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Análise genética de vetor da doença de Chagas pode levar a novas estratégias de prevenção

Maria Fernanda Ziegler, de Lyon  – A doença de Chagas é considerada um dos maiores problemas de saúde pública na América Latina. Segundo dados da organização sem fins lucrativos Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), vivem na região cerca de 6 milhões de pessoas infectadas, distribuídas em 21 países. Apenas 10% delas são diagnosticadas e só 1% recebe tratamento. No Brasil, o Ministério da Saúde estima a existência de pelo menos 1 milhão de infectados pelo protozoário Trypanosoma cruzi – causador da doença que, quando se torna crônica, pode levar à morte por insuficiência cardíaca. Mais de 90% dos casos se concentram nas regiões Norte e Nordeste. Com o objetivo de compreender os elementos envolvidos na cadeia de transmissão da doença de Chagas no semiárido brasileiro, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conduziram um estudo de campo no município potiguar de Marcelino Vieira, onde, em 2015, ocorreu um surto possivelmente causado por transmissão oral. Foram três mortes e 18 casos registrados, todos relacionados ao consumo de caldo de cana processado junto com o vetor do protozoário, no caso, o barbeiro (Triatoma brasiliensis), segundo o relato de pacientes. A pesquisa contou com apoio da FAPESP e foi apresentada durante o simpósio FAPESP Week France. “Na região do semiárido brasileiro, sobretudo onde ocorrem os surtos, é preciso ter uma compreensão mais precisa sobre os elementos envolvidos na cadeia ecoepidemiológica, pois o risco de infecção pode estar mudando. Fatores socioeconômicos, comportamentais e climáticos podem exercer influência crucial na biologia das espécies de vetores e de parasitas”, disse Carlos Eduardo de Almeida, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do projeto. O percevejo da espécie Triatoma brasiliensis – popularmente conhecido como barbeiro – é o principal vetor da doença de Chagas na região estudada. Em colaboração com cientistas franceses do Centre Nacional de la Recherche Scientifique (CNRS), Almeida tem trabalhado no sequenciamento do genoma e no estudo do transcriptoma (conjunto de genes expressos) de espécimes de T. brasiliensis capturados no local do surto. Por meio da análise de marcadores genéticos do tipo polimorfismo de nucleotídeo único (SNPs, na sigla em inglês), o grupo desenvolve estudos de genética de população para entender os processos de especiação e adaptação nesse grupo de insetos. O trabalho tem sido realizado no âmbito do Programa São Paulo Excellence Chair (SPEC). As análises indicam que os domicílios de Marcelino Vieira foram invadidos por populações silvestres e domésticas de T. brasiliensis, ambas com alta prevalência de infecção pelo T. cruzi. O cenário, segundo Almeida, é propício para a ocorrência de novos surtos. “Esses insetos não nascem infectados pelo parasita. Eles geralmente se contaminam ao picar algum animal e, assim, tornam-se aptos a transmitir a doença para os humanos”, explicou. Dados da pesquisa revelam que 52% dos barbeiros silvestres capturados e 71% dos insetos domésticos estavam infectados pelo protozoário. A alta prevalência da infecção nos espécimes silvestres e a ocorrência de duas linhagens parasitárias diferentes são fatores que, na avaliação do pesquisador, ameaçam os esforços de controle da doença. O estudo mostrou ainda que 68% dos 202 insetos analisados por meio de técnicas moleculares tinham se alimentado do sangue de preás (Galea spixii) e de mocós (Kerodon rupestris). Esse achado aponta os roedores como possíveis reservatórios do T. cruzi – função que anteriormente era atribuída somente aos gambás (Didelphis). Os resultados foram publicados na PLOS Neglected Tropical Diseases . Por meio de trabalhos de modelagem ecológica, os pesquisadores identificaram os ambientes que favorecem a infestação dos roedores nas proximidades das habitações humanas. “Esse conhecimento permite traçar uma estratégia de controle da doença de Chagas semelhante à usada