Thor Neukranz: "O cinema é coletivo, e começar com o que se tem é essencial" - Revista Algomais - a revista de Pernambuco
Thor Neukranz: "O cinema é coletivo, e começar com o que se tem é essencial"

Rafael Dantas

Cineasta pernambucano fala sobre sua trajetória, a importância dos cineclubes e como a produção independente pode alcançar o mundo.

O cineasta pernambucano Thor Neukranz, formado há pouco tempo na Graduação em Cinema pela UFPE, está construindo sua jornada no cinema de forma independente, apostando na formação contínua e na força do coletivo. Desde os primeiros experimentos audiovisuais até a criação do cineclube “Encontros do Cinema Pernambucano”, ele tem se dedicado à valorização do cinema local e à ampliação do acesso a produções independentes. Seu documentário Elos da Matriarca (2021), produzido com recursos mínimos, circulou internacionalmente e reforçou sua crença de que o olhar singular do artista é mais importante do que a perfeição técnica.

Nessa curta trajetória profissional, o seu documentário Elos da Matriarca fez um percurso de exibições em vários festivais, alcançando reconhecimento dentro e fora do Brasil. A obra foi exibida em eventos internacionais como o Festival Brésil en Mouvements, em Paris, o First Nations Film and Video Festival, em Chicago, e o Squish Movie Camp, em Roterdã, onde Thor Neukranz esteve presente. Além disso, integrou a programação do Lift-Off Global Network, na Inglaterra, e do Paus Premieres Festival, em Manchester. No Brasil, participou do Encontros do Cinema Negro, o mais importante festival dedicado à temática no país. A qualidade do trabalho foi reconhecida com prêmios como Melhor Montagem na III JED – Jornada de Estudos do Documentário, no Recife, além de menções honrosas no MOV Festival, também na capital pernambucana, e no Student World Impact Film Festival, nos Estados Unidos.

Nesta entrevista, Neukranz compartilha sua experiência no setor audiovisual, a importância dos cineclubes como espaços de aprendizado e troca, e os desafios de manter um projeto cultural ativo. Ele também reflete sobre as oportunidades que o cinema pernambucano tem conquistado e dá conselhos para quem deseja ingressar na área.

Como foi a sua experiência de formação para o setor de cinema aqui no Recife e seus primeiros passos no audiovisual?

Ao decidir fazer cinema, em 2014, busquei cursos de formação na área e encontrei muitos gratuitos. Além dos aprendizados nas aulas, a rede de contatos desenvolvida com professores e colegas foi essencial, afinal o cinema é uma arte coletiva. Para quem quer começar na área, é preciso estar atento e buscar as oportunidades dentro e fora da internet. Mas que não aguarde por isso para produzir. O perfeccionismo pode ser o maior inimigo. Com um celular já se pode começar. Talvez no próprio bairro haja um grupo cultural antigo, um ancião histórico ou uma jovem artista talentosa que tem uma história inspiradora. Um documentário assim pode ser uma peça importante na construção da nossa identidade e na preservação da memória, por exemplo. É fundamental também desenvolver o seu próprio olhar e não só reproduzir o que já estamos saturados de ver.

Fiz um documentário sobre a minha avó com imagens de arquivo e, durante a pandemia, filmei ela com o meu celular, sem equipe nem acessórios como tripé ou microfone. Não é o ideal, mas funcionou. Elos da Matriarca (2021) foi o meu TCC no curso de Cinema & Audiovisual na UFPE e circulou em diversos países. Há uma cena de um vídeo vertical que meu primo mandou para o grupo do Whatsapp da família. Eu jamais faria isso antes do curso de Cinema, quebrei essa visão dogmática nas aulas. Adorei ver aquele vídeo de baixa resolução - mas essencial na narrativa - nas telas do cinema. Emociona o público e prova que a qualidade técnica não é o que mais importa. Após as exibições conversei com pessoas de outros países e me tocou como o ponto de vista de culturas diferentes me fez ver outras camadas e detalhes que nunca havia pensado sobre meu trabalho, minha vó e até o meu país. A experiência também deixou claro que a nossa arte, mesmo a de baixo orçamento, quando bem feita, é bem-vinda e valorizada pelo mundo.

Qual a importância do movimento cineclubista aqui no Estado?

O movimento cineclubista existe em Pernambuco desde a década de 1940. Tivemos muitos cineclubes que foram espaços de desenvolvimento para gerações de realizadores, como o “Jurando Vingar” e o “Barra Vento”. Comecei a fazer parte do cineclube “THCine” em 2014 trabalhando na produção e curadoria. Os filmes assistidos e os debates com pesquisadores nas sessões ao longo dos anos foram parte da minha formação. Depois tive a experiência circulando em festivais com meus filmes, sempre observando atentamente aspectos como a recepção aos cineastas, a apresentação e a proposta curatorial de cada um.

Foi dessa experiência que nasceu o projeto Encontros do Cinema Pernambucano?

