“O desafio é garantir que o Estado olhe para a UPE como um equipamento com potencial enorme” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“O desafio é garantir que o Estado olhe para a UPE como um equipamento com potencial enorme”

Maria do Socorro Mendonça Cavalcanti é a primeira reitora empossada na UPE (Universidade de Pernambuco). Filha de um pai semianalfabeto, que trabalhava nas usinas de cana-de- -açúcar, e de uma mãe que concluiu apenas o ensino primário, sua trajetória estudantil, até o doutorado, e profissional, até o comando da universidade mais capilarizada no Estado, foi marcada por muitos sacrifícios familiares e pessoais.

À frente da universidade em um período de amplos desafios para o ensino superior do País, ela tem a missão de seguir expandindo a atuação da UPE, além de ofertar melhor estrutura nos campi da capital e do interior e aprovar um novo Plano de Cargos e Carreiras. Com a remuneração atual do quadro docente e de técnicos, a instituição tem encontrado dificuldade em fixar os profissionais no seu quadro. Desafios do tamanho de uma universidade que atende 22,6 mil estudantes em programas de graduação e pós-graduação, além de 5,7 mil servidores, entre professores e técnicos, 12 campi e 16 polos de educação a distância.

Inicialmente, gostaria que a senhora contasse a sua trajetória até chegar à universidade.

Sou filha de Leonice Ramos de Mendonça e Mário Lopes de Mendonça. Meu pai era um semianalfabeto e minha mãe concluiu o ensino primário. Mas meu pai sempre investiu muito para que os filhos estudassem. Eu nasci na Usina Jaboatão. Ele, inicialmente, trabalhava na cana, depois no adubo e chegou a trabalhar como caldeireiro na usina. Sou a primeira filha e logo aos 9 anos terminei o primário. Na época, já morávamos na Usina Ipojuca e eu não tinha como continuar os estudos pois só havia o ginásio à noite e não me aceitavam por causa da idade. Fui morar com meus avós na Usina Jaboatão, um pouco mais perto da cidade. Aí, iniciei o ginasial. Mas meu pai sentia muito a minha falta, pediu demissão e conseguiu um emprego numa usina de açúcar no Estado do Ceará, na cidade de Paracuru, que contava com um colégio e fomos morar lá.

E como foi o início no ensino superior?

No colégio da cidade havia apenas o curso normal naquela época, o curso pedagógico. Eu queria fazer faculdade mas meu pai não tinha condições financeiras de me manter em Fortaleza. Ele pediu demissão novamente e voltou para Pernambuco. Foi trabalhar na Usina Salgado, que fica em Ipojuca. Fomos morar na cidade de Nossa Senhora do Ó, comecei a estudar no Cabo de Santo Agostinho para terminar o ginasial. Mas naquela época havia muita enchente e eu não conseguia chegar no colégio. Foi quando o ensino público começou a ter muitas dificuldades, devido à falta de professores.

Meu pai batalhou bastante e conseguimos uma vaga no Ginásio Pernambucano. Aí eu voltei a morar com meus avós na Usina Jaboatão e estudando no Ginásio Pernambucano. Após a minha avó falecer, meu pai comprou uma casa na Vila do Cabo em Cabo de Santo Agostinho e voltei para casa dos meus pais. Naquela época foi inaugurado o Colégio Contato e o diretor convidou alguns alunos para fazer seleção para conseguir bolsa. Não consegui mas meu pai fez um esforço para pagar o cursinho. Eu estudava no Ginásio Pernambucano e saía direto para o Contato. Foi um esforço enorme!

A senhora vem de uma família bem humilde e de onde veio essa ideia de fazer faculdade? Alguém a inspirou?

Primeiro, meu pai e, desde pequena, sempre gostei de estudar. Esqueci de dizer uma coisa: quando fui alfabetizada, meu pai na caldeira já tinha um cargo de chefia e precisava fazer a escala dos trabalhadores. Mas ele não conseguia. Era eu quem fazia e disse para ele: “vou lhe ensinar”. Eu alfabetizei meu pai. Sempre tive o desejo de estudar e ensinar e quando fui crescendo queria fazer universidade. Eu acreditava no que meus pais sempre me diziam: “estudar é a melhor forma de conseguir vencer na vida, de sair dessa situação”. Eles fizeram todos os esforços necessários para que eu e meus irmãos conseguíssemos estudar. Fui a primeira da família a fazer universidade. Sempre quis melhorar a minha condição de vida e a da minha família.

A senhora é a primeira mulher reitora na universidade. Qual a importância desse marco para a universidade?

