Aceleração da produção de hidrogênio verde e da geração de energias eólicas e solares representam um horizonte de desafios para Pernambuco. Tema foi discutido na reunião do projeto Pernambuco em Perspectiva, organizada pela Rede Gestão e pela Revista Algomais
*Por Rafael Dantas
O combustível que move o mundo literalmente deve mudar em poucas décadas. Os de origem fóssil devem, enfim, perder o protagonismo para os veículos elétricos. As matrizes eólicas e solares seguem na rota de expansão e captação de investimentos. E nesse novo planeta, menos poluente, o hidrogênio verde é outra matriz que está no horizonte, principalmente da indústria e já arremata projetos bilionários.
Pedro Jatobá, engenheiro eletricista, ex-diretor da Eletrobrás, destacou, na última reunião do projeto Pernambuco em Perspectiva, organizada pela Rede Gestão e pela Algomais, que o Estado tem gargalos importantes a serem vencidos para poder aproveitar as oportunidades da transição energética. No entanto, ele é otimista diante dos potenciais de Pernambuco e, especialmente, da capacidade instalada industrial e da expertise da mão de obra local para atuar no novo contexto energético do planeta.
O especialista afirma que a humanidade vive uma transição de fontes de energia desde que o homem descobriu o fogo. Só que neste momento há alguns aspectos direcionadores que são diferentes. O principal deles é o fato de a preocupação ambiental ter entrado no radar das grandes decisões políticas e econômicas do mundo.
“Enfrentamos o aumento da demanda [de energia], que sempre preocupou a humanidade, porque estamos sempre consumindo mais. Agora, temos fatores como a inovação tecnológica e as mudanças geopolíticas. Esses três aspectos, de alguma maneira, sempre permearam a nossa história. Só que a preocupação ambiental é uma questão nova”, afirmou Jatobá. “A nossa fase atual não é só de expandir para atender a demanda, mas a de substituir a matriz existente. O Século 21 será das energias renováveis”.
A decisão por uma transição que tenha como elemento central a busca por energias renováveis beneficia muito o Brasil, que já é um dos líderes globais na geração por matrizes limpas. Mas não é somente esse fator. Há diferenciais competitivos no Nordeste que podem reposicionar o País e a região em um novo patamar no cenário energético global.
A JANELA DE OPORTUNIDADES LOCAIS
Um relatório recente da Absolar indicou que Pernambuco já tem R$ 4 bilhões investidos só em geração própria de energia solar em telhados, fachadas e pequenos terrenos. Apenas nesse segmento, que não é o maior, já foram gerados 24 mil empregos, segundo os dados da associação. Grandes empresas locais têm apostado também nos painéis solares, inclusive indústrias, para limpar sua matriz energética e conseguir custos mais competitivos. O setor eólico tem levado investimentos bilionários, especialmente para o Sertão pernambucano.
Mas, no radar de oportunidades para atender o mercado global de energias, é o atendimento à demanda de hidrogênio verde que tem mobilizado os investidores. Jatobá destaca que Pernambuco não partiu na frente mas pode ter os melhores projetos. De acordo com o engenheiro, há dois grandes polos mundiais que vão demandar muito a importação de hidrogênio verde ainda nesta década: a Europa e a China. “Os estados membros da União Europeia devem garantir que 42% da demanda industrial de hidrogênio existente seja suprida de forma renovável até 2030, subindo para 60% até 2035”, exemplifica Jatobá. “Até 2050, a demanda total de hidrogênio da China chegará a 83 milhões de toneladas anuais, incluindo 63 milhões de toneladas de hidrogênio verde”, acrescentou o engenheiro.
É para os europeus que os Estados do Nordeste têm uma janela de oportunidade de avançar na internacionalização da economia, conforme o gráfico abaixo da agência Bloomberg. Um estudo da Bloomberg indicou que o Brasil é o país com maior competitividade de atender a demanda de exportação do hidrogênio verde, por ser onde será possível produzir o combustível de forma mais barata.