Com a bagagem neste cineclube, aumentou o desejo de colocar em prática uma velha ideia: um cineclube focado em curtas independentes e pernambucanos. Toda sessão com a presença dos autores das obras para um debate franco e direto com o público. Com o conceito nasceu o “Encontros do Cinema Pernambucano” em parceria com o Bar Super 8, a casa do projeto independente.

Desde 2 de janeiro de 2024 já foram mais de 135 sessões com centenas de obras e convidados como Gabriel Mascaro, Katia Mesel, Cláudio Assis e Adelina Pontual. Apresentei e fiz a curadoria da maioria das sessões, sempre levando em conta a diversidade das pessoas convidadas, abrindo espaço para cineastas sem espaço, seja das periferias, dos quilombos ou das comunidades indígenas, mas também de realizadores de destaque no cinema pernambucano. A equipe, que começou só comigo, Vinícius Costa e Gabriela Esposito, casal sócio do Super 8, hoje conta com outros profissionais que se somaram de forma espontânea.

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Encontros do Cinema Pernambucano, em sessão com a presença de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso

Wandryu Figuerêdo é estudante de Cinema da UFPE e produtor das nossas sessões. JP Seixas participa registrando em fotos e vídeos. O designer Saulo Rodrigues faz nossas artes de divulgação mesmo vivendo em Aracajú-SE. O jornalista Marcus Iglesias conhece o bar desde o início e passou a colaborar como assessor de imprensa no projeto, assim como o projecionista Silas Alexandre, que se tornou parceiro estratético no planejamento da programação e registros. Malu Sá é atriz e vive na Inglaterra, ela apresentou a nossa sessão na Embaixada do Brasil em Londres e também duas vezes em Recife quando esteve de volta das férias. O realizador Leo Leite fez apresentação de diversas sessões, inclusive a da premiação do Oscar. Tamy de Paula foi outra profissional que somou na função. Em busca de financiamento para o projeto em editais, temos outro estudante de cinema especilista em produção executiva: Tiago de Lima.

Como tem sido essa experiência? Você destacaria alguma história especial do fortalecimento desse projeto?

Uma das histórias mais curiosas foi a chegada do comunicador Wesley Augusto ao grupo. Ele viu uma sessão de longe e depois veio falar comigo. “Posso falar contigo uma coisa?”, eu achei que ele iria reclamar e na verdade ele queria participar. Viu e curtiu o projeto, falou do seu desejo de somar forças para aumentar o alcance da nossa ideia com fotos, vídeos e um trabalho dedicado nas redes sociais. Era junho de 2024 e de lá pra cá ganhamos milhares de seguidores e alguns dos vídeos que Wesley produziu têm dezenas de milhares de visualizações. Sócio do comunicador em outros empreendimentos, o administrador Renan Costa se juntou ao time recentemente. O ator pernambucano Lula Terra é um conselheiro de luxo do nosso projeto, trazendo críticas construtivas e elogios pertinentes. Ele também trabalhou como ator em uma das primeiras obras audiovisuais realizadas pelo nosso grupo e que deve ser lançada em breve.

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Sessão da Soparia com Roger e José Teles

As centenas de sessões que realizamos com obras pernambucanas ofereceram um panorama do que está sendo produzido no nosso território. Além de documentários e ficções, muitas obras experimentais, videodanças e videoclipes foram exibidos com seus autores, sejam jovens desconhecidos ou profissionais experientes e premiados. O fato de ser exibido na rua e de forma gratuita se torna mais convidativo. Os debates são constantemente quentes, dinâmicos e multidisciplinares, pois a plateia se sente mais à vontade do que em uma universidade ou cinema de shopping. Fred 04, Cida Pedrosa, Hilton Lacerda e Brenda Lígia são personalidades que frequentemente participam com comentários.

Mesmo estando no começo da carreira, que dicas você daria para quem está pensando em trilhar uma carreira no setor audiovisual pernambucano?

Para quem busca seguir o caminho do cinema, é necessário aprender um pouco sobre cada parte da produção, ainda que foque a carreira em uma específica A assim entender o que é o som ou a luz bem feita ou mal feita no filme, por exemplo. A visão ampla também deve ser seguida para as oportunidades profissionais, buscando dentro e fora das redes, especialmente no diálogo direto com pessoas da área. É preferível ter um leque de habilidades para colaborar com projetos audiovisuais nas funções necessárias.

Pernambuco tem se destacado no cenário em um momento em que o Cinema Brasileiro está em evidência comprovando que pode ser uma excelente ferramenta de reflexão, conscientização até transformação. Atualmente faço a curadoria de um projeto em Bruxelas e vejo várias pontes culturais possíveis com outros países. Sei que há dezenas de festivais internacionais com inscrições gratuitas e interessados em curtas brasileiros. Existem também vagas de formação cinematográfica em outros países com bolsas incluídas. O cinema não é um caminho fácil. Quase sempre requer anos de dedicação e desenvolvimento profissional para os primeiros frutos. Mas é possível trilhar esse caminho com empenho, estudo, diálogo e muita prática.

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