Qualificação da mão de obra, aumento da arrecadação, do emprego formal e das exportações estão entre os resultados da instalação da Stellantis na região de Goiana. A montadora planeja ainda investir R$ 13 bilhões até 2030. A logística continua sendo um gargalo para a competitividade do polo.
*Por Rafael Dantas
No solo onde floresceram séculos de atividade canavieira, há uma década iniciou-se a produção de automóveis. Esse novo ciclo produtivo passou a integrar a economia tradicional de Goiana e das cidades vizinhas a uma cadeia global da indústria automotiva com a chegada da Stellantis. Entre equipamentos de ponta e engrenagens, brotaram desse empreendimento milhares de empregos formais e um novo horizonte para a indústria pernambucana. Com R$ 13 bilhões para o novo ciclo de investimentos, os próximos anos prometem o aprofundamento dessas transformações no território.
A corporação emprega atualmente 4,3 mil pessoas. Esse número refere-se apenas aos empregos diretos. Nessa primeira década de operação, o crescimento da empregabilidade foi de 70,2% na fábrica. A maioria desse quadro é composto por mão de obra local.

Um dos pernambucanos que aproveitou o surgimento do polo para desenvolver sua vida laboral foi Evson Júnior, 33 anos. Natural da cidade de Paulista, ele ingressou na empresa em dezembro de 2014 como auxiliar logístico. Ao longo desse período, percorreu uma jornada que une crescimento profissional, realização pessoal e formação acadêmica. “Hoje, ao olhar para minha trajetória – cheguei praticamente com zero formação e vindo de uma família muito simples – vejo como é gratificante ter conseguido chegar à coordenação de uma equipe com mais de 50 pessoas em uma das maiores montadoras do mundo”, afirma Evson.
Filho de um barbeiro e de uma funcionária de uma ótica, ele transformou esforço e dedicação em conquistas profissionais de destaque. Na Stellantis, Evson passou por cargos operacionais, tornou-se analista e hoje é coordenador de logística. Nesse percurso, formou-se em engenharia de produção, graças, em parte, aos incentivos de desenvolvimento da empresa. “Os treinamentos internos despertaram em mim o interesse pela engenharia. Fui treinado por engenheiros experientes, que me mostraram que o conhecimento técnico pode transformar vidas”.
O desenvolvimento de pessoas da região é uma das prioridades da empresa no seu processo de consolidação local, segundo Emanuele Cappellano, presidente da Stellantis para a América do Sul. “O desenvolvimento das pessoas é um dos pilares centrais da nossa estratégia de longo prazo. Valorizamos nossos talentos internos e promovemos a formação contínua dos colaboradores, com foco na qualificação técnica, no crescimento profissional e na construção de uma cultura forte e integrada ao território onde atuamos. No Polo Automotivo de Goiana, temos o compromisso de fortalecer a identidade regional do time”. Na prática, esse objetivo é concretizado com programas, como o Rocket (de aceleração de carreira para desenvolver futuros líderes), o Plural Mentoring (de mentoria interna para o compartilhamento de experiências e conhecimentos) e o Corporate Leadership Development Program (a iniciativa global de desenvolvimento de liderança do grupo).
Além da formação acadêmica e do desenvolvimento pessoal, Evson também construiu uma história de amor na montadora ao se casar com a colega de trabalho Betânia Rodrigues, natural de Goiana. Ele destaca que o emprego trouxe não só crescimento profissional mas, também, bem-estar, graças ao equilíbrio entre as responsabilidades da carreira e o tempo dedicado à família. Motivado pelas conquistas, ele ainda mantém planos de crescer dentro da empresa.