contra a dengue: evitar a formação de criadouros do inseto vetor e dos roedores em reservatórios, como, por exemplo, amontoados de madeira e de tijolos”, disse Almeida. Nova espécie Os cientistas pretendem agora realizar exames sorológicos na população do Rio Grande do Norte para mensurar a real dimensão do surto. No entanto, uma das descobertas da pesquisa pode se tornar um complicador. O grupo encontrou, pela primeira vez na natureza, espécimes de T. brasiliensis infectados por parasitas Trypanosoma rangeli. “Esse protozoário não é patogênico e, portanto, não ameaça a saúde humana. Entretanto, pode causar reações cruzadas e resultados falso-positivos em exames sorológicos para a detecção da doença de Chagas”, disse. O fato, segundo o pesquisador, pode dificultar a avaliação da prevalência da população humana infectada pelo T. cruzi, informação essencial para o desenvolvimento de políticas públicas. O simpósio FAPESP Week France foi realizado entre os dias 21 e 27 de novembro, graças a uma parceria entre a FAPESP e as universidades de Lyon e de Paris, ambas da França. Leia outras notícias sobre o evento em www.fapesp.br/week2019/france. Agência FAPESP

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Brasil e países da América Latina sediarão estudo para tratamento em pacientes com doença de Chagas

Pela primeira vez, o Brasil e outros países da América Latina serão palco de um estudo que avaliará um tratamento para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida em pacientes com doença de Chagas, o PARACHUTE-HF (Prevention And Reduction of Adverse outcomes in Chagasic Heart failUre Trial Evaluation). Com previsão de início ainda em 2019, a investigação será realizada pela Novartis em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa Clínica (BCRI). Serão recrutados cerca de 900 pacientes em vários centros de pesquisa no continente latino-americano. A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma doença tropical negligenciada potencialmente fatal que, segundo estimativas, afeta aproximadamente seis milhões de pessoas em todo o mundo e é responsável por aproximadamente 12 mil mortes por ano¹-²-³. Liderado pelo brasileiro Renato Delascio Lopes, presidente do comitê executivo e diretivo do estudo, professor de Medicina na Duke University Medical Center e membro do Duke Clinical Research Institute, o estudo internacional, prospectivo e randomizado testará o medicamento indicado para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), sacubitril/valsartana, em comparação ao enalapril em pessoas com ICFER causada por cardiomiopatia chagásica crônica. “Este ano completa 110 anos em que o médico brasileiro Carlos Chagas identificou o protozoário Trypanosoma cruzi no sangue humano. Após mais de um século, a doença de Chagas ainda continua sendo um grande problema de saúde pública e o Brasil tem ao menos um milhão de infectados. Este será o primeiro estudo randomizado de grande porte para avaliar uma potencial terapia para insuficiência cardíaca especificamente nesta população negligenciada, podendo representar um marco importante para o tratamento da doença”, avalia Lopes. O estudo tem um comitê executivo composto por experientes pesquisadores internacionais: Prof. Edimar Alcides Bocchi, chefe da Unidade de Insuficiência Cardíaca do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP); Dr. Luis Echeverria Correa, diretor do programa de insuficiência cardíaca e transplante da Fundação Cardiovascular da Colômbia; Prof. Ruben Kevorkian, diretor médico em cardiologia na Universidade de Buenos Aires e chefe da Divisão de Cardiologia no Hospital Santojanni; Prof. John McMurray, professor de cardiologia médica e diretor adjunto do Instituto de Ciências Cardiovasculares e Médicas da Universidade de Glasgow; Prof. Carlos Morillo, professor do Departamento de Ciências Cardíacas da Faculdade de Medicina Cumming, Instituto Cardiovascular Libin e Universidade de Calgary. Cada país latino-americano terá um coordenador nacional como parte do comitê diretivo do estudo, sendo no Brasil o Prof. Felix