Ao longo dessas seis décadas, a Universidade de Pernambuco teve um intenso trabalho de interiorização do ensino superior no Estado e contribuiu para transformar cidades e a vida de jovens que permaneceram nas suas regiões e não precisaram se mudar para a capital para estudar.
*Por Rafael Dantas
A UPE (Universidade de Pernambuco) celebra, nesta semana, seis décadas de histórias, encontros e aprendizados. Nascida em 1965, ainda como Fesp (Fundação de Ensino Superior de Pernambuco), a instituição surgiu com uma missão clara: levar o ensino superior para além da capital e transformar a vida das pessoas no Agreste, no Sertão e na Zona da Mata. Desde o início, começou a formar gerações de profissionais que ampliaram horizontes e mudaram realidades em suas regiões. Outra marca que atravessa sua trajetória é o compromisso com a saúde pública. Da sala de aula aos corredores dos hospitais, a UPE formou profissionais e construiu serviços essenciais, consolidando uma rede que hoje inclui unidades de referência, como o Hospital Universitário Oswaldo Cruz.
Sessenta anos depois, a universidade permanece fiel às suas raízes. Está presente em todas as microrregiões do Estado, mantém viva a vocação de cuidar e ensinar, e segue reunindo pessoas que acreditam no poder transformador da educação e da ciência. “Fizemos um levantamento, a partir das matrículas dos estudantes, dos endereços que eles colocam. Descobrimos nessa pesquisa que a universidade tem estudantes de 100% dos municípios de Pernambuco e ainda de 25 outros estados. Aonde chegamos no Estado tem alguém que, direta ou indiretamente, foi atingido pela universidade, mesmo nos maiores rincões de Pernambuco", comemora o professor Carlos André Silva de Moura, diretor de comunicação da UPE.

Esse alcance só foi possível pela estrutura multicampi construída nessas seis décadas. Hoje, a universidade é a mais capilarizada no Estado com 12 campi. Além disso, mantém 3 unidades de educação e saúde, 4 escolas de aplicação e 16 polos de educação a distância. Uma das grandes unidades da UPE no interior é o Campus Petrolina. Fundada ainda em 1968, a instituição foi fundamental para a formação de mão de obra que ajudou a desenvolver a região, que se destaca no Sertão.
Das licenciaturas inaugurais destinadas a formar professores para a rede pública, nasceu uma instituição que moldou o perfil educacional de municípios de Pernambuco, da Bahia e até do Piauí. “A UPE se confunde com a própria história do Vale do São Francisco. É impossível entrar na rede pública da região e não encontrar profissionais formados pelo Campus Petrolina”, afirmou a diretora do campus, Franciela Monte.
Ao longo dos seus 57 anos, essa vocação inicial se expandiu, incorporando os bacharelados em enfermagem, fisioterapia e nutrição. A professora explica que as redes municipais e estaduais de atenção básica à alta complexidade sentiram diretamente a qualificação trazida pelos profissionais formados. Hoje, o campus reúne cerca de 2.900 estudantes, distribuídos em 12 cursos de graduação presencial e EAD, incluindo programas de especialização, mestrados e doutorados. A universidade também passou a gerir o Campus Ouricuri, onde funciona o bacharelado em enfermagem.
Outro exemplo mais recente desse esforço de expansão pelo interior é o Campus da UPE em Arcoverde. Consolidado em 2011, ele se tornou uma estrutura relevante para o desenvolvimento do Sertão do Moxotó. Ao ofertar os únicos cursos públicos de direito e odontologia da região, a instituição ampliou o acesso ao ensino superior de qualidade e reduziu a necessidade de migração dos jovens para outras cidades. Com laboratórios estruturados, atendimento odontológico especializado e assistência jurídica gratuita, o campus se tornou referência em serviços essenciais que fortalecem a saúde, a cidadania e a economia local.

Nosso horizonte é consolidar Arcoverde como um polo de formação avançada, ampliando cursos, fortalecendo serviços e aprofundando o compromisso com o desenvolvimento regional." Carolina Lima
"Nosso horizonte é consolidar Arcoverde como um polo de formação avançada, ampliando cursos, fortalecendo serviços e aprofundando o compromisso com o desenvolvimento regional", destacou a docente e gestora do campus, Carolina Lima. Entre os projetos previstos, a UPE em Arcoverde mira novos cursos de graduação, o primeiro mestrado do campus e a ampliação das ações de extensão. A unidade quer intensificar a formação acadêmica, ampliar impactos sociais e consolidar Arcoverde como centro de excelência em saúde, direitos humanos e desenvolvimento territorial.
Passando do Sertão para a Zona da Mata, foi no campus em Nazaré da Mata que o ex-aluno do curso de História da UPE, Arthur Lira, descobriu sua vocação acadêmica. Essa unidade, que é um dos grandes centros de formação de professores do Estado, foi construída em 1966, um ano após a fundação da UPE. Mais que um aprendizado profissional, ele afirma que encontrou na universidade uma formação humanística sólida que ampliou sua visão sobre leitura, escrita e produção de conhecimento. “A UPE me fez enxergar a história como campo de pesquisa e de sala de aula”, conta.
Após se graduar, Arthur seguiu para o mestrado e doutorado na UFPE, aprofundando sua pesquisa sobre a relação entre história e cinema e hoje é professor da educação pública básica. Além da docência, ele é o atual presidente da ANPUH-PE (Associação Nacional de História, em Pernambuco). “Eu sou, de fato, um ex-aluno que admira, milita e defende a UPE com unhas e dentes.”