Nascido em Paulista, Evson Júnior ingressou na Stellantis como auxiliar logístico, tornou-se analista e hoje é coordenador de logística. Na montadora também construiu uma história de amor ao se casar com a colega de trabalho Betânia Rodrigues.
A história de Evson se soma à de milhares de outros trabalhadores diretos da Stellantis, mas o impacto do Polo Automotivo é bem mais amplo. Considerando toda a cadeia produtiva, incluindo os sistemistas, o complexo responde por 18,2 mil empregos – número superior ao da população de muitas cidades pernambucanas.
O impacto do polo na economia local também pode ser medido pelos dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2014, os empregos ligados diretamente ao Polo Automotivo representavam 12,9% dos postos formais em Goiana. Dez anos depois, esse percentual saltou para aproximadamente 43,8%, evidenciando a transformação profunda gerada pela cadeia automotiva na cidade.
“Os números são bem expressivos e evidenciam como o Polo Automotivo de Goiana aumentou o dinamismo do mercado de trabalho formal, reduzindo o desemprego e a informalidade na composição da população economicamente ativa. Além disso, este impacto não ocorreu apenas no Polo Automotivo e entorno mas, também, nos demais municípios onde se instalaram os fornecedores e suas respectivas áreas de influência”, destacou o estudo publicado pela Ceplan, que teve a coordenação do economista Jorge Jatobá.
Apenas entre os empregados da Stellantis, a pesquisa revelou que 19,5% residem em Goiana. A maioria das vagas, no entanto, é ocupada por pessoas vindas de cidades vizinhas, como Igarassu (15,9%) e Paulista (15,3%). Até mesmo localidades mais distantes contribuem com trabalhadores para a fábrica, como as capitais Recife (8%) e João Pessoa (4,2%), ambas situadas a cerca de 65 km.

NOVO CICLO DE INVESTIMENTOS
Se o impacto da fábrica já é expressivo, o novo ciclo de investimentos da Stellantis aponta para um futuro ainda mais promissor. Com os R$ 13 bilhões anunciados recentemente, a empresa inicia uma nova etapa estratégica, segundo Cappellano. Um momento que inclui a renovação do portfólio de produtos, o desenvolvimento de tecnologias nacionais e o fortalecimento da cadeia local de fornecedores. Esse movimento deve impulsionar ainda mais a geração de empregos e a inovação industrial.

“Recentemente, durante a comemoração dos 10 anos do polo, foram confirmadas duas grandes novidades que integram esse novo ciclo: a chegada de uma nova marca ao portfólio da planta e o lançamento de seis novos modelos até 2030, incluindo o primeiro veículo equipado com a tecnologia Bio-Hybrid produzido em Goiana, a partir de 2026. Com isso, aceleramos rumo a um futuro promissor com novas marcas, produtos, e tecnologias híbridas”, afirmou o executivo. Essa tecnologia se refere a um motor de motopropulsão híbrida, desenvolvido pela empresa, que combina energia térmica flex e eletrificação.

Com R$ 13 bilhões de investimentos anunciados, a empresa, segundo Emanuele Cappellano, vai lançar uma nova marca, além de seis novos modelos até 2030, incluindo o primeiro veículo equipado com a tecnologia Bio-Hybrid produzido em Goiana. (Foto: Leo Lara)
Esse novo ciclo deve impulsionar ainda mais a atração de novas empresas para integrar o Polo Automotivo de Pernambuco. O número de fornecedores locais, que em 2015 era de 22 corporações, subiu em 2025 para 39. “Temos a perspectiva de atingir 100 nos próximos anos. Esse crescimento demonstra o impacto estrutural da Stellantis no território e o compromisso com o desenvolvimento econômico regional de longo prazo”, sinalizou .
Os investimentos da empresa em Goiana representaram um forte impulso no setor industrial do Estado, segundo o presidente da Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco), Bruno Veloso. “A chegada da Stellantis representou uma verdadeira revolução para o desenvolvimento industrial de Pernambuco. Antes da implantação da empresa, o Polo Automotivo praticamente não existia no Estado, e as indústrias locais estavam concentradas em setores como alimentos, metalurgia e têxteis. A presença da montadora trouxe um salto significativo em inovação e modernização tecnológica, fazendo com que fornecedores passassem a investir em processos e produtos alinhados aos padrões internacionais”.
A Baterias Moura, de Belo Jardim, por exemplo, já era fornecedora da Stellantis antes mesmo da chegada da montadora a Pernambuco. Porém, entre 2015 e 2025, a empresa embarcou mais de um milhão de baterias para veículos das marcas Fiat, Jeep e RAM. Esse volume impulsionou tanto o avanço tecnológico quanto a expansão da capacidade industrial da fabricante pernambucana.
“A chegada da Stellantis e a consolidação do Polo Automotivo de Goiana representam um marco para o fortalecimento do ecossistema automotivo brasileiro, com efeitos diretos sobre a cadeia de fornecedores no Nordeste. Esse movimento contribui de maneira decisiva para o avanço da indústria nacional rumo a uma mobilidade mais limpa, conectada e inteligente”, avalia Antônio Júnior, diretor geral da Moura.

