Aclamado como um dos mais importantes sociólogos do século XX, o também antropólogo, ensaísta, jornalista e poeta pernambucano Gilberto Freyre se dedicou a explicar a complexidade da formação do Brasil e da identidade do País a partir de estudos da miscigenação, desde a colonização. Conservador e tradicionalista, foi favorável ao golpe militar de 1964 e pagou com o ostracismo de mais de duas décadas por esse apoio. Somente após a redemocratização voltou a ser descoberto por suas teorias e metodologias inovadoras, ousadas e controversas, expressas em títulos famosos como Casa Grande & senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), entre tantos outros. Defensor da formação mestiça do povo brasileiro, procurou mostrar o grande erro do pensamento elitista e arianista de que a mistura de raças seria a causa do subdesenvolvimento dos trópicos. Vida e obra de Gilberto Freyre se confundem
com a história da formação do Brasil.
Em comemoração aos 120 anos de Gilberto Freyre, a Cepe reedita o livro O Brasil de Gilberto Freyre: uma introdução à leitura de sua obra, do jornalista, escritor, poeta, historiador e antropólogo Mario Helio. Com a tarefa de oferecer uma visão ampla mas nada superficial de Freyre e de sua bibliografia para o conhecimento da história brasileira, o livro será lançado dentro da programação do Circuito Cultural de Pernambuco, dia 10 de setembro, às 19h30, em uma live com participação do autor e do professor e escritor Anco Márcio Tenório Vieira.
Com ilustrações do artista José Cláudio, a edição da Cepe é revisada e publicada 20 anos após a primeira, que saiu pela Comunigraf em 2000, ano do centenário do nascimento de Freyre. A primeira edição foi originada de um longo ensaio publicado no Jornal da Tarde, de São Paulo. “O jornalista Antônio Portella me sugeriu a expandir em livro aquela apresentação jornalística de Freyre. Aceitei a proposta e escrevi O Brasil de Gilberto Freyre, com o propósito modesto de que servisse de uma introdução à leitura de sua obra, uma espécie de Gilberto Freyre para iniciantes, não para iniciados. O caminho escolhido para pôr em linhas a narrativa foi a máxima clareza possível, num tom quase didático, tentando percorrer os labirintos de um dos mais ricos e complexos personagens da cultura brasileira”, revela Mario Helio.
“A reedição é uma uma introdução feliz para o pensamento de Gilberto Freyre, em suas complexidades, controvérsias, antevisões. Mais do que uma antevisão da obra do sociólogo pernambucano, é uma apresentação qualificada, feita por um profundo estudioso da obra freyriana”, define o editor da Cepe, Diogo Guedes.
A história do Brasil contada por Gilberto Freyre, como nos diz Mario Helio, nunca termina no relato dos acontecimentos apenas. Continua nas correlações que estabelece entre sociologia e biologia, psicologia e ecologia para compreender os fatos. Tanto é que Freyre analisa pioneiramente a gastronomia e a moda para explicar o comportamento social. É uma narrativa mais orgânica, que vasculha a intimidade para revelar a complexidade. “De um ponto de vista extremamente sintético e redutor, pode-se dizer que o Brasil como visto e recriado por Gilberto Freyre é uma invenção mais da religião que da raça. Mais da família que do indivíduo. O brasileiro, por sua vez, é chamado por Freyre de homem situado. Situado nos trópicos, onde espaço e tempo se confundem; clima e raça definem o idioma. “É uma escrita que fala, e não somente um desfile de fatos”, define o autor.
Em vez de colocar na conta da formação mestiça da população brasileira o motivo das mazelas do País – ideia propagada pela elite do começo do século XX -, Freyre mostrou, em Casa-grande & senzala, que o atraso vinha do sistema econômico e social, como revelam as palavras de Mario Helio: “da monocultura da cana-de-açúcar, da alimentação deficiente, da falta de higiene etc.” A mestiçagem brasileira é para Gilberto Freyre um bem para a humanidade. O sociólogo nos oferece um Brasil tão humano que, “por vezes, chega a carregar nas tintas para
mostrar uma fraternidade de convivência entre as classes maior do que provavelmente terá sido. Quando assim ocorre, o como deveria ser interfere no como realmente foi. O poeta vence o historiador”. Vence, por exemplo, quando busca ver o que chama de “lado benigno” da escravidão, destacando “a relação de quase compadrio entre senhor e escravo no país”, diz Mário Helio em trecho do livro.
Se há críticas aos métodos científicos de Freyre – muitas vezes acusado de se apoiar nas “testemunhas oculares” dos viajantes estrangeiros -, por outro lado o autor pernambucano é elogiado pela ousadia de experimentar novas metodologias e, assim, conseguir uma das interpretações mais originais e próximas do Brasil autêntico. “E numa capacidade de abrir-se à discussão, que foi bem destacada por Sérgio Buarque de Holanda, em Tentativas de mitologia: ‘Uma das virtudes de Gilberto Freyre, e que contribui para singular importância de seus ensaios, está em que convida insistentemente ao debate e provoca, não raro, divergências fecundas’.”
Sua narrativa também é única e merece destaque, pois é considerada uma das melhores prosas da língua portuguesa. Foi também tido como “o mais brasileiro dos escritores” por nomes como Darcy Ribeiro e João Cabral de Melo Neto. “Escrevia como num aparente improviso. Esta é uma das razões de o seu estilo ser inimitável. (…) Não é difícil perceber que o seu modo de escrever não é exemplar, ou seja, não serve como modelo a ser seguido, pois a alguém dotado de menos talento se revelaria um desastre compor frases tão longas, cheias de orações interpoladas, tantas locuções adverbiais, tantos adjetivos, tantas repetições. E quase nenhuma conclusão”, descreve Mario Helio.
Formado nos Estados Unidos em Artes Liberais, com especialização em Ciências Políticas e Sociais, Gilberto Freyre fez o mestrado em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais também em solo norte-americano, país que chamava de Outra América. Sua dissertação de mestrado intitulou-se Social Life in Brazil in the Middle of the 19th Century (Vida social no Brasil nos meados do século XIX). “Gilberto Freyre descobriu o Brasil nos Estados Unidos”, diz Mario Helio. Foi lá na Outra América que Freyre teve aula com o antropólogo Franz Boas, com quem aprendeu a distinguir raça e cultura, “ideia fundamental para as futuras considerações sobre as relações entre as pessoas no Brasil”.
Em breve a Cepe publicará outro livro, desta vez inédito, sobre a história íntima de Gilberto Freyre, também assinado por Mario Helio.
Serviço:
Lançamento
do livro O Brasil de Gilberto Freyre: uma introdução à leitura de sua obra (Cepe Editora), de Mario Helio
Quando:
10 de setembro
Horário:
19h30
Onde:
Canal virtual do Circuito Cultural de Pernambuco (www.circuitoculturaldepernambuco.com.br) , com participação de Mario Helio e Anco Márcio Tenório