Conhecido pelo virtuosismo com que interpreta desde frevos, MPB até o Hino de Pernambuco, o músico Cláudio Almeida nem sempre dedicou-se à arte. Durante muito tempo eram os números e não as notas musicais que faziam parte do seu trabalho como economista. Nesta conversa com a Revista Algomais, ele conta como fez essa virada na carreira, suas parcerias com artistas como Spok , Zeca Baleiro e Alceu Valença e até a participação que teve no cinema.
Como foi ser criança em Pesqueira?
Muito bom. Meu pai, Osvaldo de Almeida, era músico. Tocava clarinete, saxofone e trombone. Mas não queria que a gente estudasse música. Acabei tocando guitarra em conjuntos de iê-iê-iê. Eu gostava de bateria, ele ainda comprou uma para mim. Toquei bateria, um tempo depois. A arte de minha mãe era com as mãos, tudo o que for de bordado, doces, culinária ela fazia. Foi uma das pioneiras que vendeu renda renascença. Chegou a vender uma toalha para a rainha Elizabeth, quando veio ao Brasil. Tive três irmãos. Só o mais velho toca piano, conhece muito música erudita.
Seu pai era profissional de música?
Não. Ele trabalhava e tocava nas horas vagas, tocava também num programa de rádio famoso. Era muito respeitado. Nunca quis vir para o Recife. A felicidade dele era tocar em Pesqueira. No rádio era líder de audiência por 13 anos. Era solista, tocava clarinete ou saxofone no rádio e trombone no Carnaval.
Quando você veio para o Recife e o que mais o marcou?
Tinha 18 anos, vim fazer cursinho. Meu pai faleceu em junho do mesmo ano. O que me marcou musicalmente foram as músicas que eu ouvia. A Rádio Jornal do Commercio já era muito boa. Tinha muito status. Ainda está lá um auditório grande. Iam muitos cantores daqui ou mesmo de fora. Tínhamos facilidade de ouvir tudo, de Tom Jobim a Elis Regina e Luiz Gonzaga.
Como foi a formação musical?
Meu pai sempre me passava as músicas. Eu ia ouvindo, assimilando, sendo influenciado. Ele gostava até de música erudita, mas tocava também músicas populares. Meu primeiro instrumento foi a bateria e eu ensaiava com os meninos da cidade, com uns 16 anos. Mas não tocava em público. Não tive professor de violão, meu irmão começou a aprender, não dava muito para a coisa. Mas eu aprendi muito rápido. Meu pai se admirava como eu estava avançando. Ele vibrava muito no fundo. Ele chorava, quando me ouvia já mais velho. Vim para o Recife estudar economia na UFPE. Passei também na Unicap. Nem esperava, pois não tinha cabeça. Meu pai estava recém-falecido, mas minha mãe me deu força para enfrentar a vida. No Recife, passei 10 anos sem pegar em instrumentos, entre 1969 a 1979, quando comprei meu primeiro violão. Nem o de Pesqueira era meu. Mandei comprar em São Paulo, com o meu salário, e fui buscar no aeroporto. Já estava tocando choro uns amigos.Trabalhei muito tempo em empresa privada, depois em 1985 comecei a compor mais.
Por que ficou 10 anos sem tocar? Algo em relação à morte de seu pai?
Só se for inconsciente. Mas acho que quando viemos para cá foi para estudar. Estudando e trabalhando não dava para ficar tocando violão. Eu não tinha instrumento, morava em casa de estudante. Não tinha nem clima para tocar. Sempre fui muito dedicado em colégio e faculdade. Ao me formar, logo fui empregado. Trabalhei fazendo projetos para Sudene, BNDES.
Por que a opção por economia?
Acho que tinha influencia do meu tio, que foi chefe do IBGE em Pesqueira. Era uma pessoa muito culta, apesar de ter apenas o primeiro grau. Teve influência de pesquisas dele. E também tinha jeito para matemática e projetos.
Como foi a carreira em economia?