Antônio Júnior destaca que a Fiat, do grupo Stellantis, foi a primeira montadora a receber as baterias Moura fabricadas em Belo Jardim, há mais de 45 anos e afirma que estar geograficamente mais próximo ampliou a conexão que já existia.
Ele relembrou que a empresa pernambucana tem uma relação histórica com o grupo Stellantis, pois a Fiat foi a primeira montadora a receber as baterias fabricadas em Belo Jardim, há mais de 45 anos. Antônio Júnior considera que estar geograficamente mais próximo ampliou a conexão que já existia. “O efeito multiplicador dessa parceria também se reflete em investimentos relevantes, como a inauguração de uma nova planta industrial de manufatura de baterias automotivas em 2018 e, mais recentemente, o aporte de R$ 850 milhões em nossa Unidade de Reciclagem e Metais”.
Além desses investimentos diretos na produção, a parceria estratégica entre a multinacional e a empresa pernambucana se consolidou nos investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Segundo o executivo da Baterias Moura, o foco principal acontece na nacionalização de tecnologias para a eletromobilidade e no fortalecimento de uma cadeia de valor preparada para os desafios e oportunidades da nova era dos veículos híbridos e elétricos.
ECONOMIA MAIS INTERNACIONALIZADA
Os números da balança comercial de Pernambuco não negam os efeitos do Polo Automotivo nas exportações do Estado. Entre 2015 e 2024, a empresa comercializou para fora do País 243,98 mil veículos. Um terço deles foram destinados a países da América Latina e Caribe, como Argentina, Chile e México. Apenas em 2024, ao todo foram exportados 37,6 mil veículos (Jeep Commander, Jeep Renegade, Jeep Compass, Ram Rampage e Fiat Toro), um crescimento de 32,4% com relação ao ano anterior. Entre 2015 e 2024 as exportações se multiplicaram por oito, passando de 4,7 para 37,6 mil veículos.
O presidente da Fiepe relembra que antes de 2015, o Estado já possuía um parque industrial diversificado, porém com pouca participação na exportação de produtos manufaturados. Os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em 2014, por exemplo, revelam que o Estado exportou US$ 941,1 milhões, concentrados principalmente em setores tradicionais como alimentos e têxteis.

“Em 2024, as exportações do setor automotivo alcançaram US$ 333,5 milhões, tornando-se o principal produto na balança comercial pernambucana. Atualmente, o setor automotivo responde por mais de 15% das exportações industriais do Estado, ampliando a participação de Pernambuco nas cadeias globais de valor. Isso atraiu sistemistas nacionais e internacionais, criando uma rede robusta de fornecedores que exportam peças e componentes para diversos mercados, fortalecendo a economia local e diversificando as exportações do estado”, avalia Bruno Veloso.

Bruno Veloso ressalta que o setor automotivo ampliou a participação de Pernambuco nas cadeias globais de valor. “Sistemistas criaram uma rede robusta de fornecedores que exportam para diversos mercados, diversificando as exportações”.
Cappellano informou que as exportações de Goiana seguem em ritmo crescente, como um reflexo do fortalecimento da presença internacional da companhia. “Em abril, a planta registrou seu maior volume mensal de embarques desde a inauguração, em 2015, com 7.194 unidades exportadas. No acumulado entre janeiro e abril de 2025, foram 17.479 veículos exportados, o que representa um aumento de 38,8% em relação ao mesmo período de 2024”, exemplificou.
Com o novo ciclo de investimentos em andamento, a expectativa da Stellantis é de que as exportações mantenham trajetória de crescimento. A introdução de novos modelos, a estreia de uma nova marca e a modernização das linhas de produção devem impulsionar a expansão da empresa em mercados estratégicos, especialmente na América Latina.