A UPE me fez enxergar a história como campo de pesquisa e de sala de aula. Eu sou, de fato, um ex-aluno que admira, milita e defende a UPE com unhas e dentes." Arthur Lira
AMADURECIMENTO INSTITUCIONAL
Além de relembrar, de forma muito saudosa, da sua formação na instituição, Arthur também recorda com orgulho de ter participado do movimento estudantil que lutou pela gratuidade da UPE, conquistada durante seu primeiro ano no curso. Até então, apesar de pública, os estudantes pagavam mensalmente uma taxa para a manutenção da universidade.
Embora houvesse dúvidas na época se a UPE se manteria sem esse financiamento, a mudança avançou durante o Governo Eduardo Campos. As preocupações foram superadas e a instituição se tornou um ambiente mais plural e mais forte. “Ver a universidade crescer a partir da democratização do acesso foi marcante”, relembra. Para Arthur, a UPE segue cumprindo sua missão essencial: formar profissionais, pesquisadores e cidadãos comprometidos com o desenvolvimento de Pernambuco.
Quem assistiu uma série de transformações da universidade que a amadureceram institucionalmente foi o atual vice-reitor, o professor José Roberto de Souza Cavalcanti. “Minha vida se confundiu com a história da universidade… São mais de 40 anos convivendo dentro da Escola Politécnica.”
Com mais de quatro décadas de convivência diária com a Universidade de Pernambuco, sua trajetória sintetiza a transformação da instituição em direção à qualidade, interiorização e compromisso público. Ele iniciou sua trajetória ainda em 1979, como estudante de engenharia civil na Escola Politécnica. Poucos anos depois, em 1984, ingressou como professor e nunca mais deixou de ocupar espaços-chave na vida acadêmica.

Seu olhar atravessa, portanto, todas as fases pelas quais a UPE passou. A gratuitidade e a interiorização não foram as únicas mudanças estruturais para a universidade. José Roberto recorda que no passado, os docentes recebiam por hora-aula e trabalhavam mais por vocação, mantendo-se com outras atividades profissionais paralelas. A conquista de regimes de trabalho mais estáveis e a consolidação da carreira de docente, inclusive em tempo integral, mudaram a instituição.
“Quando entrei como professor, muitos gastavam mais para chegar na faculdade do que recebiam. A docência era pura vocação. A gratuidade, em 2009, foi outro avanço decisivo, pois a universidade tornou-se, de fato, pública e acessível. Queremos uma universidade cada vez mais forte, integrada, inovadora e responsável pelos grandes temas do nosso tempo”, ressaltou o professor José Roberto.
A FORÇA DOS SEUS EGRESSOS
Uma das grandes contribuições da universidade nesse período é justamente na formação de profissionais que atuam na iniciativa pública e privada do Estado. Sejam servidores, agentes políticos ou empresários, muitos pernambucanos que passaram pelas bancas da instituição ocupam espaços de destaque na sociedade.
Um empresário que tem orgulho de ter passado pela UPE é Marcos Roberto Dubeux, atual CEO da Cone. Fundador da plataforma multimodal de logística industrial e serviços, localizada na retroárea do Porto de Suape, ele foi aluno de engenharia da UPE e integrou também o Diretório Acadêmico Polivalente.

