Desemprego em massa, aceleração da inflação, dólar em ascensão, previsão de recessão, déficit público crescente, ameaça de nova onda da pandemia, agravamento da desigualdade educacional, aumento da pobreza e da fome. Esses são apenas alguns elementos do cenário para o próximo ano. Se tudo isso não bastasse, ainda teremos eleições em clima ideológico desagregador, transformando 2022 em mais um ano decisivo para o futuro do Brasil.
Já vivemos outras situações como a que se desenha para 2022. Em 1989, a disputa eleitoral Collor-Lula dividiu o Brasil. Em 1990, ocorreu o chamado “confisco”, quando cerca de 80% do dinheiro em contas bancárias foi retido como proposta de conter a inflação. Em 1992, foi a vez do processo de desgaste e, em seguida, do impeachment de Collor, que deixou o Brasil em compasso de espera por quase 12 meses.
Em 2002, o medo voltou sob a expectativa da vitória de Lula (PT) nas eleições contra Serra (PSDB). A principal ameaça era a descontinuidade do Plano Real. O temor não se concretizou, mas gerou um ambiente de incerteza por todos os lados. Mais recentemente, tivemos o embate Dilma-Aécio, em 2014, seguido pelo impeachment de Dilma, em 2016, que provocou uma recessão nos anos seguintes. Em 2018, a eleição de Bolsonaro criou um clima permanente de “guerra ideológica” e, desde 2020, vivemos uma pandemia que matou mais de 615 mil pessoas.
A questão é que viver sob o medo altera nossa forma de pensar e agir. O psicólogo William Von Hippel, autor do livro A Evolução Improvável (Editora Harper Collins, 2018), mostra que a dose certa de medo preserva a vida e estimula a busca por soluções inteligentes. Por outro lado, quando em excesso e de forma sistemática, nos deixa mais sujeitos à procrastinação das decisões, à paralisação da evolução e, principalmente, à manipulação.
Sob o domínio do medo, a tendência é adiarmos nossas decisões. Somos tomados pelo clima do “tudo vai dar errado”. Desde sair de casa, para não contrair o coronavírus, até diminuir o consumo, pelo temor da perda do emprego. Esse comportamento atinge diretamente a economia: menor consumo leva ao baixo crescimento, que não gera emprego, diminui a renda e aumenta a pobreza.
Um círculo vicioso difícil de ser quebrado em um ambiente de dúvidas.
Mais grave que a procrastinação, o medo também leva à paralisação. Temas importantes que afetam o futuro são, com frequência, postos de lado, tanto no plano do indivíduo quanto no coletivo. Deixamos de construir o futuro para pensar apenas na sobrevivência do presente. Um exemplo é a paralisação de reformas — política, administrativa, tributária — no Congresso Nacional. Prisioneiros do medo da não renovação dos mandatos, os políticos atropelam o debate das pautas importantes para o Brasil com medidas e negociações eleitoreiras.
Juntas, a procrastinação e a paralisação nos fazem ter a sensação de que estamos indo em direção ao caos. De que nada avança e que precisamos de ações firmes e imediatas para nos tirar dessa situação. Aí entra outra consequência de viver sob o medo: a porta aberta à manipulação. Nesse momento, estamos mais propensos a aceitar transgressões morais e legais em nome da “salvação”. De uma maneira geral, tais medidas — que em situação normal não seriam colocadas à mesa, nem mesmo aceitas — se tornam uma opção tentadora.
Isso nos leva, mais uma vez, a priorizar o curto prazo e não enxergar as verdadeiras ações. Os nazistas, por exemplo, usaram a falsa ameaça de invasão pela Rússia e a grave crise econômica para corromper a democracia alemã e transformá-la em ditadura, que ocasionou a Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil, em 1937 e em 1964, foi a manipulação política do medo da falsa Intentona Comunista e do apoio da União Soviética à Cuba que resultou no Estado Novo e no Golpe Militar, respectivamente.
Para não repetirmos o lado negativo da nossa história, chegou a hora de permitir que nosso racional entre em ação para ajudar a definir o futuro. Como apontado por William Von Hippel, não devemos nos abater pelo cenário de incertezas e dar espaço à procrastinação, à paralisação, à manipulação. Devemos usar o medo na medida certa para estimular nossa capacidade de compreender, aprender e criar o futuro desejado. Até porque, como a história também mostrou, o medo passa e a vida continua.