O cientista político Thales Castro, que é vice-presidente do Iperid, cônsul de Malta e professor da Unicap, conversou conosco sobre o cenário internacional em 2020. Ele destacou o ambiente de tensão entre o Brasil e Argentina e comentou sobre o início de uma provável crise mundial já neste ano.
No ano passado a crise da América Latina estava mais concentrada na Venezuela. Neste ano vimos grandes manifestações e crises no Equador, Peru e Chile. Além de uma mudança política na Argentina (que até pouco tempo era inesperada). Como explicar esse cenário em ebulição e o que podemos esperar para 2020 na região?
O modelo econômico se esgotou, mostrou sinais de falência através da situação sócio econômica venezuelana. Daí tivemos a emergência de governos de direita na América Latina. Macri, Bolsonaro, Pinheira… Nos últimos meses os movimentos de rua atingiram em cheio essa mudança, com reações contrárias a força da direita, ao mesmo tempo que houve manifestações também na Bolívia. Agora temos o retorno do peronismo na Argentina. Muitas manifestações no Chile contrárias a esse pêndulo geopolítico que tem assumido proporções importantes na América Latina. Hoje vivemos uma pulverização dessas reações a direita, muito disso tem retroalimentações dos governos bolivarianos. Mas avalio que não temos como diferenciar, pontuar um fenômeno dessa magnitude como uma reação à direita, tão somente pelo vetor econômico, mas precisamos incluir dois outros fatores, o político e o social, essa tríade compõe a força desses movimentos que surgiram na América Latina. Mas há muita dificuldade de separar a linha do político, econômico e social. Os movimentos navegam nesses três pilares.
Alguns analistas tem sinalizado que o mundo voltará a ter um cenário de retração econômica nos próximos anos (após quase 10 anos de crescimento após a última crise). Você concorda com essa expectativa? Caso, sim, o que explica esse cenário e qual o impacto que o Brasil deve sofrer?
A natureza do capitalismo globalizado é cíclica. Aconteceu uma grande crise em 2008 e há uma possibilidade razoável de se repetir em 2020, com o esgotamento de um ciclo. Isso poderá atingir o processo lento e gradativo que estamos fazendo para sair de um ciclo recessivo no Brasil que começou em 2015, quando o Brasil perde selo de bom investidor-pagador. A partir daí a inflação atinge dois dígitos. E a recessão em 2015, que veio se arrastando até 2018, com um ciclo muito lento de recuperação, gerando uma avassaladora situação de desafio a economia. Quando o Brasil começa a se recuperar, a economia global tende a não colaborar com a recessão global. A locomotiva chinesa começa a desacelerar, a guerra comercial sino-americana. Isso tem reverberação nas economias emergentes, pois nossa balança comercial se retroalimenta desses países que compram produtos primários.
Qual tema internacional que você destacaria a ficar de olho para 2020?
2020 será ano tortuoso e turbulento nas relações entre Brasil e Argentina. Há uma tendência de piora na relação comercial e política entre os países, com ameaças para o Mercosul. Previsões que poderão ter repercussões para Pernambuco. Nossa fábrica da Jeep Chrysler exporta muitos automóveis para a Argentina. Nesse quadro adverso pode haver problemas comerciais. Aposto nessas duas variáveis: uma piora bilateral e o definhamento do Brasil com o Mercosul são grandes tendências para 2020. Precisamos também ter um olhar para a continuidade dessa guerra comercial sino-americana. Se seguir, ela irá contribuir para o retrocesso da economia mundial. Outra tendência para manter o olho em 2020 é observar o impacto nos países europeus diante da possível saída do Reino Unido da União Europeia. Qual o impacto econômico do Brexit? E como os 27 países membros da União Europeia irão reagir a esse doloroso e dramático processo. Outro fator importante é como se comportará a Europa frente a iminente precarização do Mercosul. Pois há um risco no histórico acordo Mercosul-União Europeia, já com manifestações de alguns países contrários ao governo Bolsonaro.
No cenário nacional, como você avalia o primeiro ano de gestão de Bolsonaro? Na sua análise, quais os principais temas que deverão tomar a agenda nacional em 2020?
Um fato importante da agenda domestica é o ano eleitoral. Será primeiro grande termômetro, um teste de fogo da gestão Bolsonaro. O enraizamento municipal da guinada que aconteceu com a direita acontecerá neste ano? O PSL terá força para mobilizar grande massa de eleitos ano que vem? Nessa fratura da direita, Bolsonaro continua regendo os rumos? Será muito importante para esse termômetro a performance econômica. É preciso atingir desempenho econômico: melhoria na manutenção da inflação e dos juros baixos, Ibovespa bombando, risco pais mais baixo, mas o desemprego é outro teste de fogo para Bolsonaro. Se a economia crescer e o desemprego reduzir e atingir um dígito, haverá a tendência de uma melhor aceitação ao governo.