Ramires, médico assistente da Unidade Clínica de Miocardiopatias do InCor-HCFMUSP. Sobre a doença de Chagas³ A doença é endêmica em 21 países da América Latina, sendo a segunda causa de desenvolvimento de insuficiência cardíaca crônica⁷. No entanto, devido à mobilidade populacional, nas últimas décadas tem sido cada vez mais detectada nos Estados Unidos, no Canadá e em muitos países europeus e em alguns países do Pacífico Ocidental³. A doença de Chagas apresenta-se em uma fase aguda inicial, em que um alto número de parasitas circula no sangue. Na maioria dos casos, os sintomas estão ausentes ou são leves e inespecíficos. Durante a fase crônica, a doença afeta principalmente o coração e os músculos digestivos, levando a distúrbios cardíacos em até 30% dos pacientes e alterações digestivas, neurológicas ou mistas em até 10% dos pacientes. A infecção pode eventualmente levar à morte súbita devido a arritmias cardíacas ou insuficiência cardíaca progressiva. A cardiomiopatia chagásica é a manifestação clínica mais impactante da doença de Chagas, resultando na maioria da morbimortalidade⁴. Os pacientes, mesmo mais jovens, tendem a ter pior qualidade de vida e maiores taxas de hospitalização e mortalidade em comparação com outras etiologias⁷.

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Compostos sintetizados na USP são testados na fase aguda da doença de Chagas

Karina Toledo/via Agência FAPESP Três novos compostos químicos sintetizados por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos foram testados com sucesso em camundongos no tratamento da fase aguda da doença de Chagas. Testes preliminares em fase crônica confirmam os resultados positivos. As três substâncias têm em comum a capacidade de inibir a atividade da cruzipaína, enzima essencial para a sobrevivência do parasita Trypanosoma cruzi, causador da enfermidade, em todas as etapas do seu ciclo de vida. Ao testar os compostos em associação com o fármaco de referência benzonidazol, os pesquisadores alcançaram uma taxa de sobrevivência dos animais que variou de 60% a 100%, muito superior aos 10% observados quando o benzonidazol foi administrado isoladamente na fase aguda. “Agora estamos iniciando os testes de farmacocinética, que ajudam a entender como as substâncias são metabolizadas no organismo e permitem determinar a dose ideal e o regime de administração. Essa informação vai guiar os estudos que deverão levar ao avanço nos ensaios pré-clínicos”, contou Carlos Alberto Montanari, coordenador do Grupo de Química Medicinal do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). A pesquisa liderada por Montanari é realizada com apoio da FAPESP desde 2005 – dentro de um programa dedicado à gênese planejada de fármacos. Desde 2014, o grupo tem sido financiado pelo Projeto Temático “Planejamento, síntese e atividade tripanossomicida de inibidores covalentes reversíveis da enzima cruzaína”. O grupo multidisciplinar é também integrado pelos pesquisadores Andrei Leitão (IQSC-USP), Sérgio de Albuquerque (Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP), Antonio Burtoloso (IQSC-USP), Carolina Borsoi Moraes (Universidade Federal de São Paulo) e Lúcio Freitas Júnior (Instituto de Ciências Biomédicas da USP). “Tudo começou com a descoberta do alvo biomacromolecular: a cruzipaína. Essa enzima tem duas funções importantes. Primeiro ela ajuda o parasita a reconhecer, aderir e invadir a célula do hospedeiro. Após esse processo, ela passa a exercer um segundo efeito: a digestão das proteínas da célula hospedeira”, explicou Montanari à Agência FAPESP. Inicialmente, o grupo do IQSC-USP trabalhou no desenvolvimento de uma versão recombinante da cruzipaína, que recebeu o nome de cruzaína. Para isso, os cientistas modificaram geneticamente bactérias da espécie Escherichia coli para que passassem a expressar a cruzaína em grandes quantidades nas culturas mantidas em laboratório. Feito isso, foi possível iniciar a busca por compostos químicos capazes de inibir a atividade da enzima e realizar os primeiros testes de interação entre as moléculas. “Analisamos