*Por Beatriz Braga
Somos o resultado do que ouvimos e vivemos. Hoje tenho cuidado com o que falo na frente de uma criança porque me dei conta, já adulta, da influência do que absorvi na infância.
Quando uma tia aconselhou-me a jamais colocar uma amiga dentro de casa “porque ela vai roubar seu marido”, entendi que mulheres são rivais. Aprendi que “ser bonita” é uma obrigação feminina quando li de um dos meus escritores preferidos da adolescência, Vinícius, um pedido de desculpas às feias. Afinal, “beleza é fundamental”.
Marina Morena, Maria Chiquinha e Amélia me ensinaram que a maquiagem pode irritar o homem, que é proibido sair no mato sozinha e que mulher de verdade não tem vaidade. Você pode dizer que são apenas músicas inocentes, eu digo que é a visão do mundo sobre o papel que ocupamos nele.
Essa semana é mais um ano no qual 8 de março, dia internacional da mulher, significa, para mim, algo muito além de receber parabéns rasos ou de celebrar as lutas passadas que, hoje, nos deram o direito ao voto e a melhores condições de trabalho.
Não me tornei feminista por moda ou questão estética.
Tornei-me feminista porque vi necessidade. Porque estou cansada de enxugar lágrimas de mulheres causadas por homens que se acham donos dos seus corpos e suas liberdades. Ou porque passei a vida ouvindo histórias de mulheres brilhantes que não ganham salários justos, que são diminuídas, mortas, estranguladas por conta de seu gênero.
Tornei-me feminista porque aprendi a ser consciente dos meus privilégios, enquanto branca e classe média, e o movimento é interseccional. Tornei-me feminista porque, por mais que a bolha em que vivo seja cruel, além dela a situação é pior e é preciso continuar lutando.
Ao crescer, podemos descartar as influências ruins e enxergar, a nossa volta, a força que nos rodeia. No meu caso, havia a minha mãe que, desde que me entendo por gente, repete o mesmo conselho: “jamais dependa de homem nenhum, minha filha”.
Sou feminista, também, porque cansei de ver homens sofrendo por não se encaixarem no mito do macho-alfa. Tornei porque me coloquei, já faz um tempo, a ler muito e ouvir o quanto posso o que outras mulheres – negras, brancas, cis, lésbicas, trans – têm a dizer. E essa tem sido a minha maior revolução pessoal.
Tornei-me feminista ao desconstruir a noção tola de rivalidade, ganhei a beleza da sororidade. Com elas, aprendi que sairemos em florestas infinitas sozinhas, nos pintaremos se assim quisermos, mostraremos nossos corpos se for nossa vontade.
Renunciarei à Amélia de Maro Lago, seguirei com Lya, Simone, Luzilá, Allende, Clarice, Chimmamanda, Margaret, Alice Walker, Virginia, Angela, Nélida, Dickinson e quem mais encontrar pelo caminho.
Continuarei feminista para matar meus próprios machismos de cada dia. Não me sentirei distante das operárias russas que fizeram greve no século passado e que nos deram o 8 de março, porque o feminismo ainda tem uma longa jornada pela frente ao lutar contra os milhares de costumes que fazem da mulher um ser submisso.
A minha tia Benise – uma mulher sábia de cabelos brancos e mente em paz – me ligou, dia desses, para lembrar que o importante – apesar da minha raiva desse mundo torto – é não esquecer de ser feliz. Digo, pois, que justamente por isso seguirei feminista.
Para garantir a minha liberdade em construir meu próprio conceito de plenitude. Que ele não dependa do mercado, do meu corpo ou de um casamento bem sucedido. Que viver seja, até o derradeiro momento, criar uma alma mais livre, a melhor versão de mim mesma. Afinal, tornei-me feminista porque o movimento significa dar à mulher opções e não imposições.
Nesta semana de relembrar as conquistas do passado e a importância das pautas do presente, a todas as mulheres brasileiras e de todo o planeta, as de sutiãs aposentados ou não, as pintadas, as naturais, as donas do lar, as empregadas, as chefes, as com útero ou as que nasceram sem, as mães e as não maternais, meu desejo é um mundo no qual todas possam ser felizes.
E que isto signifique dizer: verdadeiramente donas de suas próprias felicidades.