é disponibilidade de água. Mas, com a redução das chuvas nos últimos anos, ambos os lados desse cenário sofreram. Como as previsões pluviométricas para os próximos anos não são das melhores – e ainda são agravadas pelas mudanças climáticas – o caminho para um futuro com maior produtividade e menor sofrimento para a população humana e animal passa por infraestrutura e pelo uso de soluções tecnológicas.
O balanço de chuvas da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) em 2015 mostra o impacto da seca na produção agrícola e na qualidade de vida da população. Na região sertaneja, a precipitação média foi de 323,3 milímetros, o que é 47% menor que a média histórica. Agreste, Zona da Mata e Região Metropolitana do Recife tiveram redução na média de chuvas respectivamente de 31%, 17% e 24%.

lata de água
Redução das chuvas atingiu todas as regiões de Pernambuco em 2015. No Sertão, a precipitação ficou 47% abaixo da médica história

“Identificamos um ciclo natural das chuvas do Nordeste que em um período de 10 anos, seis estão abaixo do normal e apenas um ou dois anos há chuvas acima da média. Frente a esse cenário, o ideal é que sejam tomadas providências para minimizar os efeitos dos períodos mais secos. A seca no Estado sempre ocorreu e sempre irá ocorrer”, afirma o doutor em meteorologia Roberto Pereira. Ele alerta ainda que em oposição ao decréscimo da precipitação há um aumento populacional. Uma fórmula matemática que provoca a cada ano uma diminuição da disponibilidade de água.
Outro problema apontado é a grande diferença na ocupação espacial do território pernambucano que desafia a gestão do consumo da água. “Na verdade temos situações e realidades completamente diferentes ao longo do Estado. Áreas com pouca gente e pouca água, com muita gente e pouca água, lugares com pouca gente e muita água e de muita gente e muita água. Cada situação precisa de formas de lidar diferentes, além de possuírem vocação para atividades produtivas distintas”, aponta o professor da Faculdade Guararapes, Alexandre Ramos, que é especialista em saneamento e recursos hídricos e mestre em tecnologia ambiental.
Ele lembra que a RMR e a Zona da Mata dispõem de água suficiente, mas precisam de infraestrutura para acumulação e distribuição. Na Mata Norte há muita água, mas não possui reservatórios, tendo o desempenho da sua produção agrícola vulnerável à intensidade das chuvas. No relato do professor, o Sertão, apesar das baixas precipitações, possui grandes reservatórios e está com novas infraestruturas de distribuição hídrica em andamento, além de possuir uma população reduzida. No Vale do Ipojuca, com uma grande população, a situação é mais crítica.
Se o lençol é curto, cada um puxa para um lado. O uso dos recursos hídricos em geral são divididos entre a irrigação agrícola, o consumo humano e animal, o uso industrial e a produção de energia. Em Pernambuco, 63% da água vai para a irrigação e outros 9% para a indústria. Os consumos urbanos, rural e animal juntos somam 28% do uso da água no Estado.
Para o diretor-presidente da Apac, Marcelo Asfora, sempre a prioridade deve ser o consumo humano e a dessedentação (consumo de água) animal . “Pelas características do nosso clima nós enfrentamos esse dilema. É necessário priorizar esses usos e incentivar o desenvolvimento agrícola, industrial e de produção de energia do Estado com tecnologia. É urgente partir para uma produção agricícola com maior eficiência do uso de água, além de optar por culturas com maior valor agregado, como é o caso da frutivinicultura no Vale do São Francisco”.
Os especialistas são unânimes em relação à urgência de garantir um uso mais eficiente da água na produção agrícola. Os investimentos que aconteceram nas últimas décadas no Estado focaram mais na infraestrutura para disponibilidade da água para essa produção, como acontece nos perímetros irrigados.
“Se é a agricultura que consome aproximadamente dois terços do volume de água do planeta, isso nos dá uma orientação de que se conseguirmos reduzir 5% disso com sistemas eficientes, já faremos uma grande economia. Temos uma agricultura irrigada que usa ainda processos muito perdulários. O desafio é aprender a produzir ocupando menos áreas, com maior produtividade por hectare”, afirma Asfora. O presidente da Apac lembra ainda que a atividade rural que mais ocupa pessoas é a de sequeiro, que depende apenas das chuvas, correndo um grande risco de colapso nos períodos de maior escassez.
Um case para inspirar o desenvolvimento de sistemas mais eficientes de produção no campo é o de Israel. Mesmo tendo metade do seu território tomado por regiões desérticas, o País do Oriente Médio produz 90% da demanda interna de alimentos e ainda gera excedentes para exportar. “Israel enfrentou o desafio de transformar o deserto em área cultivável. Para enfrentar a situação natural adversa, os dois carros-chefes foram o desenvolvimento de tecnologia para geração de recursos hídricos aproveitáveis e para geração de energia, além da criação de sistemas para economia e reúso de água”, explica Ramiro Becker, diretor regional da Câmara Brasil-Israel de Comercio e Industria.

