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São José e Santo Antônio: Região de história

Numa caminhada trivial de pouco mais de um quilômetro e meio saindo do Palácio do Campo das Princesas, em Santo Antônio, até o Forte das Cinco Pontas, em São José, é possível transitar pelos lugares que escreveram parte significativa da história pernambucana. Na segunda reportagem sobre esses bairros centrais do Recife, retrocederemos um pouco no tempo para compreender como se deu a formação urbana dessa região e quais os acontecimentos políticos que marcaram esse lugar. De acordo com o arquiteto José Luiz da Mota Menezes, a primeira construção dessa região é um pequeno convento, no ano de 1608, vindo posteriormente poucas residências. “A princípio foi construído em Santo Antônio um conventinho, depois um cristão novo chamado Baltazar fez oito casinhas, do antigo prédio do Jornal do Commercio até a Rua Primeiro de Março. Posteriormente foi erguida a casa de Pedro Álvares. Era apenas isso até a chegada de Maurício de Nassau, que amplia essa área e projeta o bairro de São José em 1639”, explica o especialista. Com o domínio holandês, a Ilha de Antônio Vaz − que abriga os dois bairros − passa a ser conhecida como a Cidade Maurícia. A denominação persistiu até a expulsão dos holandeses, em 1654. Foi neste período em que foram construídas as primeiras pontes para conectar as ilhas recifenses. Também data dessa época a criação de um plano que previa o crescimento da cidade. “Durante o período da invasão holandesa, o conde Maurício de Nassau residiu naquela ilha. Foi lá que ele deu início à sua expansão territorial, fator determinante para o desenvolvimento urbano da época”, revela a pesquisadora Semira Adler Vainsencher em artigo da Fundação Joaquim Nabuco. De acordo com o historiador e professor da UPE, Carlos André Moura, durante o domínio holandês foram construídos o primeiro observatórios astronômico, um jardim botânico e um zoológico na cidade. “Foi erguida a primeira ponte que ligou as ilhas do Bairro do Recife a Santo Antônio, a atual Maurício de Nassau”. Um evento marcante, segundo o historiador, foi o anúncio do conde assegurando que um boi iria voar durante a inauguração. E ele realmente conseguiu o intento. Na verdade, Nassau mandou fazer um boi de palha e couro e o suspendeu por um sistema de roldanas e cordas, permitindo que atravessasse de um lado a outro da ponte para a admiração dos presentes. É dos holandeses a iniciativa de construir o Forte de São Tiago das Cinco Pontas, em 1630. Erguido de taipa nas proximidades das cacimbas do senhor de engenho Ambrósio Machado, essa fortaleza tinha como função evitar a circulação de navios inimigos pelo rio e proteger essa fonte de fornecimento de água potável no bairro de São José, que era ocupado inicialmente apenas por pescadores. Com a derrota dos holandeses o forte foi destruído, sendo restaurado apenas em 1684, com um material mais resistente. Logo após a derrota holandesa, é construída pelos capuchinhos franceses uma das principais igrejas da ilha, o templo original da Igreja da Penha, em 1656 (a basílica que conhecemos foi erguida no mesmo local em 1870). Mas é durante o Século 18 que são edificados muitos dos templos religiosos que conhecemos atualmente. Sobre as trincheiras holandesas e a antiga Casa de Pólvora foi erguida a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio, em estilo barroco colonial. Neste mesmo século são construídas a Capela Dourada, a Igreja de São Pedro dos Clérigos, o Convento Franciscano de Santo Antônio e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares. Além da vida religiosa, esses bairros foram marcados pela atividade comercial, sob forte influência da dinâmica na região do Mercado de São José, que foi inaugurado apenas em 1875. Mas, desde 1787 já existia no seu pátio um comércio de frutas e verduras, chamado de Ribeira de São José. Todas as ruas do seu entorno seguem com intensa atividade comercial, principal vocação do bairro, mesmo em meio a toda dificuldade de mobilidade e de segurança nas calçadas. “Os turistas vêm para ver o diferente. Nós temos, mas não tratamos bem os nossos diferenciais. Nosso Mercado de Ferro é um dos poucos do Brasil. Deveria ser uma obra-prima. Um lugar para as pessoas verem