*Por Beatriz Braga
Existe um hábito comum no meu grupo de amigas: aquela conversa de sempre sobre as loucuras que vivemos em relacionamentos passados. Poderia dar um livro dividido em duas partes: a comédia, na qual rimos das situações bizarras que ficaram para trás, e o drama, sobre aquelas que ainda estão presas em relacionamentos destruidores.
“Eu queria que você fosse virgem”. Foi o que o namorado de uma mulher que eu conheço suspirou ao seu lado. Um outro disse assim: “meu sonho é que você morasse numa bolha”. Rimos meio nervosas dessas frases que, na verdade, são o exemplo perfeito da “mulher-propriedade” que aprendemos a ser desde cedo.
Não é preciso ser mulher heterossexual para viver um relacionamento nocivo. Mas eu falo de algo que vejo com uma frequência que beira ao desespero: mulheres constantemente presas a homens manipuladores e abusivos.
Sabe aquele momento que o cara reclama da roupa, da bebida, do jeito que você falou com um amigo ou da sua simpatia sem sentido? E você começa a se questionar se realmente não deve ter exagerado, falado demais ou feito demais? Toda nossa vida somos levadas a nos submetermos a essas situações e nos declararmos culpadas.
A verdade é que tudo que nos ensinam sobre relacionamentos está errado. A começar pelo o ideal do casamento cultivado desde cedo na vida das garotas. Não é à toa que passei vários recreios no colégio brincando de acertar a idade que iria me casar, enquanto, não muito longe, os meninos se preocupavam com nada mais que suas bolas de gude.
A fórmula do casamento que conhecemos é nociva. Basta ver as pequenas tradições. A coisa mais de mal gosto que existe é quando, antes da noiva entrar na igreja, uma criança toda pomposa traz a placa com a frase “não foge não, ela está linda” direcionada ao noivo. Afinal, o “coitado” foi “arrastado” até ali. Ou pior: aquelas miniaturas que se coloca em cima do bolo, nas quais a mulher puxa o homem por uma corda amarrada ao pescoço.
Depois de passar a vida toda ouvindo que “o grande dia” das nossas vidas é o que dizemos “sim” para um homem ajoelhado, a expectativa de fazer o relacionamento dar certo é toda voltada à mulher. Primeiro, temos que esperar ansiosamente pelo pedido. Depois, somos metralhadas com tutoriais de como ser a melhor mãe, esposa, dona de casa e ainda ser sexy e poderosa.
Eu já ouvi várias vezes, inclusive de jovens, que se eu não pressionar meu namorado a gente nunca vai casar. O mundo sempre assume que eu estou louca para ganhar uma aliança, enquanto ele vai adiar o compromisso até onde puder.
No momento em que damos uma importância extraordinária ao casamento como o grande objetivo da vida de uma mulher e ensinamos que o sucesso de uma união é sua responsabilidade, estamos sublimando que elas também devem ser resilientes em relações mal sucedidas.
Minhas amigas que não conseguem se desfazer de relações abusivas têm medo de ficar só; sentimento de culpa diante do fracasso; a sensação de que ninguém além daquele homem vai entendê-la, aguentá-la, suportá-la. E, no pior dos casos, esperam que alguém as salve. Muitas mulheres ainda acham que só quem vai poder tirá-las dali é um outro homem, tal qual o príncipe encantado no cavalo branco.
Apesar de ainda enxergar ao meu redor tantos relacionamentos problemáticos, acredito que um novo capítulo esteja sendo escrito naquele livro lá de cima. Quando conseguimos nos desfazer dessas relações, elas viram conteúdo para algo nunca visto em tutorial de revista feminina: o que não devemos querer.
Eu agradeço aos casos abusivos do passado porque consigo ver, agora, que o que tenho na minha relação atual é exatamente o contrário. Foi, também depois de me livrar deles, que descobri o quanto era importante e delicioso estar bem e feliz sozinha.
Vejo as pessoas criticando a quantidade de casais se separando atualmente, parece que o número está crescendo. Se fala que os jovens não têm mais paciência para tolerar um casamento. Eu vejo por outro lado: será que as pessoas estão com menos paciência para relações infelizes? Torço para que cada vez mais mulheres sigam esse caminho.
Hoje, toda vez que alguém vem me falar que eu preciso pressionar meu namorado a alguma coisa, eu queria explicar que meu relacionamento é construído em dupla. Que, dentro dele, temos desconstruído os ensinamentos tortos que ganhamos ao longo da vida. Não existe corda no pescoço, nem anel do dedo - quem sabe, um dia, se os dois quiserem.
Muito mais importante é que há, sim, respeito, parceria e igualdade. Ou, pelo menos, a busca incessante por esse tripé. As responsabilidades e as frustrações são divididas. O machismo, por sinal, é pauta quase todo dia e só vai deixar de ser quando nos livrarmos dele por completo – tanto ele, como eu também- se é que isso é possível.
Reinventar tudo que aprendemos e ter coragem para ir em busca de algo muito melhor. Quem sabe será essa nossa grande revolução.