“O Brasil tem um enorme potencial competitivo a ser explorado. Os recursos naturais existentes para a produção de energias limpas e renováveis permitem produzir excedentes exportáveis para o mercado global de commodities energéticas verdes e obter uma cota relevante no suprimento a essa demanda. O resultado terá impactos positivos na balança comercial bem como atrair investimentos e gerar empregos”, afirmou Jatobá.
O engenheiro explica que a Europa tem a meta de até 2030 introduzir 20 milhões de toneladas de hidrogênio, porém eles têm capacidade de produzir apenas 10 milhões de toneladas. “Com isso, todo mundo está se organizando para atender essa demanda”
PASSOS PARA PERNAMBUCO AVANÇAR NO HIDROGÊNIO VERDE
Para aproveitar essa oportunidade internacional, ele sugere que haja uma posição proativa do Estado para criar um roadmap (um roteiro de ações de desenvolvimento) para promover uma estrutura robusta capaz de atender as demandas vindas dessa virada energética, com uma nova commodity que o Estado tem capacidade de fornecer.
“Pernambuco precisa criar um roadmap para a transição energética estadual, contemplando o hidrogênio verde e seus derivados. As estratégias de transição energética podem sinalizar para produtores e compradores que um estado está organizando seu ambiente propício para receber os segmentos industriais relacionados à transformação do seu setor produtivo”, afirmou Jatobá.
Ele enfatiza que a definição de metas e a elaboração desse roteiro de ações são indicadores da ambição do governo em torno da escala, demanda ou foco da indústria, sendo que os mecanismos de estímulo à demanda interna e à exportação são instrumentos eficazes para consolidar esses novos segmentos.
Se Pernambuco e o Nordeste já se destacam na produção de energias renováveis e da biomassa, o engenheiro entende que o próximo passo fundamental para o Estado entrar nessa cadeia é investir na tecnologia. “Se há geração de eletricidade e biomassa, precisamos investir agora na eletrólise (processo de quebra da molécula da água – H2O –, para separar o hidrogênio do oxigênio) e na hidrogenação para poder gerar essa cadeia do combustível verde. Essa é uma das linhas que acho que Pernambuco deveria investir, pode ser uma forma interessante de potencializar esse processo”.
Há, entretanto, gargalos relevantes a se considerar, como a disponibilidade hídrica, visto que o hidrogênio é gerado a partir da eletrólise. Como a água salgada não é competitiva, pois seria necessário primeiro dessalinizá-la, o especialista indica que os caminhos para o Estado seriam de fazer esse processo com uso de água bruta ou reutilizável.
MERCADO NACIONAL DE VEÍCULOS ELÉTRICOS
Dentro dos esforços globais para reduzir as emissões de carbono, o Brasil tem ainda muitos desafios a vencer. O principal deles é no setor de transportes. Enquanto na geração de eletricidade e na indústria serão necessários esforços, mas já existe uma experiência relevante, a mobilidade do País é ancorada ainda no transporte individual e, principalmente, movido a combustíveis fósseis. “Nosso transporte é rodoviário. Não temos uma distribuição de ferrovias ou outros transportes mais facilmente eletrificados. Essa é a grande dificuldade que temos”, afirmou Jatobá.
Nesse setor, portanto, há no País tanto a demanda de ampliar os esforços para superar a necessidade do modal rodoviário da mobilidade de cargas e pessoas, como de promover uma transição tecnológica para veículos menos poluentes. No mundo todo a opção tem sido primordialmente pela eletrificação das frotas. No Brasil, porém, há uma aposta no desenvolvimento de carros híbridos (movidos à etanol e à eletricidade). A Stellantis, que tem o seu mais moderno parque industrial no País, em Goiana, é uma das gigantes que defende esse caminho.
A eletrificação da frota brasileira tem como um dos principais players a chinesa BYD, instalada na Bahia, que promete popularizar esses veículos no Brasil. Esse processo está contemplado inclusive no programa da NIB (Nova Indústria Brasil), que promete investir na descarbonização e na transição energética sustentável.