o peixe sendo recortado, comprar os artigos regionais. O mesmo deveria ocorrer com a Casa da Cultura. Mas é preciso preparar essa contemplação. Esses bairros são um museu que poderia ser recuperado”, afirma Mota Menezes. Essa região também foi palco de dois dos maiores movimentos revolucionários de Pernambuco. “A Revolução de 1817 e a Confederação do Equador de 1824 aconteceram principalmente nas ruas desses bairros, onde funcionava a imprensa e onde se encontravam os jornalistas, intelectuais, religiosos e políticos. Muitos moravam e trabalhavam nesta localidade”. A morte do principal nome da Confederação do Equador, o Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, conhecido por Frei Caneca, se deu também nessa região. “Ele foi preso onde hoje é o Arquivo Público, na Rua do Imperador, e foi caminhando até o Forte das Cinco Pontas, no Bairro de São José, onde foi executado”, afirma Carlos André. No local exato da execução foi erguido um busto em homenagem ao herói pernambucano. Com as mudanças nos bairros, principalmente no século passado, praticamente se construiu uma nova cidade sobre essa região histórica do Recife. “Como bem público, defendo que essa área deveria ter uma rigorosa preservação não da paisagem, mas do subsolo. Em qualquer obra nesses bairros deveria ter o acompanhamento de um arqueólogo”, sugeriu o arquiteto. O processo de “modernização” da cidade – caracterizado pela abertura da Dantas Barreto e derrubada da antiga Igreja dos Martírios – é apontado pelos historiadores como uma das intervenções responsáveis pelo esvaziamento de moradias no bairro. “Essa avenida é construída nas gestões de Agamenon Magalhães e de Augusto Lucena e causou uma grande destruição do patrimônio histórico. Não apenas da Igreja dos Martírios, que foi destombada, mas também de vários casarios”, relata o Carlos André. Parte dos moradores desses bairros era de universitários, que moravam em pensões e repúblicas estudantis para estudar na tradicional Faculdade de

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São José e Santo Antônio: região dos contrastes

Santo Antônio e São José são bairros centrais do Recife marcados por diversos contrastes. De um passado protagonista, para um presente coadjuvante na dinâmica da cidade. Do patrimônio arquitetônico de valor mundial, às paredes descascadas e pichadas dos edifícios abandonados. De ruas comerciais com intensa movimentação durante o dia a pátios vazios e marginalizados à noite. Para compreender essa realidade, iniciamos a partir desta edição uma série de reportagens sobre os desafios para reabilitação dessa região histórica da capital pernambucana. O Forte das Cinco Pontas, o Mercado de São José e a Estação Central são algumas edificações que marcam a identidade recifense e pernambucana. Além delas, um conjunto de prédios eclesiásticos que incluem a Basílica da Penha, a Capela Dourada, a Matriz de Santo Antônio e a de São José, entre tantos outros, são relíquias da arte sacra e da arquitetura religiosa que resistem a uma degradação intensa que afeta a região. Lugares com grande potencial para o turismo, mas pouco acionados pelo trade turístico por causa do entorno nada convidativo para os visitantes. Os lojistas se queixam do comércio informal e da falta de segurança. Para os trabalhadores e consumidores do local, as calçadas irregulares e a dificuldade de mobilidade − pelas ocupação desordenada do espaço, e pelo transporte público pouco eficiente − são alguns dos problemas mais graves. Esses são alguns dos principais sintomas dessa região adoecida, que tem como contraponto a todas essas barreiras uma inacreditável dinâmica. O comércio popular forte, com uma diversidade de produtos e serviços que não se encontra em outros lugares da cidade, gera uma circulação de pessoas que se assemelha aos corredores de muitos shoppings. “O principal problema hoje é a falta de ordenamento do comércio informal. O Recife tem muito essa característica do comércio ambulante, não queremos que acabe, mas precisa ser controlado. Isso é fundamental para melhorar o fluxo de pessoas nos bairros. Também pedimos melhorias na segurança, com um policiamento mais ostensivo”, aponta Cid Lôbo, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-Recife). Numa caminhada breve pela Rua