*Paulo Caldas
Walther Moreira Santos, no seu “0 metal de que somos feitos” – Companhia Editora de Pernambuco-(Cepe) 2013, demonstra o domínio na arte de escrever. No conto “Herança”, por exemplo, passa ao leitor agruras de uma guerra revelada no clamor dos oprimidos, sem contudo esmaecer o culto e a coragem de um povo digno e autêntico. A rigor, no entanto, reside na criatividade a virtude de sua escrita, o que por certo motivou a conquista dos prêmios Pernambuco e São Paulo de Literatura e ser finalista do cobiçado Portugal – Telecom.
Neste livro, a narrativa se mostra madura, própria de quem conhece os labirintos da prosa ficcional. Em diversos trechos o autor sobrepõe as vozes (narrador e personagem) manuseando com perícia o artifício da falsa terceira pessoa. Mesmo que, embora eventualmente, busque refúgio em pronomes e marcações na identificação dos diálogos, esse pecado venial foge à retina do leitor envolvido pela sedução das cenas.
O autor abraça a beleza estética quando forja, no capricho, sua poética com imagens marcantes, vindas da concepção de símiles e metáforas bem encaixadas: “a pobreza é uma ratazana suja que ninguém quer como companhia”, ou quando constrói esta alegoria: “nem sempre a culpa é um rochedo que surge inteiriço do nada e em cima da pessoa vai esmagando-a aos poucos até que não possa respirar. Às vezes a culpa é uma areia fina que aparece calada e mansamente vai se acumulando sem a pessoa perceber até que esteja completamente enterrada numa duna”.
Dentre tantas outras virtudes do livro, a dinâmica narrativa é consolidada pelo apego aos detalhes certificadores e se acentua ao ritmo de aventura vivenciado no conto (quase novela) “Campo semeado em tempo morto”, passado na cidade imaginária de Alto Paraíso, com destaque para a montagem dos personagens Max, Ernesto, Cassandra e Dona Olga, que fogem pela contramão do meramente convencional. Nesses trechos, particularmente elogiáveis, concebeu esmeradas metáforas: ” a doçura do piano de Dona Olga”, “a dor de Seu Júlio transbordava da biblioteca”, “a presença de sua ausência nos dava nós na garganta” e “silêncios amontoados pelos cantos”.
Não obstante os cinco anos de lançado, vale a pena uma busca pelo livro nas plataformas de venda da editora.
*Escritor