Jatobá considera que, dentro desse programa, há um campo de oportunidades para Pernambuco nas pautas da eletromobilidade e das redes elétricas inteligentes. O engenheiro explica que Pernambuco já dispõe de uma indústria forte de produção de baterias (a Baterias Moura, em Belo Jardim) e abriga no Recife um polo de inovação e tecnologias, com destaque para o CESAR.
“Considerando a base industrial existente na produção de baterias e a capacidade de desenvolver inovação baseada na digitalização de processos, o Estado poderá se tornar um grande centro de desenvolvimento de soluções voltadas para a eletrificação do setor de transporte e de adaptação da rede elétrica para suprir a demanda gerada pela eletromobilidade”, disse o engenheiro.
Além de popularizar o acesso aos veículos, que é algo que está no horizonte das fabricantes globais, o Brasil e o Nordeste têm ainda muito a avançar na construção das eletrovias – estruturas viárias que tenham capacidade, ao longo do seu percurso, de recarregar esses veículos, inclusive os caminhões que ainda hoje são minoria. Embora o avanço dessas estruturas de recarga nas cidades esteja acontecendo, ela ainda é muito tímida na interiorização.
BIOREFINARIA DE AGAVE NO HORIZONTE DA BIOMASSA
Se a biomassa já tem uma produção relevante no Estado, além da cana-de-açúcar, há uma nova frente dessa produção no horizonte: o agave. “O Sertão brasileiro deve receber sua primeira biorrefinaria para produção de biocombustíveis em 2024. A usina terá um papel importante no desenvolvimento de uma pesquisa que promete revolucionar o semiárido do País e transformar a realidade socioeconômica de uma região marcada pela escassez de recursos”, anuncia Jatobá.
O projeto Brave (sigla em inglês para Desenvolvimento do Agave Brasileiro), encabeçado pela Shell, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Senai Cimatec, estuda o potencial energético do agave para a geração de energia como biomassa. Enquanto a área de plantio da cana-de-açúcar é de 8 milhões de hectares, o agave pode ser cultivado em 84 milhões de hectares do território do semiárido brasileiro, segundo o especialista. Em outras palavras, há um potencial de multiplicar por 10 a área produtiva.
PREOCUPAÇÕES NO CAMINHO DA TRANSIÇÃO
No que diz respeito às perspectivas globais de transição energética, Jatobá pontua três questões fundamentais. A primeira é dissociar o crescimento econômico do consumo energético, particularmente nas economias emergentes. Isso significa ancorar o avanço da economia em novos processos capazes de reduzir o consumo dessas energias ou combustíveis.
A segunda, diretamente relacionada, é integrar as inovações tecnológicas disruptivas para melhorar a eficiência e a sustentabilidade. As cidades ou países com polos de desenvolvimento tecnológico e de inovação saem na frente para oferecer produtos e serviços também capazes de atender as necessidades do Planeta em transição energética.
Uma terceira oportunidade é desenvolver uma abordagem de equidade e justiça na transição energética. “Isso é uma coisa nova, que começa a ser aprofundada, que é identificar os impactos sociais de toda essa transformação à qual estão sendo submetidos os consumidores”, mencionou o engenheiro. A produção de energia, o acesso e o custo que chega ao consumidor final apresentam desafios sociais relevantes no Brasil e no mundo, que apenas começam a ser combatidos.
Essas preocupações estão alinhadas com os debates do projeto Pernambuco em Perspectiva, que discute a necessidade de planejamento de longo prazo para o Estado, com projetos estruturadores que promovam o desenvolvimento econômico com justiça social. A pauta das energias renováveis, em especial, tem um caráter estratégico local, pois pode beneficiar diretamente algumas das regiões historicamente menos desenvolvidas no Sertão e no Agreste.
A mudança global no setor está acelerada. Algumas possibilidades nacionais, como a instituição do programa Nova Indústria Brasil, estão colocadas. O Estado tem potencial para se destacar na reindustrialização do País durante a transição energética, devido à disponibilidade de energia renovável, ao histórico na produção de biocombustíveis e à capacidade de inovação de suas instituições de pesquisa e universidades. Mas existe um relógio contando os minutos para que esse ciclo de oportunidade seja aproveitado. Os próximos meses e anos são fundamentais para abraçá-lo.
*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)