das Calçadas ou pela Avenida Dantas Barreto é fácil entender o incômodo apontado por Lôbo. Produtos dispostos no passeio somam-se às calçadas desniveladas e feitas com todos os tipos de materiais (com cerâmica, pedras portuguesas, lajota). De brinquedos e eletrônicos made in China, às panelas e frutas de todas as cores compõe-se o painel de produtos dispostos no chão ou pendurados nas paredes. O emaranhado de fios nos postes e as placas e banners expostos nas ruas compõem a poluída paisagem urbana dos bairros, que o leitor pode conferir na foto ao lado. O diagnóstico feito pelo sócio-diretor da tradicional loja Irmãos Haluli, Paulus Haluli, aponta para a necessidade de organizar questões urbanísticas básicas. “Precisamos de ruas onde seja possível o pedestre caminhar, com a garantia de segurança e com banheiros públicos decentes. Nem entro no mérito sobre a necessidade de estacionamento, mas esse tripé básico no cuidado do espaço urbano não existe”, declara o empresário. Paulus afirma que até bem pouco tempo chegava ao trabalho de transporte público, mas a insegurança fez com que mudasse a rotina e passasse a se deslocar de Uber até a loja. “Infelizmente os furtos são uma constante. Desisti de vir trabalhar de ônibus, porque já tentaram me assaltar”. Ele lamenta também a situação do Mercado de São José. “Infelizmente os turistas que visitam o bairro encontram o mercado em condições tristes, com um banheiro da Idade Média”, critica. Para os especialistas, há motivações locais que geraram o abandono de São José e de Santo Antônio, como intervenções urbanísticas pouco eficientes ao longo das últimas décadas. Mas, eles ressaltam que em muitos países houve um fenômeno perverso de esvaziamento dos centros urbanos, que afetou também a capital pernambucana. “Os problemas que encontramos hoje no Centro do Recife são dificuldades sofridas pelas cidades europeias no século passado e que foram superados com muita garra”, afirma a arquiteta e professora da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco), Amélia Reynaldo, em audiência pública realizada na Câmara do Recife, promovida pelo vereador Jayme Asfora para discutir soluções para a região. Nessa ocasião, a CDL sugeriu que fosse incluído no Plano Diretor da cidade um dispositivo que obrigue o poder público a fazer um plano específico para o Centro que contemple as esferas econômicas, ambientais, sociais e espaciais. A especialista ressalta que grandes destinos turísticos internacionais dos nossos dias, como Paris e Barcelona, estavam esvaziados, com prédios históricos ameaçados, ruas tomadas por veículos e com área comercial completamente desregulada em meados do século passado. “As cidades fediam, o comércio informal estava colado a edifícios notáveis, que estavam em ruínas. Era uma situação que se parecia muito com a realidade do Recife que conhecemos”, conta a arquiteta. A negação do Centro da cidade no mundo todo teria origem na teoria dos higienistas de que esses locais não serviam para habitação e que todo o espaço precisava ser renovado e, posteriormente dos racionalistas, que sugeriram a demolição das quadras e prédios insalubres para a verticalização das cidades, preservando apenas alguns edifícios simbólicos. No Recife, o processo de “modernização” desses bairros contribuiu significativamente para o esvaziamento do seu uso para moradia. Apesar dessa análise histórica, Amélia avalia que o caso do Centro do Recife − considerando um espaço que extrapola esses dois bairros − tem mais potenciais que dificuldades. “A região é uma oportunidade, muito mais do que um problema. Temos uma geografia fantástica, um patrimônio cultural incrível e um comércio dinâmico, que não existe nada que não se encontre nele”, elogiou a arquiteta. O camelódromo e a localização dos pontos de ônibus são alguns dos aspectos a serem modificados na opinião do arquiteto e urbanista José Luiz da Mota Menezes. “As estações de BRT na Avenida Guararapes deveriam ser removidas e colocadas mais adiante. Quem desce hoje nessa via precisa seguir a pé um longo percurso até a área comercial”. A quantidade excessiva de linhas de ônibus em algumas paradas, como na frente da Praça do Diario de Pernambuco, também foi criticada pelos

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