Nestes dias em que acontece a COP 26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), temos uma boa notícia para comemorar: apesar de o Recife estar entre as 16 cidades mais vulneráveis do planeta, as ações para enfrentar essa situação não estão começando do zero. O Projeto Parque Capibaribe é um passo fundamental para a adaptação ao aquecimento global. A constatação aconteceu no workshop RXN (Recife Exchange Netherlands), que reuniu especialistas pernambucanos e holandeses para estudar seus territórios e debater a elevação da temperatura e do nível do oceano. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Roberto Montezuma, coordenador geral do projeto Recife Exchange (no qual a ideia do Parque Capibaribe foi gerada), explica a concepção do Recife como cidade parque e a sua integração a os outros como projetos, Parque Beberibe, Parque Tejipió e Parque Marinho. Montezuma, que é arquiteto, urbanista e professor da UFPE, também fala das perspectivas da COP 26 e diz que as pessoas estão descobrindo que para enfrentar as mudanças climáticas é necessária uma visão sistêmica do mundo que leve em conta os aspectos econômicos, sociais e ambientais. “É o planeta dizendo: ou pensam o coletivo ou não temos saída”, alerta o urbanista. O que é o Recife Exchange? É um time que busca excelência em pesquisa, ensino e inovação. Ele é parte do Observatório do Recife, que une academia, governo e sociedade civil, articulado a ONU-Habitat, ao Instituto das Águas da Unesco e a universidades internacionais, como a de Toulouse. Tem como objetivo pensar projetos que ajudem as políticas públicas. O Recife Exchange nasceu na Universidade Federal de Pernambuco, durante a comemoração dos 100 anos de migração holandesa para o Brasil. Ele surgiu da provocação de pensar o futuro do Recife. Nesse sentido, o workshop realizado em 2011, RXA (Recife Exchange Amsterdam), que reuniu profissionais do Brasil e dos Países Baixos, deu o primeiro passo, ao desenvolver o conceito Recife árvore d’água. Ao observarem a cidade numa vista aérea, revelou-se a forma de uma árvore, onde as raízes são o mar, o tronco é o encontro das bacias hídricas, os galhos são os rios, e as folhas e frutos são as pessoas inseridas em movimentos sociais. A partir dessa visão, a conclusão é de que o Recife deveria ser reinventado com base no entendimento de que a natureza – rios, mangues, córregos, mar e vegetação – precisava ser aceita e acolhida. O RXH (Recife Exchange Holland) pensou o Centro Histórico, em 2019. Depois entrou a pandemia, e o RXN (Recife Exchange Netherlands), que foi a versão virtual em 2021, elegeu o tema Águas como Patrimônio e as discussões abrangeram as reflexões e estudos sobre o aquecimento global e o aumento do nível dos oceanos. Em 2022 haverá uma versão do evento na Holanda como um espelhamento das experiências. Desde o RXA foram criados grupos no Recife e na Holanda, cada um estudava seu território e depois se reuniam para cruzar as informações. Fizemos o nosso projeto em parceria com eles, que voltaram em 2012 para pensar o Recife, surgindo daí os conceitos da árvore d’água, e do Recife 500 anos. Ambos os conceitos vão desdobrar em duas ações de política pública: O Parque Capibaribe, cujo desenvolvimento ficou a cargo da UFPE e da Prefeitura do Recife, a visão de um planejamento de longo prazo para a cidade, com etapas e prazos, que está sendo desenvolvido pela Agência ARIES. Um aspecto que foi muito interessante para eles foi o fato de o projeto do Recife ter virado política pública. Em 2020, as experiências RXA e RXH foram premiadas como best practice pela Agência de Patrimônio Cultural da Holanda. A partir daí eles nos viram como um time estratégico para continuar essa relação que está sendo muito boa. Esses workshops foram muito inovadores porque a universidade está articulada com a sociedade civil, com órgãos públicos e com seus grupos de pesquisa. Em relação à sociedade civil, foi importantíssima a experiência com o Observatório do Recife que incorporou a visão da arvore d’água e seus desafios a serem superados no documento O Recife que Precisamos, que foi apresentado aos candidatos à prefeitura da cidade como uma demanda da sociedade. O Recife, como já noticiamos no ano passado, é a capital mais ameaçada do país e a 16ª cidade mais vulnerável do planeta ao aumento do nível do mar provocado pelo aquecimento global. A carta do RXN afirma que essa vulnerabilidade é uma das consequências da pouca importância dada às “águas” que compõem a cidade. Você poderia explicar essa relação? Em 2014, a cidade foi considerada a 16ª hot spot do planeta porque foram levados em consideração três aspectos: o fato de ser uma cidade marinha, uma capital com uma das maiores concentrações habitacionais do Brasil e por ser uma cidade patrimônio. O Recife deu as costas para as suas águas. O Recife é uma cidade aquarina e estuarina, que recebe a água que vem dos morros e vai para o mar e recebe as águas do mar que vão para dentro da cidade também. Então duas vezes por dia, aproximadamente, as marés fazem esse filtro nos rios. A cidade nasce do porto, da água, porque a capital era Olinda e o Recife, o porto. São cidades que nasceram irmãs. Quando os holandeses chegaram, incendiaram Olinda e botaram o centro do poder para o porto, que ficou no meio desse anfiteatro. Esta é uma outra visão da cidade: um anfiteatro em meio círculo, onde o Recife é o limite dele, os morros fazem uma espécie de plateia e o chão, a mata atlântica, é o palco, um palco molhado, e o fim desse anfiteatro é o mar. No primeiro projeto urbano, a Cidade Maurícia, essa cidade que vem para o centro do anfiteatro se amplia para a Ilha de Antonio Vaz, porque já não cabe na região do porto. O plano leva em consideração a ilha seguinte, o porto, Olinda e os caminhos de plantação situados na planície molhada que produzia açúcar. Nesta planície, os rios fazem papel