Viagem através da literatura brasileira - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Viagem através da literatura brasileira

Revista algomais

No Rio de Janeiro, Brás Cubas, personagem póstumo de Machado de Assis, revela suas memórias do século XIX. Na mesma época, a situação e o cenário eram bem distintos no Sertão da Bahia descrito por Euclides da Cunha. A diversidade da literatura brasileira não reflete apenas a amplitude geográfica de seu continente, mas também as distinções políticas, sociais e culturais do nosso povo, presentes nos títulos literários. Partindo de obras canônicas brasileiras, surge o projeto Viagem ao País do Futuro, assinado pela jornalista portuguesa Isabel Lucas.

A ideia é escrever 12 grandes reportagens sobre lugares/livros visitados/lidos pela autora para traçar o Brasil de agora. Ao final de um ano, as matérias se transformarão em livro a ser editado pela Cepe em parceria com o jornal português Público e a Fundação Oceanos. O projeto será apresentado oficialmente na edição 2019 da Festa Internacional de Paraty (Flip), dentro da programação da Casa Paratodxs, dia 11 de julho, às 19h, em conversa entre Isabel Lucas e o editor da Cepe, Wellington de Melo. Antes disso, no dia 6 de julho, já será publicada - na versão online do jornal literário Pernambuco (Cepe), e no jornal Público - a primeira das 12 reportagens, e o Pernambuco também já terá na versão impressa do mês de julho uma entrevista exclusiva com a escritora falando sobre o projeto.

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“Em meio à crise política e social em que vive o Brasil, pensar a literatura é fundamental, tanto a canônica quanto a que está sendo feita neste momento, no calor da hora. A ficção sempre vê mais longe”, defende o editor do Pernambuco, Schneider Carpeggiani. Selma Caetano, representante da Fundação Oceanos, enxerga ainda uma possibilidade de “aproximar literaturas e artes de língua portuguesa”.

A escolha por títulos pertencentes ao cânone literário brasileiro, segundo Isabel, foi uma forma de abrir as possibilidades para abordar a diversidade temática e geográfica que compõe a identidade brasileira. “É uma escolha que se pode dizer conservadora, mas que tem o objetivo de, durante a viagem, descobrir e integrar obras mais atuais, chegando ao que neste momento o Brasil escreve sobre o Brasil”, esclarece Isabel. Além de
Os Sertões (Euclides da Cunha) e Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), a autora utiliza como pontos de partida os títulos Vidas Secas (Graciliano Ramos), Menino de engenho (José Lins do Rego), Casa-Grande & Senzala (Gilberto Freyre), A hora da estrela (Clarice Lispector), Olhai os lírios do campo (Érico Veríssimo), Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa), Viva o Povo Brasileiro (João Ubaldo Ribeiro), Dois irmãos (Milton Hatoum), As menina (Lygia Fagundes Telles), Macunaíma (Mário de Andrade), e Lavoura Arcaica (Raduan Nassar).

O primeiro texto do road book começou a ser escrito no Recife, em junho passado. Por aqui, a jornalista e escritora portuguesa Isabel Lucas iniciou sua narrativa baseada em pessoas anônimas que por aqui conheceu, e em escritores contemporâneos, como o poeta Miró da Muribeca, que emprestaram seus olhos para que Isabel enxergasse a capital pernambucana à sua maneira. Hotel Central, Mercado da Boa Vista, Ponte Duarte Coelho e Praça Maciel Pinheiro vistos pelos versos de Miró não são os mesmos de um cartão postal. Depois do Recife, Garanhuns, Caetés, Palmeira dos Índios e Quebrangulo (AL), Canudos (BA), e Petrolina (PE) foram os destinos. De 10 a 21 de julho, os destinos serão para Rio de Janeiro e Paraty. De 2 a 12 de setembro, Isabel passará por Porto Alegre, São Paulo, Salvador e Itaparica, e termina sua viagem entre São Paulo, Manaus e Pindorama, de 21 de outubro a 6 de novembro.

Isabel já havia feito projeto semelhante nos Estados Unidos, por onde viajou por 16 cidades para tentar entender a complexa realidade daquele País. O resultado foi o livro Viagem ao sonho americano, publicado em Portugal em junho de 2017. O título é tão repleto de ironias quanto o que, por ora, batiza o projeto brasileiro, pois o que Isabel descobriu em terras norte-americanas desmontou muitos dos conceitos prévios. “Naquela época, 2015, o então candidato a presidente Donald Trump surgia como uma piada que se tornou realidade”. Algo semelhante ao que ocorreu no Brasil com o atual presidente. Já a escolha dos livros foi pautada por questões de raça, imigração, tecnologia… “Achava que sabia o que era racismo nos Estados Unidos e descobri que não sabia nada; é um país de imigrantes conservadores”, confessa Isabel.

 

Há dois anos Isabel ‘descobriu’ o Brasil quando fez sua primeira visita aos trópicos. Mas a cultura brasileira há muito que ‘conquistou’ a ela e aos portugueses. Caso de Jorge Amado, muito conhecido por lá. Em Portugal, no entanto, é grande o desconhecimento da literatura brasileira. “E os portugueses acham que conhecem o Brasil ,por causa das novelas!”, conta Isabel. Apesar de não haver a barreira linguística, há sim uma barreira de vocabulário, pois nem tudo se conhece do mesmo jeito aqui e do outro lado do Atlântico. “Meu trabalho consiste também em fazer uma tradução de valores; uma tradução cultural”. Quanto ao fato de ser uma portuguesa, ‘colonizadora’ escrevendo sobre o Brasil ‘colonizado’, Isabel pondera que a alteridade pode favorecer o olhar. “Provavelmente esse livro não será consensual. Se assim fosse, escreveria lá de Lisboa mesmo”.

 

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