Foi boa, trabalhei uns 12 anos em empresa privada. Depois atuei no Condepe e me aposentei no Estado. Ao chegar no Estado, tive facilidade para desenvolver a minha carreira musical. Compus o primeiro frevo de bloco. Após 10 anos sem pegar no violão, lancei no primeiro disco, um compacto, as três músicas que meu pai tinha deixado escritas e fiz um choro, em 1979. Investi também no Carnaval e, como solista de violão, só depois. Meu primeiro disco solo no violão só aconteceu em 1998.
Tem algum momento na carreira que deu uma virada?
Quando comecei a fazer solos em shows. Quando ninguém falava no Hino de Pernambuco, toquei para 10 mil pessoas no Festival da Seresta, só com o violão. Depois no Teatro Guararapes da mesma forma. Daí nasceu o projeto Pernambuco Imortal, que era para gravar o hino. Aquela história toda começou comigo. Em todos os meus shows eu terminava com um solo do hino. Muito antes daquele projeto que divulgou bastante o hino no Estado. Após assumir esse lado solista, acredito que minha carreira virou. Apesar de não ter estudado, faço arranjos por intuição. Faço em partitura também. O computador me ajudou. Quando tenho dúvida, falo com algum maestro. No meu último disco, uma homenagem a Zé Dantas, todos os arranjos são meus.
Entre os cantores com que você tocou, quais o marcaram mais?
Cauby Peixoto. Fiz a música Dançando na rua. Fiz o instrumental, um amigo fez a letra, Fernando Azevedo, que é pediatra, autor daquela música do Galo: Acorda, Recife. Acorda. Ele fazia muitos shows comigo. Cauby disse que foi uma das músicas mais bonitas que ele ouviu. Entrou nos supersucessos dele. Isso foi em 1997. Gravei também com Alceu Valença. Geraldo Azevedo também gravou música minha. Zeca Baleiro gravou o primeiro frevo dele através de mim. Escrevi a harmonia e Spok fez um arranjo para sopro. Sugeri ainda colocar uma gaita, e Zeca adorou. É uma música de Nelson Ferreira que ele gosta muito. Tentamos modernizar, trazer uma linguagem nova para o frevo.
Como foi a experiência com o Carnaval?
Papai já tocava Carnaval, era considerado um dos melhores trombonistas de Pernambuco. Ele tocava nos quatro dias e levava muitos frevos em casa para ensaiar. Meu primeiro frevo, aliás, nunca foi gravado. Cheguei em 1970 no Recife, meu irmão, publicitário, me deu uma letra para colocar uma música, chama-se Obrigado, Goretti. Mas essa música nunca foi gravada. Esse de fato foi o primeiro frevo que fiz. Em 1985 tive minha primeira gravação, com participação do Bloco da Saudade, mas a primeira composição foi essa. Essa primeira música chegou a disputar um festival em 1973. Nesse festival estava Nelson Ferreira também, mas nenhum de nós ganhou. Tenho maior vontade de gravar ainda. Penso em gravar neste ano. Só foi tocada nesse festival e para poucas pessoas.
O que você trouxe do frevo de Pesqueira para cá?
O Carnaval de Pesqueira lembra muito o de Olinda. Quando vou lá, fico impressionado. Parece que tem uma turma que se reveza. Manhã, tarde, noite, madrugada. Pesqueira é muito festeira.
Qual sua opinião sobre as experimentações que estão sendo feitas com o frevo? Por exemplo, com o Maestro Forró e o Spok?
Acho muito positivas. Em 1998 gravei um disco com Spok já com a proposta de modernização. Ele não tinha o nome que tem de hoje, tocava com Duda. E ele fez o arranjo. Sempre o convidava para trazer alguma inovação. Já era um pouco do que ele está fazendo hoje, com uma influencia do jazz.
Como foi a sua passagem na área cultural do setor público?
