*Colaboração especial de Caio Mateus Pessoa
Flávio Rangel Tadeu Lira, mais conhecido como Flaviola, nasceu em 10 de dezembro de 1952 no Recife e morreu com Covid-19 em 12 de junho de 2021, no Hospital Português. Ele era símbolo de uma geração que representava a liberdade, diversidade e uma música que transcendia além do tempo.
Flaviola começou sua carreira no início dos anos 70 com o coletivo Laboratório de Sons Estranhos e produzindo trilhas de teatro. Já em 1972, junto ao grupo Nuvem 33 se apresenta na Feira Experimental de Nova Jerusalém, Agreste de Pernambuco. Posteriormente em 1974, Flávio Lira lança seu primeiro disco “Flaviola e o Bando do Sol”, gravado no estúdio da Rozenblit e com artistas da psicodelia recifense como: Lula Côrtes, Paulo Raphael, Zé da Flauta e Robertinho do Recife.
Lailson de Holanda, multiartista e parceiro musical de Flaviola nos falou como se conheceram e a arte dele. “Conheci Flávio na “Feira Experimental” e ali foi o marco zero da psicodelia pernambucana. Ele tinha em sua arte simultaneamente a contestação e o lirismo. Flaviola sofria bastante preconceito e foi o primeiro artista a assumir a sua homossexualidade. A nossa música era libertária e não pedíamos licença para poder fazer”.
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Portanto, este disco marca sua carreira e a cena pernambucana do rock pelo estilo experimental e inovador. A obra é inspirada em poemas de Frederico Garcia Lorca, Henriqueta Lisboa, Vladimir Maiakovski e até musicou um trecho de Hamlet, do escritor inglês William Shakespeare.
“Eu tinha 19 anos quando conheci Flávio Lira. Foi em Olinda, na casa de um amigo meu... e assisti um show dele no Sesc e Flaviola representava a beleza em todos os sentidos: poético, musical, artístico, estético e performance”, lembra o cantor e fã Cassio Sette.
Outro admirador da música de Flaviola é Fábio Cabral, dono da Passadisco. "Eu conheci Flávio uns quatro anos atrás quando ele veio na minha loja e juntou os colegas dele da década de 70 e participaram da audição de Júlio Ferraz, a partir daí ficamos colegas um do outro. Para mim, o trabalho de Flaviola foi fundamental para a minha formação musical, pois produziu seu primeiro disco com grandes nomes da música pernambucana como Lula Côrtes e Zé da Flauta. Como não havia muita divulgação naquele tempo, só vim conhecer em 79 as canções de Flaviola no LP ‘Asas da América de Carlos Fernando’”.
Flaviola passou anos morando no Rio de Janeiro e ficando por muito tempo sem aparecer em eventos e na mídia, mas a sua redescoberta sucedeu com o relançamento em 2011 do LP e CD “Flaviola e Bando do Sol”, pela Mr. Bongo Records, também incluindo algumas faixas no “Psychedelic Pernambuco”. O álbum reúne grandes nomes do gênero, também do mesmo ano. “Flávio Lira ficou muito tempo desaparecido na cena musical e sem ter produzido algum novo trabalho, mas foi redescoberto pelos novos nomes da música de Pernambuco e lançou o Ex-Tudo, em 2020, com D’mingus e nem teve direito a fazer um lançamento. Até pensávamos em fazer uma tarde de autógrafos na Passadico, mas aconteceu a pandemia e nada foi realizado”, comenta Fábio Cabral sobre o ressurgimento de Flaviola.
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“Até então ninguém sabia onde estava Flaviola e o que tinha acontecido com ele, até pensaram que tinha morrido, mas na verade ele estava vivo e morando no Rio de Janeiro. Lá, tive uma apresentação na Galeria Olídio e depois dela nos encontramos e o vi com seu olhar eterno e inconfundível e perguntei ‘você é Flaviola ?. Flávio só fez um gesto, nos abraçamos, tiramos uma foto e isto foi o marco zero do retorno dele” conta o amigo e músico Juvenil Silva como se conheceram.
Flaviola fez uma apresentação em 2015 no Abril Pro Rock onde tocou junto com Juvenil e vários integrantes do LP Flaviola e o Bando do Sol. “ Lembro que na época ele não queria participar, mas eu consegui convencer ele, Flávio me disse ‘ Juvenil, com você vou até o fim do mundo’. Neste show de ressurgimento teve a presença de: Paulo Raphael, Zé da Flauta, foi um ‘novo Bando do Sol”.
Flaviola antes de falecer deixou um “testamento”, o CD Ex-Tudo. Lançado em 2020 nas plataformas digitais, produzido por D’mingus e Juvenil Silva na guitarra.
“Tá tudo tão vazio e mudo – parafraseando com a música Desespero. No fim do telefonema, longo, mas não tanto como de costume, eu disse para ele não subestimar o vírus, pra se cuidar e que sim que ele ia saísse dessa, a gente ia poder fazer as coisas que estávamos sonhando fazer. Ele confirmou que sim e se despediu com emocionada declaração de sempre: Te amo, meu amigo. Coisa tão rara entre as amizades de um homem para outro e uma das tantas coisas bonitas que ele me ensinou”. Esta foi uma das últimas palavras de Flaviola com seu amigo Juvenil Silva.