“Formei-me engenheiro em 2004, num período em que um grupo de estudantes decidiu transformar a vivência universitária com trabalho, ética e responsabilidade”. Ele explica que o dilema do grupo era: Engenharia. Olhe ao seu Redor. Uma palavra de ordem que moldou sua atuação. “A ideia de que o engenheiro é, por essência, polivalente, capaz de assumir funções diversas, enfrentar problemas reais e melhorar o ambiente ao redor moldou minha maneira de pensar e de agir desde então. Aprendemos que liderança não se exerce com privilégios, mas com entrega; e que entusiasmo, disciplina e coerência movem mais do que discursos”.
Desse movimento acabou nascendo o livro Do Entusiasmo ao Sucesso – A História do Diretório Acadêmico Polivalente, publicado pela Editora da UPE. A obra documenta bem o que aquele momento representou para o empresário. “A UPE me marcou por unir rigor técnico, propósito e responsabilidade pública. Foi ali que compreendi o papel transformador da engenharia e a força que existe quando estudantes decidem servir à sua instituição e ao território onde vivem. Carrego a Poli comigo todos os dias como referência, como responsabilidade e como ponto de partida”.
Além de docentes que chegaram ao doutorado na vida acadêmica, como José Roberto e Arthur Lira, e empresários como Marcos Roberto, muitos políticos de Pernambuco tiveram na UPE sua formação. Na lista de parlamentares, por exemplo, estão o Deputado Federal Augusto Coutinho (engenharia civil), o Deputado Estadual Gilmar Junior (enfermagem) e o vereador do Recife Tadeu Calheiros (medicina). Pelo poder executivo, o ex-prefeito do Recife, Geraldo Júlio, também é ex-aluno da instituição, formado na Faculdade de Administração.
PONTE ENTRE CULTURA POPULAR E ACADEMIA
A pesquisadora e artista Gabi Salustiano, neta do Mestre Salustiano e filha do Mestre Manuelzinho, transformou a vivência da família no maracatu de baque solto em um projeto acadêmico. Ingressou no curso de História da UPE, em Nazaré da Mata, em 2018, movida pelo desejo de estudar a tradição familiar e compreender por que muitas narrativas sobre o maracatu não apareciam nos livros que lia na infância. Morou na cidade durante parte da graduação e encontrou na universidade um espaço para amadurecer seu olhar sobre cultura popular, pesquisa histórica e metodologias decoloniais. “Entrei nesse curso porque queria que os meus mestres fossem protagonistas da própria história”, afirmou.

Na UPE, Gabi participou dos programas de iniciação científica, além de desenvolver pesquisas em gênero, raça e educação, o que a levou a trilhar caminhos que não havia previsto inicialmente. Seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) analisou a presença de mulheres negras no ensino de História na Mata Norte. O momento mais marcante, no entanto, da sua trajetória acadêmica foi atuar como assistente documental do dossiê que concedeu ao pai o título de Notório Saber em Cultura Popular. Ela organizou documentos, fotos, recortes de jornais e entrevistas, dando origem posteriormente a um livro. Para ela, esse foi o verdadeiro encontro entre suas raízes e a formação universitária.
Gabi destaca a importância da UPE na região, especialmente por oferecer acesso ao ensino superior para jovens da Mata Norte, com cursos noturnos e políticas de permanência. A universidade, segundo ela, “abaixou os muros” nos últimos anos, tornando-se mais diversa e acolhedora. “Eu me emocionei quando vi filhos de cortadores de cana estudando na universidade.” Atualmente, a pesquisadora cursa o mestrado em Educação, Culturas e Identidades, na parceria entre a UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) e a Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), seguindo a pesquisa sobre processos educativos nos terreiros de maracatu de baque solto.
CRESCIMENTO DA PÓS-GRADUAÇÃO, INCLUSIVE NO INTERIOR

Nem só de graduação vive a UPE. Apesar do seu nascimento diretamente ligado à formação de professores, chegando posteriormente aos bacharelados, a instituição avançou muito na estruturação de mestrados e doutorados, além das formações latu sensu. A UPE possui atualmente 28 mestrados e 16 doutorados. Algumas dessas formações, inclusive, são exclusivas das suas unidades no interior. A instituição oferta ainda 103 pós-graduações, incluindo 72 residências.
"Antes, essas formações ficavam muito concentradas na capital. Mas, a pós-graduação agora já está presente também em todas as regiões. Temos cursos na região metropolitana, na Zona da Mata, no Agreste e no Sertão”, afirma Carlos André Silva de Moura. A pós-graduação se tornou um capítulo decisivo da trajetória de Petrolina, segundo a professora Franciela Monte. Ela conta que, em uma década, o campus consolidou cinco programas stricto sensu, somando mestrados e doutorados.
“É importante observar que a implantação desses programas, assim como os demais, impactam diretamente na relação da Universidade com as redes de ensino e de saúde e qualificam a pesquisa, possibilitando, por exemplo, que nós desenvolvamos aqui pesquisa cujo impacto alcança outras áreas do Brasil e do mundo inteiro”, ressaltou Franciela.

Apesar dos trunfos dessas seis décadas, há ainda muitos pontos críticos na formação de mão de obra em Pernambuco que se colocam no horizonte da UPE. Para a reitora Maria de Socorro Cavalcanti, a grande tarefa é seguir crescendo sem perder o compromisso com a qualidade e com o estudante. “O futuro da UPE passa por ser cada vez mais relevante para o território e indispensável para as pessoas.”
Para seguir relevante, a reitora considera que a universidade precisa responder a demandas crescentes por infraestrutura, permanência estudantil, inovação tecnológica e ampliação da capacidade de atendimento. A manutenção da qualidade acadêmica em todas as regiões exige planejamento, pactuação com o governo estadual e diálogo permanente com a sociedade. A expansão precisa vir acompanhada de sustentabilidade, de políticas de apoio ao estudante e de integração com arranjos produtivos regionais. O futuro passa, portanto, por aprofundar a interiorização, modernizar a estrutura acadêmica e ampliar o diálogo com a população.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)