Esse marco é importante para toda mulher porque elas sempre trabalharam bastante e acho que ocupar esses espaços de liderança é extremamente importante, principalmente neste momento em que a gente vive uma violência tão grande contra as mulheres. Ter mulheres em espaços de liderança só reforça essa luta que todas nós temos contra essa a discriminação e a violência. Acho que é muito importante para todas nós demarcarmos esses espaços e avançarmos nessa conquista para que mais mulheres possam ocupar esses espaços.

Quais os principais desafios que vocês pretendem enfrentar e quais os planos para essa gestão?

A UPE é uma universidade que se interiorizou não de forma muito planejada, com um orçamento que garantisse essa interiorização. Isso trouxe algumas dificuldades para que pudéssemos manter esses cursos funcionando. Não tínhamos prédio próprio em muitos lugares, sendo espaços emprestados ou alugados. Nem sempre tivemos concursos para professores para essas unidades. Então isso foi sendo levado como desafio. O professor Pedro Falcão (o reitor antecessor) foi uma das pessoas que abraçou este desafio.

Ainda há algumas unidades que foram criadas e que ainda não têm sede própria, um dos desafios é construir o campus Palmares. O campus Caruaru, onde foi instalado um dos primeiros cursos do interior, ainda não tem sede própria também. De 2019 e durante a pandemia, a Faculdade de Odontologia foi desativada por questões de infraestrutura e hoje ainda não tem a sua sede. Os alunos estão distribuídos em três espaços: no ITEP, no Oswaldo Cruz e no CISAM. Um dos nossos desafios é conseguir a construção da FOP.

O outro grande desafio é garantir que o Estado olhe para a universidade como um equipamento de governo que tem um potencial enorme. Somos a universidade que está mais capilarizada em Pernambuco. Hoje temos um alcance de chegar em 80 municípios e isso é extremamente importante para o desenvolvimento. Não tem nenhuma outra universidade com essa capilaridade e para garantir uma boa atuação é importante uma discussão com o Governo do Estado para que tenhamos um orçamento que seja discutido com a universidade, que garanta o custeio, os investimentos e que a gente não sofra problema de continuidade.

Passamos um período praticamente sem investimento, quase nada de 2014 até 2020. Foi em 2021 que o orçamento começou a dar condições para que fizéssemos um investimento de maior porte na universidade em 2022. Mas até 2021 foi bem difícil porque os aportes para investimentos, de fato, foram muito pequenos.

Apesar disso, a universidade não deixou de crescer, nem de responder aos desafios. No período da pandemia a nossa extensão cresceu bastante, passamos de 300 a 310 projetos para 800 a 860 projetos e isso é uma resposta da universidade à sociedade. A sociedade precisou da universidade naquele momento e nós fomos capazes de responder.

Ouricuri e Surubim são novos campi que devem ser estruturados?

Ouricuri e Surubim serão implantados agora em 2023. Outro desafio é a implantação não só desses campi, mas também de novos cursos. Neste ano vamos iniciar o curso de terapia ocupacional no Instituto de Biologia, o curso de licenciatura em computação em Nazaré da Mata, o curso de enfermagem em Ouricuri, o curso de engenharia de software em Surubim e engenharia de sistemas em Surubim também. São um grande desafio, não só os dois campi, mas também esses novos cursos.

E um outro desafio é trabalharmos o Plano de Cargos, Carreira e Crescimento dos nossos servidores. Precisamos reestruturar o Plano de Carreiras atual e uma das diretrizes é a isonomia salarial com outros órgãos do Estado, porque os profissionais da UPE têm os menores salários. Realizamos um concurso em 2017, esses profissionais começaram a ser chamados em 2021, mas nós não conseguimos fixá-los em razão dos baixos salários. Esse novo plano já está na Secretaria de Administração. Já era de conhecimento do governo passado e agora queremos que essa discussão caminhe, para conseguirmos ter quadros efetivos na universidade.

Formações nessa área de tecnologia estão na prioridade desses novos planos da universidade?

A nossa preocupação atualmente é: a formação que existe hoje na área de tecnologia é suficiente para atender a demanda que existe no mercado? Esses cursos estão adequados à realidade de trabalho que o mercado precisa hoje? Não queremos apenas abrir cursos que já existem, mas abrir cursos que tragam essa nova perspectiva de formar bem as pessoas, que elas tenham empregabilidade ao sair da universidade.

A gente precisa mudar alguns cursos ou criar outros perfis de formação para atender a demanda que já não é a mesma de alguns anos atrás. A gente tem que estar sintonizado com isso.

*Leia a entrevista completa da edição 202.3: assine.algomais.com

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