Virei escritor por causa da revolução - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Virei escritor por causa da revolução

Revista algomais

O romance A Noiva da Revolução tem sido responsável por tornar mais conhecido do público o movimento de 1817. Nesta entrevista, o autor da obra, Paulo Santos, comenta como concebeu o livro, analisa porque essa parte da história do País foi “deletada da memória nacional” e fala sobre seus projetos futuros.

Como você começou no jornalismo?
Eu havia entrado num curso de geologia e descobri que não tinha vocação.  Chegou um momento em que larguei tudo e resolvi trabalhar. Comecei como cartunista no jornal, aos 19 anos. Depois, passei dois anos em São Paulo. Voltei para o Recife, trabalhei no Jornal do Commercio, como cartunista, mas fazia reportagem eventualmente. Fui correspondente da imprensa alternativa, nos jornais Movimento e Em Tempo, nos anos 70. Nos anos 80, ajudei a fundar a ONG Equipe de Comunicação Sindical. Passei uma década trabalhando com sindicatos e associações de bairros. Nos anos 90,  me apaixonei por informática e fundei uma empresa de consultoria que atuava no uso da informática na comunicação. Depois, fundei outra empresa, dessa vez para desenvolver softwares. Aí a coisa não caminhou bem e daí já fiz um monte de coisas. Com a virada do século, resolvi escrever.

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Sempre gostou de escrever sobre história?
Sempre fui apaixonado, cheguei até a cursar um ano de história na UFPE, mas trabalhava em jornal, fazia militância, gostava muito de namorar (risos), então, não havia tempo. Tive que abandonar o curso. Conversando com um grande amigo historiador, me interessei pela Revolução de 1817, comecei a ler e pesquisar sobre ela. Fiquei escandalizado com o tamanho da minha ignorância sobre o assunto, que era certamente igual à de 99,9% dos pernambucanos. Não sou um sujeito desinformado, mas não sabia nada sobre um dos eventos mais importantes da história do Brasil. Resolvi que tinha que escrever sobre isso. Num primeiro momento, seria algo  como “história contada por jornalista”. Depois percebi que teria que ter um tratamento romanceado, pelo próprio romantismo dos personagens e fatos. Não dava para escrever de forma estritamente descritiva, sem colocar emoção. Virei romancista por causa da vontade de contar essa história.

A Noiva da Revolução foi seu primeiro livro?
Sim. Faz 10 anos que foi lançado. Passei três pesquisando.

Como foi esse trabalho de pesquisa?
Eu li muito. Não fui em nenhuma fonte primária, pesquisei somente em livros, publicações, etc. Há muita informação. Tive que eliminar metade do que consegui pesquisar. Não é que a história de Pernambuco seja mal estudada. A historiografia do Estado é fantástica, é a mais rica do Brasil, e temos historiadores à altura dela: Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Evaldo Cabral de Mello, Oliveira Lima. O que não existe é a divulgação dessa informação. Ela mora no universo acadêmico, falta um meio de campo para repassá-la para o povo. Se você perguntar a qualquer um quem foi Cruz Cabugá, Padre Roma, Gervásio Pires, quem vai saber? São personagens importantíssimos na história do Brasil.

Por que a Revolução de 1817 é tão desconhecida e a Inconfidência Mineira não?
Pernambuco possuía questões políticas avançadas. No primeiro dia de governo da revolução, decretou-se o fim dos tratamentos de “vosmicê” e “senhor” para as pessoas importantes. Todo mundo era igual. Essa era a mentalidade dos revolucionários. A Revolução Praieira falava de uma ideia de comunismo, em 1848. Karl Marx ainda estava escrevendo o Manifesto Comunista na Alemanha. Enquanto aqui já havia uma revista, chamada O Progresso, discutindo socialismo. Então, não interessava a muita gente que tudo isso fosse discutido e propagado. Existem anotações do Varnhagen, historiador oficial do Império, em que ele dizia que estava lendo sobre a Revolução de 1817, mas que ela não deveria ser divulgada. A revolução propunha a independência, então era interessante não falar dela no período colonial. Depois da independência, o Brasil se tornou império, mas a revolução era republicana. O único período em que foi prestigiada foi durante a República Velha, porque interessava politicamente. No centenário da revolução, o dia 6 de março foi decretado feriado nacional. Quando surgiu o Estado Novo, a revolução voltou a ser ocultada porque era federalista. Com o Golpe Militar fica ainda mais óbvio: a Revolução de 1817 era radicalmente democrática. Política é marketing e a República precisava de um símbolo. A candidatura de Frei Caneca foi lançada, só que ele era subversivo demais: padre casado com três filhos, brigão, provocador e revolucionário mesmo, de pegar em armas. Grande intelectual e poeta. A qualificação dele para ser símbolo do Brasil era superior à de Tiradentes. O que Tiradentes fez? Com todo o respeito, ele foi um mártir, mas não fez nada além de morrer. Ele não tinha imagem e é retratado como se fosse um Cristo. É um simbolo fake.