Raul Henry era o secretário de Cultura do Recife e me convidou para trabalhar com ele. Já me conhecia do setor público, mas não da área musical, e conhecia minha produção com violão. Fui coordenador de música. A Banda da Cidade do Recife, do Mastro Duda, ficava subordinada a mim e fiquei com uma parte do Recife Frevoé, que era uma coleção de discos muito vitoriosa, produzida por Carlos Fernando. Isso foi entre 1996 e 2000. O principal projeto foi o Recife Frevoé, peguei do segundo ao quinto volume. Foi um período de luta pela gravação do frevo, trazendo grandes intérpretes, como Zeca Baleiro, Edu Lobo, Alceu Valença, Leila Pinheiro, Chico César, Dominguinhos. A ideia era jogar o frevo para fora, que sempre foi muito respeitado. Já tinha essa visão de exportar os frevos. Na minha época começou essa tradição das aberturas do Carnaval do Recife, naquele ano, 1999, na Avenida Guararapes. Antes não tinha um evento forte de abertura.
Como surgiu o seu trabalho no Imip?
Começou em 2009. Fui fazer um trabalho, projeto Imip Cultural - projeto Saúde com Arte, que executo com a cantora Beth Coelho. Coordenado pelo médico Paulo Barreto Campelo, que é pneumologista, que já vem fazendo essa história de música nos hospitais, aliando medicina e arte. Foi ele foi quem criou o projeto no Hospital Oswaldo Cruz e passou também para o Imip, juntando música, artes plásticas, contação de história. Toco em várias áreas, como hemodiálise, quimioterapia, oncologia cirúrgica, pediatria e tocávamos na Casa dos Cuidados Paliativos. Voltaremos para lá. É que rodamos muito. Inclusive Carlos Fernando morreu lá. Na época que atuávamos lá, geralmente tocávamos Luiz Gonzaga, Roberto Carlos, mas tivemos uma surpresa. Um senhor disse que gostava mesmo de música erudita. Conhecia as biografias dos grandes compositores. Eu disse: Tá certo, Sr. Davi. Ele tinha feito uma exposição há uns 20 dias sobre um quadro que pintou. Ele me contou sua história: foi morador de rua por muitos anos. Ao chegar de noite no camelódromo, ficava ouvindo musica clássica na Rádio Universitária, tinha ido a alguns consertos. Em 9 de agosto de 2012, o Imip me deu todo apoio, fiz os arranjos, toquei as músicas que ele conhecia. E fiz uma música para ele. Na véspera, ele me disse que sabia do conserto. Quando ele chegou por lá, ele ficou muito emocionado. Levantou-se da cadeira, nem podia. Isso teve uma grande repercussão. Ele morreu 40 dias depois. Não falava de morte, só de vida. Só falou que estava com medo no dia em que ele faleceu. Ninguém se esquece dele até hoje, nos marcou muito. Ele conhecia todas as músicas que tocamos. Nesse ano repeti uma parte daquele show. E toquei a música dele de novo.
Como foi a participação no filme Deus é Brasileiro?
Eu tinha gravado uma música de aniversário brasileira, Saudemos, para substituir o Parabéns pra você. Mas nunca pegou. Aí alguém mostrou ao Cacá Diegues. Ele foi atrás de um coral. Gravamos num estúdio. Recebi uma ligação do assessor dele, sugerindo que eu participasse da gravação do filme. Fomos lá para a cidade da gravação. Estavam lá Paloma Duarte, Antonio Fagundes e Wagner Moura. A moça disse que na cena haveria um aniversário, eu seria o marido dela, me chamava Clóvis e que iria partir o bolo. Toquei, cortei o bolo. Quando houve a pré-estreia aqui no Shopping Recife, Cacá Diegues veio, disse que era um prazer ter minha música no filme. Fiquei lá todo enrolado, fiquei tirando foto com Wagner Moura, que estava começando. Apareci muito bem no filme, mas foi uma participação curta. No livro de Cacá Diegues sobre o filme está registrado isso também.
Quais são so seus projetos para o futuro?
Hoje os artistas estão correndo de discos, querem shows apenas. Não sei bem. Tenho projeto de fazer um livro. Não queria um livro biográfico, queria um pouco biografia, mas misturando o local com o universal. Não queria piegas. A ideia era partir da influência de papai, mas para uma coisa mais universal. Tenho vontade de gravar minhas músicas instrumentais em CD e também essa primeira composição que fiz, que nunca foi gravada. Tem músicas novas também. Tem uma com Spok, que ainda não foi gravada.