virtualmente mais de 100 milhões de substâncias químicas incluídas em diferentes bibliotecas de moléculas de diversas partes do mundo, o que só foi possível graças a ferramentas de inteligência artificial do tipo machine learning [aprendizado de máquinas], que permitem analisar uma grande quantidade de dados por métodos em quiminformática, de modo a encontrar padrões de reconhecimento molecular que possibilitem fazer predições”, disse Montanari. Munidos de ferramentas computacionais e de informações previamente obtidas sobre a estrutura tridimensional das moléculas, os pesquisadores selecionaram as substâncias mais promissoras para interagir com a cruzaína e inibir sua função biológica por meio de um processo chamado docagem molecular, que prediz como seria o complexo formado pela enzima e seu potencial inibidor. Após essa triagem inicial, cerca de 250 pequenos compostos químicos foram selecionados e sintetizados pelo grupo do IQSC-USP ao longo de vários anos para os ensaios de interação in vitro. “Empregamos as informações obtidas pelas ferramentas de machine learning em conjunto com os dados da estrutura tridimensional da cruzaína obtidos por cristalografia de raios X. Juntando essas duas informações podemos ‘decorar’ a estrutura da molécula a ser sintetizada de modo a aumentar as chances de sucesso em inibir a enzima”, explicou Montanari. Inicialmente, os compostos sintetizados foram testados in vitro contra a enzima recombinante. O objetivo foi comprovar que atuavam de fato pelo mecanismo de interação estudado pelos pesquisadores. Os candidatos mais bem-sucedidos foram, em seguida, testados diretamente contra o parasita, também in vitro. Dos 250 compostos inicialmente triados, cerca de seis chegaram a ser testados em animais. De acordo com Montanari, somente os que se mostraram eficazes em concentrações muito baixas avançaram para a etapa de ensaios in vivo. “Na prática, vamos fazendo a síntese das moléculas seguindo o conceito de planejamento baseado em hipótese. Ou seja, após testar um composto em nosso sistema bioquímico in vitro, usamos os resultados para planejar e aperfeiçoar a próxima molécula a ser sintetizada. Mais recentemente, com base nos resultados prévios, conseguimos nos aproximar da estrutura molecular ideal e selecionamos 12 substâncias químicas com potencial para serem trabalhadas em fase pré-clínica visando alcançar os testes em humanos posteriormente”, disse o pesquisador. Ensaios in vivo O primeiro composto testado isoladamente em roedores não se mostrou muito eficaz em promover a sobrevida, então os cientistas decidiram dar continuidade aos ensaios combinando os inibidores da cruzipaína com o benzonidazol, fármaco padrão para o tratamento da doença de Chagas. “Embora funcione bem na fase aguda, o benzonidazol não tem muita eficácia contra o parasita durante a fase crônica, que pode se manifestar muitos anos após o paciente ser infectado pelo T. cruzi. Além disso, ele é muito tóxico, causa muitos efeitos colaterais e, com a terapia combinada, podemos diminuir as doses e os efeitos adversos”, disse Montanari. Como explicou o pesquisador, passada a fase aguda, o parasita pode passar anos em latência no organismo humano sem causar sintomas ou ser detectado em testes laboratoriais. Somente quando surgem as complicações da fase crônica, como o alargamento dos ventrículos do coração (condição que afeta cerca de 30% dos pacientes e costuma levar à insuficiência cardíaca), a dilatação do esôfago ou o alargamento do cólon (que acomete até 10% dos infectados e pode levar à perda dos movimentos peristálticos e à dificuldade de funcionamento dos esfíncteres), os médicos conseguem fazer o diagnóstico. “É nessa fase da doença, quando já é possível detectar novamente o parasita no organismo, que pretendemos testar nossos candidatos a fármaco. Hoje não há opção terapêutica eficaz para a fase crônica. Por isso idealizamos a terapia combinada”, disse o pesquisador. Os testes foram feitos com camundongos infectados pela cepa Y do parasita, considerada

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