No Brasil, o futebol é uma grande paixão nacional. Os brasileiros vivem o futebol além da partida, torna-se sócios de seus clubes, adquirem pacotes de televisão para ter direito a todos os jogos, compram produtos dos times de coração, vivem o futebol. O que muita gente ainda fica em dúvida é se torcedor pode ser considerado consumidor e, agora, com a volta dos campeonatos (apesar da torcida à distância), vale o alerta. Segundo o advogado Felipe Menezes, especialista em direito do consumidor, “poucos sabem que o torcedor participa de uma relação de consumo, sendo elo vulnerável de uma relação e detentor de alguns direitos”.
Para o advogado, primeiramente, é importante entender o que é uma relação de consumo. “O Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu artigo 2º, diz que ‘consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’. Já fornecedor é, de acordo com o artigo 3º do CDC, é ‘toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços’”, lembra o especialista em direito do consumidor.
Então, um torcedor que adquire um ingresso para assistir a um jogo de futebol é um consumidor com base no art. 2º do CDC. E quem comercializa os ingressos e realiza o evento (o prestador de serviço) caracteriza-se como fornecedor, com base no art. 3º do mesmo diploma. “Portanto, a partir do momento que um torcedor compra um ingresso, se torna sócio de um clube ou adquire pacote de televisão para acesso a todos os jogos, ele se torna consumidor e tem direitos sobre aquele produto/serviço”, explica o advogado Felipe Menezes, professor das áreas de direito do consumidor e processo civil, além de sócio do escritório Carvalho & Menezes Advogados Associados.
O que diz o Estatuto do Torcedor e a Lei Pelé?
Além do enquadramento do torcedor e da atividade desportiva como um todo, como sendo uma relação de consumo, tutelada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, consta de forma expressa no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/03), em seu artigo 3º, além do artigo 42, parágrafo 3º, da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98): “Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo” e “o espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor”.
Dessa forma, percebe-se que o Estatuto do Torcedor e Lei Pelé trazem ao ordenamento jurídico brasileiro, um conceito de que o consumidor como torcedor vai muito além das pessoas que se dirigem aos jogos. “E se engana quem pensa que a própria definição de consumidor do Estatuto do Torcedor pode reverberar em conflito com as normas do Código de Defesa do Consumidor. Pelo contrário, os direitos existentes no Estatuto do Torcedor não tornam nulos os que existem no CDC e sim ‘adicionam’, sendo uma fonte complementar, em virtude do princípio do diálogo das fontes”, afirma o advogado Felipe Menezes.
E todos os direitos e garantias que perfazem o Código de Defesa do Consumidor também devem ser contemplados aos torcedores, como por exemplo: reconhecimento da vulnerabilidade, direito à informação, controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, mecanismos de solução de conflitos de consumo, coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo, direito à proteção da vida e saúde, direito à educação sobre o consumo, liberdade de escolha e igualdade das contratações, proteção contra publicidade enganosa ou abusiva, proteção contratual, prevenção e reparação de danos, acesso à justiça, inversão do ônus da prova, dentre vários outros, espaçados ao longo do CDC.
“É importante destacar, ainda, os vários segmentos dentro do setor futebolístico, tendo como objetivo principal a sustentação dos clubes, sendo o torcedor o principal elemento para arrecadação”, lembra o especialista em direito do consumidor.
Responsabilidade dos clubes de futebol
A responsabilidade dos fornecedores desses serviços, como se trata de uma relação de consumo, é de natureza objetiva na apuração de eventuais danos ao torcedor, ou seja, independe de culpa, assumindo a responsabilidade pelo risco do negócio. “Aqui, é importante identificar quem são estes fornecedores: tanto os próprios clubes, como as federações respectivas. Além da responsabilidade ser objetiva, ela também será solidária, quando em uma mesma obrigação, há mais de um responsável pelo seu cumprimento”, esclarece Felipe Menezes.
Dessa forma, estamos diante de danos indenizáveis, já que requisitos configuram como “culpa objetiva”, quais sejam o fato, o dano e o nexo de causalidade. “A propósito, toda pessoa jurídica, tenha ou não fins lucrativos, responde pelos danos causados a terceiros, qualquer que seja a sua natureza e os seus fins. Quanto as penalidades, poderão ser administrativas e até judiciais, sem prejuízo de indenizações e reparações aos consumidores lesados”, diz o advogado especialista em direito do consumir.
Segundo Felipe Menezes, infelizmente, as leis não são obedecidas e é possível perceber várias irregularidades. Com base no Estatuto do Torcedor, o advogado elencar uma série de inobservâncias por parte dos clubes e federações do Brasil:
· ingresso numerado e local correspondente (artigo 22);
· instalações para portadores de necessidades especiais (artigo13, parágrafo único);
· seguro saúde, que deve vir expresso no ingresso; um médico e dois enfermeiros para cada 10 mil torcedores presentes à partida (16, III);
· uma ambulância para cada dez mil torcedores presentes à partida (16, IV);
· alimentação e sanitários em perfeitas condições de higiene (28);
· e câmeras no local do evento, dentre várias outras normas, que são visivelmente ignoradas, representando um total descaso com os consumidores dessa modalidade de serviços.
“Dessa forma, reforço que o torcedor é considerado consumidor, apesar do CDC ser bastante ignorado por clubes e entidades desportivas, além do Estado não fiscalizar o cumprimento das normas”, conclui o especialista em direito do consumidor. Ele completa ressaltando que nenhuma das partes reconhece a relação e consumo existente e “o próprio torcedor, enraizado pela cultura do torcedor brasileiro, envelopada pela paixão ao futebol e ao amor ao clube, ignora as irregularidades apontadas, não levando a sério, pois não possuem a intenção de demandar contra o clube que tanto amam”.
Outrossim, mesmo que o consumidor ignore os direitos claramente existentes da relação de consumo presente, o ordenamento jurídico atual brasileiro resguarda de forma inquestionável direitos do consumidor torcedor, tendo, o Poder Judiciário e todos que defendem os direitos do consumidor, aplicar o Estatuto do Torcedor e o próprio CDC em conjunto. “O torcedor precisa se ver como consumidor frente às instituições organizadoras dos eventos e buscar os seus direitos e não aceitarem o descaso a totó tempo”, finaliza o advogado Felipe Menezes.