marcelo Asfora
Para Marcelo Asfora, é necessário priorizar os usos da água e incentivar o desenvolvimento agrícola e industrial com mais tecnologia

No país, onde a situação de disponibilidade hídrica é muito mais complicada que em Pernambuco, uma das tecnologias usadas é a de dessalinização da água do Mar Mediterrâneo. A maior usina do mundo de dessalinização está localizada na cidade de Hadera, gerando 130 milhões de litros de água potável por ano. Só o volume desse equipamento, que foi instalado em 2010, é capaz de abastecer um a cada seis israelenses. “Isso tornou possível a Israel ser o produtor que é hoje. Penso que seria uma solução a longo prazo para o Estado, considerando que somos beneficiados pela água do mar. Poderia haver o investimento em ao menos uma usina com essa finalidade em Pernambuco”, sugere Becker.
Para dar maior eficiência à produção agrícola, eles desenvolveram aparelhos gotejadores de água que só usam o necessário de acordo com a demanda de cada tipo de cultura e solo. “Não adiantaria dessalinizar água e ter um consumo elevado na produção”, julga Becker. Uma das empresas israelenses que trabalham com essa tecnologia é a Netafin, que possui um parque industrial no Cabo de Santo Agostinho. No ano passado essa empresa instalou a tecnologia de gotejamento numa usina de açúcar e etanol de Ribeirão Preto (SP), conseguindo reduzir em 70% o consumo de água. Alguns produtores do Vale do São Francisco já dispõem de sistemas de gotejamento e de microaspersão, outra técnica que reduz o consumo hídrico.
No elenco das prioridades, na opinião do presidente da Compesa, Roberto Tavares, o uso da água como fonte de energia deve estar no último lugar. “A produção de energia não consome água, mas o seu manejo para a geração atrapalha os demais usos. O Estado tem potenciais em outras áreas, como a solar e a eólica. Mas o consumo humano não tem outras alternativas”, opina. A Compesa é o principal usuário da água voltada para o consumo humano.
Na fabricação de equipamento para produção de energias renováveis, Pernambuco saltou na frente dos demais Estados da região, com a consolidação do Pólo Eólico, situado no Complexo Industrial e Portuário de Suape. Além de ter a fabricação local dessas tecnologias, as secretarias de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Econômico, juntamente com consultorias técnicas, mapearam no Estado um potencial de 1.047 gigawatts (GW) de geração eólica e de 3.354 GW de geração solar. Os locais mais privilegiados estão nos sertões do São Francisco (442 GW de eólica e 249 GW de solar), Itaparica (130 GW de eólica e 314 GW de solar) e do Araripe (214 GW de eólica e 363 GW de solar). Para se ter uma ideia do tamanho disso, a potência total do parque gerador da Chesf é de 10 GW.

INVESTIMENTOS. Junto com o avanço das novas tecnologias, o Estado demanda com urgência de finalizar os investimentos de infraestrutura em curso para ficar menos vulnerável à escassez das chuvas. Segundo Roberto Tavares, a não conclusão da Adutora do Agreste, prevista para ser entregue em dezembro passado, é um dos motivos que fazem com que os moradores dessa região sofram mais que os sertanejos nessa seca. “Com a Adutora Oeste, que levou água para cidades como Salgueiro e do Sertão do Pajeú, o abastecimento de água depende pouco das chuvas. Mas no Agreste, a adutora que foi pensada há mais de 100 anos ainda está com apenas 40% das obras executadas”, criticou. “O que fazer para conviver com a seca é se preparar. Se vamos para um lugar frio, levamos agasalho. Como vivemos numa região de poucas chuvas, são necessárias obras estruturantes para que possamos conviver com isso nos próximos 10, 50 ou 100 anos. Essa situação ainda irá se agravar com os efeitos das mudanças climáticas no mundo”, sinaliza.
O que tem emperrado a obra é a morosidade no repasse de verbas da União. A primeira etapa custará R$ 1,3 bilhão, tendo até então apenas R$ 500 milhões executados. A segunda etapa demandará um investimento de R$ 1,2 bilhão. A adutora tem agora o prazo para conclusão em 2017.
Além das obras estruturadoras do abastecimento hídrico, uma tecnologia que garantiu grandes resultados para a população rural foi a implantação de cisternas para o uso familiar. Nos últimos 10 anos foram mais de 1 milhão de cisternas instaladas no Nordeste. Trataremos na próxima edição dos resultados desse investimento que tem garantido a permanência de milhares de famílias no Sertão e no Agreste do Estado.

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