Zika elimina tumor humano avançado no sistema nervoso

Um estudo brasileiro mostrou, pela primeira vez em um modelo vivo, que o vírus Zika pode ser usado como ferramenta no tratamento de tumores humanos agressivos do sistema nervoso central. O estudo foi publicado no dia 26/04 na revista Cancer Research. Após injetar pequenas quantidades do patógeno no encéfalo de camundongos com estágio avançado da doença, os cientistas observaram uma redução significativa da massa tumoral e aumento da sobrevida dos animais. Em alguns casos, houve a eliminação completa do tumor – até mesmo de metástases na medula espinal. “Estamos muito animados com a possibilidade de testar o tratamento em pacientes humanos e já estamos conversando com oncologistas. Também submetemos uma patente com o protocolo terapêutico adotado em roedores”, contou Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e coordenadora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP. Zatz coordenou a investigação ao lado de Oswaldo Keith Okamoto, também professor do IB-USP e membro do CEGH-CEL. Colaboraram pesquisadores do Instituto Butantan, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Nossos resultados sugerem que o Zika possui uma afinidade ainda maior pelas células tumorais do sistema nervoso central do que pelas células-tronco neurais sadias [principais alvos do vírus no cérebro de fetos expostos durante a gestação]. E ao infectar a célula tumoral ele a destrói rapidamente”, disse Okamoto. Em seu laboratório no IB-USP, o pesquisador tem se dedicado nos últimos anos a estudar um grupo de genes que, quando expressos em tumores malignos, conferem às células tumorais propriedades semelhantes às de células-tronco, tornando-as mais agressivas e resistentes ao tratamento. Segundo Okamoto, essas células tumorais com características de células-tronco já foram observadas em diversos tipos de tumores sólidos, inclusive aqueles que afetam o sistema nervoso central. Dados da literatura científica sugerem que elas ajudam o câncer a se disseminar pelo organismo e a restaurar o crescimento tumoral após a quase eliminação da doença por tratamentos de químio e radioterapia. “Nossos estudos e de outros grupos mostraram que o vírus Zika causa microcefalia porque infecta e destrói as células-tronco neurais do feto, impedindo que novos neurônios sejam formados. Foi então que tivemos a ideia de investigar se o vírus também atacaria as células-tronco tumorais do sistema nervoso central”, disse Okamoto. Metodologia O trabalho agora publicado teve como foco os chamados tumores embrionários do sistema nervoso central. Foram usadas nos experimentos três linhagens tumorais humanas: duas de meduloblastoma e outra de tumor teratoide rabdoide atípico (TTRA). Como explicou Okamoto, ambos os tipos de câncer são causados por aberrações – genéticas ou epigenéticas – que acometem as células-tronco e progenitores neurais durante o desenvolvimento embrionário, quando o sistema nervoso está em formação. “As células-tronco neurais que sofrem essas alterações dão origem, mais tarde, às células tumorais. Formam tumores agressivos, de rápido crescimento, que podem se manifestar logo após o nascimento ou até a adolescência”, disse o pesquisador. Em uma primeira etapa da pesquisa, o grupo testou in vitro se o Zika era capaz de infectar essas três linhagens de tumores do sistema nervoso central e também células de outros tipos frequentes de câncer, como mama, próstata e colorretal. Foi feito um estudo de escalonamento de dose, ou seja, quantidades crescentes do vírus foram adicionadas às células tumorais em cultura até encontrar a quantidade capaz de promover a infecção. Por microscopia de imunofluorescência, os pesquisadores puderam confirmar se o vírus tinha de fato invadido e começado a se replicar no interior da célula tumoral. “Observamos que pequenas quantidades do Zika eram suficientes para infectar as células de tumores do sistema nervoso central. As de próstata chegaram a ser infectadas, mas em uma proporção muito menor. Por outro lado, mesmo uma grande dose viral não causou infecção nas células de câncer de mama e de tumor colorretal”, disse Okamoto. O segundo experimento consistiu em comparar a capacidade do vírus de infectar células-tronco neurais sadias – obtidas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês, células adultas reprogramadas em laboratório para se comportarem como células-tronco) – e células-tronco tumorais do sistema nervoso central. “Infectamos ambos os tipos celulares in vitro e vimos que as células-tronco tumorais são ainda mais suscetíveis a serem destruídas pelo Zika do que as células-tronco neurais sadias. Nesse mesmo ensaio, expusemos neurônios maduros ao vírus – diferenciados a partir das células-tronco neurais humanas – e vimos que eles não foram infectados ou destruídos pelo patógeno”, disse o pesquisador. “Esta é uma ótima notícia, uma vez que nosso objetivo é destruir especificamente células tumorais”, afirmou Zatz. Como explicou a pesquisadora, as células-tronco neurais usadas no experimento foram obtidas durante um estudo anterior do grupo, feito com pares de gêmeos discordantes, ou seja, casos em que apenas um dos irmãos foi afetado pelo vírus, embora ambos tenham sido expostos igualmente durante a gestação (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/27083). A linhagem de tumor teratoide rabdoide atípico foi, segundo Okamoto, a que se mostrou mais sensível à infecção. “Fizemos uma extensa análise do perfil genético e molecular dessas linhagens, que incluiu sequenciamento completo do exoma [parte do genoma onde estão os genes que codificam proteínas], análise de expressão gênica global e de alterações cromossômicas. Chegamos à conclusão que essa linhagem tumoral mais sensível ao vírus também foi a que mais se assemelhou às características moleculares das células-tronco neurais sadias”, disse o cientista. Dados preliminares do grupo sugerem que o Zika também é capaz de infectar e destruir outros tipos de células tumorais do sistema nervoso central, entre elas glioblastoma e ependimoma. Ensaios in vivo Na terceira e última etapa da pesquisa, foram feitos ensaios com camundongos imunossuprimidos, nos quais foram injetadas células tumorais humanas – tanto de meduloblastoma quanto do tumor teratoide rabdoide atípico, em diferentes grupos. Nesse modelo de estudo, o tumor é induzido em uma região do encéfalo conhecida como ventrículo lateral. De lá, ele se espalha para outras regiões do sistema nervoso central e, em seguida, ao longo da

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