POLO E O PODER PÚBLICO
Entre 2015 e 2024, o Polo Automotivo de Goiana teve um impacto expressivo nas finanças públicas de Pernambuco, com a arrecadação de ICMS do setor saltando de R$ 197 milhões para R$ 1,074 bilhão (valores corrigidos). A participação do segmento automotivo na arrecadação total do imposto passou de 0,8% para 4% no período, demonstrando um crescimento real de 545%, superior ao de outros setores produtivos, mesmo com a concessão de incentivos fiscais pelo Estado.
Segundo o estudo da Ceplan, entre 2015 e 2023, a instalação do Polo Automotivo provocou uma mudança relevante na composição da receita pública de Goiana, por exemplo, com destaque para a cota-parte do ICMS, que saltou de 14% para 41,3% do total arrecadado, impulsionada pelo aumento do valor fiscal agregado das atividades do setor. Nos municípios da área de influência do polo também houve crescimento da cota-parte do ICMS (de 18,3% para 21,9%), das receitas próprias (de 18,6% para 22,1%) e do FPM (de 23,8% para 40,5%). Números que evidenciam o efeito positivo da cadeia automotiva na arrecadação regional.

Além de dados de arrecadação, Cappellano revelou que a empresa mantém um relacionamento colaborativo com governos, organizações e empresas nas regiões onde atua. “Em Pernambuco, esse compromisso se concretiza por meio de parcerias institucionais voltadas ao desenvolvimento socioeconômico, à qualificação profissional, à inclusão produtiva e ao fortalecimento das cadeias locais. A companhia participa ativamente de iniciativas conjuntas com o poder público, como programas de formação técnica e apoio a políticas de desenvolvimento regional, contribuindo para o fortalecimento da indústria e para a criação de oportunidades sustentáveis”.
GARGALO NA INFRAESTRUTURA
Apesar da história de sucesso, alguns desafios para o avanço da competitividade do Polo Automotivo permanecem, mesmo após uma década de operações. Os maiores obstáculos estão na infraestrutura. Segundo Bruno Veloso, um problema que pode comprometer o potencial de crescimento do setor. “O principal entrave está relacionado à malha rodoviária de acesso, sobretudo nas rodovias PE-065 e BR-101, que apresentam congestionamentos frequentes e manutenção deficiente. Essa situação eleva os custos logísticos em aproximadamente 12%, segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria)”.

Um dado alarmante revelado recentemente é que os custos logísticos da planta de Goiana superam os custos de transformação industrial. “Um dos maiores desafios continua sendo a melhoria do acesso rodoviário ao Porto de Suape. Nesse contexto, a construção do Arco Metropolitano surge como um investimento estratégico e essencial para reduzir o déficit competitivo ainda existente”, destacou o presidente da Fiepe.
A construção do Arco e a ampliação do transporte por cabotagem a partir de Suape são dos dois caminhos sugeridos pelo presidente da Fiepe para permitir que a produção da montadora seja escoada prioritariamente por via marítima, em vez da rodoviária. Uma mudança que contribuiria para a redução dos custos logísticos.

Enquanto o programa BR do Mar parece sinalizar o desenvolvimento desse serviço no País, a concretização do Arco Metropolitano é uma incógnita. Apesar da necessidade de construir uma alternativa às congestionadas rodovias atualmente, o custo ambiental de cortar ao meio a APA Aldeia Beberibe é gigante, estando relacionado à fauna, à flora e ao abastecimento de água da Região Metropolitana do Recife.
Na lista de desafios, Veloso elencou ainda a demanda por melhorias na infraestrutura energética, a ampliação dos serviços de saneamento básico e a expansão do transporte público. “Para superar esses desafios e assegurar a competitividade do polo nos próximos anos, será indispensável investir em parcerias público-privadas e em políticas públicas bem estruturadas”, declarou.
Apesar dos desafios ainda existentes, as perspectivas da empresa para curto e longo prazo são otimistas. Após produzir 233,5 mil veículos em 2024, a expectativa é superar esse volume em 2025, especialmente considerando que o desempenho do primeiro trimestre já registrou um crescimento de 10,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os avanços nos investimentos em pesquisa, aliados à aposta no desenvolvimento de modelos híbridos alinhados aos desafios globais de sustentabilidade, indicam um futuro promissor para a corporação em solo pernambucano.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)