Quais os aspectos progressistas da revolução?
Em 1910, Oliveira Lima definiu 1817 como o único movimento no Brasil que pode ser chamado de revolução. Naquele tempo, não havia acontecido a Revolução de 1930, que considero que possa ser também chamada por esse nome. O projeto político da nossa revolução é muito mais avançado do que todos os outros propostos no País até então. Ela fez uma reforma tributária radical, criou a primeira polícia. E funcionou. Os governadores da revolução nem recebiam salário. Para eles, era uma honra exercer esse cargo. Ela se espalhou para a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Na Paraíba, o governo revolucionário era mais radical. Eles chegaram a discutir a participação das mulheres. Naquela época, mulher não tinha direito a participar de luta política. Considero esse o primeiro passo para torná-las cidadãs. Mas o resultado foi terrível, porque os pais e maridos ficaram contra. Se o projeto político da Revolução de 1817 tivesse dado certo, o Brasil seria completamente diferente do que é hoje.

Por que os revolucionários não extinguiram a escravidão?
Porque era politicamente inviável. Toda a mão de obra era escrava. Não era possível acabar com a escravidão do dia para a noite, mas os escravos que quisessem entrar no Exército eram libertados. Então, foi assinado o primeiro ato abolicionista do Brasil. E o governo revolucionário disse aos senhores de engenho (que tinham um peso enorme) que queria acabar com a escravidão. Não era um plano imediato, mas um projeto futuro.

O romance de Domingos Martins com Maria Teodora existiu mesmo?
Tudo que escrevi no livro é rigorosamente verdade. No meio de uma revolução, há um caso de amor à la Romeu e Julieta. Domingos Martins, um capixaba, namora há quatro anos escondido com uma moça, porque ela é filha de um português muito rico. Mesmo se tratando de um sujeito branco, bem educado, de muitas posses, o pai não aprovaria o casamento porque ele era brasileiro, que  era considerado um cidadão de segunda categoria. Ele teve que fazer uma revolução para se casar! Na minha opinião, foi o casamento mais importante na história do Brasil pelo seu significado político. O povo foi para a rua comemorar. Ele é triplamente revolucionário. Primeiro porque um brasileiro casa com a filha de um português, o que é importante para autoestima do povo. Segundo, propunha a pacificação entre brasileiros e portugueses. E terceiro por ser um casamento por amor, o que não era usual na época.

A história pode virar filme?

Tizuka (Yamazaki) levou o projeto para a Ancine, mas a captação de recursos nesta época de crise está difícil. Por isso, ela está  transformando a história em documentário, e para ele já temos patrocínio. O filme, espero que algum dia saia. Também estão sendo feitas duas histórias em quadrinhos simultaneamente. Uma, que eu fiz o roteiro para a Cepe editar, chamada 1817: Amor e Revolução. E outra, um desenhista pernambucano que mora nos EUA, chamado Toni Silas, que desenha para a Marvel, está fazendo uma versão para um roteirista chamado Heron Vilar. Vai ser uma versão para os EUA e será  lançado aqui no Comic Con (feira geek) em abril.

Você também fez outros livros históricos?
Escrevi um sobre o general Abreu e Lima, que foi premiado pela Academia Pernambucana de Letras no ano retrasado. Foi uma tiragem pequena que se esgotou e até agora não foi republicado.

Há uma análise de que a independência feita por José Bonifácio foi a que conseguiu a unificação do Brasil. Você concorda?
É muito difícil dizer que a unificação não seria possível se a revolução desse certo. Naquela época, não existia esse conceito de brasilidade. Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo, eram províncias de um governo português. Elas juntas, porém independentes, formariam uma confederação ao modo dos Estados Unidos. A ideia era que Pernambuco fosse a cabeça de uma revolução que unisse várias federações. O que aconteceria futuramente não se sabe. Não há como negar que essa unidade brasileira foi fruto do Império, mesmo na base da violência. O Rio Grande do Sul quis se separar e o Império impediu, com Pernambuco igualmente.

Algum projeto futuro?
Quando perguntaram isso a Winston Churchill,  ele disse: “se amanhã não chover, eu saio sem guarda-chuva” (risos). Ainda não estou nesse nível, mas no momento estou com uma série de pequenos projetos. Gostaria de escrever sobre Frei Caneca e a Revolução Praieira.

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