A volta de Zamor com a dupla Franco de Rosa e Mozart Couto – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

A volta de Zamor com a dupla Franco de Rosa e Mozart Couto

*Por Eduardo Martins

Um é paulista, mas já morou em diversas cidades do Brasil. O outro é mineiro, de Juiz de Fora, desde sempre. O primeiro gosta de apreciar um bom jazz e assistir a filmes nas horas vagas. Já o segundo, ocupa o tempo vago com leituras, artes digitais, softwares livres e estudo continuo de desenho. Ambos iniciaram a carreira profissional como quadrinistas nos anos 1970 e, juntos, somam mais de noventa anos de trabalho dentro do universo dos quadrinhos. Duas lendas vivas da nona arte: Franco de Rosa e Mozart Couto, respectivamente.

A história de Franco de Rosa com os quadrinhos começa ainda na escola, quando produzia fanzines com os amigos. Começou a carreira em 1974, publicando tiras em jornais, como no extinto Notícias Populares, do Grupo Folha. A partir daí, não parou mais de produzir. Além de criar, escrever e desenhar histórias em quadrinhos, ele também é jornalista, colunista e editor. Com passagem por praticamente todas as principais editoras nacionais. Além disso, foi um dos fundadores de pelo menos três delas: Press, Opera Graphica e Mythos (ainda em atividade).

Já Mozart Couto começou a carreira profissional em 1978, na extinta Editora Grafipar, de Curitiba. É nela que os dois se conhecem e de onde nasce o fio condutor para a entrevista que se sucede logo mais. Um verdadeiro mestre dos quadrinhos, com uma versatilidade impressionante de traços e estilos usados para compor inúmeras publicações de terror, erótica, espada e feitiçaria, faroeste, ficção-científica, adaptações literárias. Além disso, foi um dos pioneiros a ingressar no concorrido mercado americano de heróis na efervescente década de 90.

A colaboração entre eles aconteceu em agosto de 1982, quando Franco de Rosa convidou Mozart Couto para ilustrar as páginas do “Almanaque Zamor”, pela Grafipar.  A criação foi muito bem recebida na época, com a história do selvagem que viveu milhões de anos atrás, antes do dilúvio, onde hoje fica a América do Sul.  Agora, quase 40 anos depois, os dois quadrinistas estão reunidos mais uma vez para lançar uma nova edição pela jovem Editora Universo Fantástico, que vem investindo em títulos de autores nacionais para montar seu catálogo.

Nova edição de “Zamor, o Selvagem”, pela editora Universo Fantástico e mais um bônus: exemplar do formatinho fac-símile parcial do Almanaque Zamor, de 1982. (Divulgação)

Confira a entrevista com Franco de Rosa e Mozart Couto, concedida para a Coluna Gibitown sobre o lançamento de “Zamor, o Selvagem”. Além de dicas, influências nos quadrinhos, mercado editorial e, é claro, superpoderes.

Qual foi a primeira lembrança de ter lido um quadrinho?

Franco de Rosa – O primeiro gibi que eu comprei escolhendo, e lendo, foi em “Uma Viagem de Trem – Campeões do Oeste”, da Rio Gráfica, com capa de Walmir Amaral, de quem me tornei amigo em 2006.

Mozart Couto – Não me lembro bem quando comecei a ler HQ, mas era bem novo. Nem sabia ler ainda e os quadrinhos já me atraíam.

E recente, qual o último quadrinho que leu? E o que está lendo no momento?

FR – O último que li foi “Desfecho”, episódio “Poderoso Maximus”, da Editora Universo Fantástico. Vou ler mais tarde “Ménage” do trio Laudo, Germana e Marcatti.

MC – Não me lembro do último e nem do atual porque estive afastado dos quadrinhos, trabalhando com outras coisas, exceto esporadicamente, quando faço algum trabalho que seja HQ.

O que fez vocês trabalharem com quadrinhos?

FR – Por ler muitos gibis, colecionar alguns e desenhar sempre, senti que o que eu queria era fazer quadrinho. Desde os 10 anos de idade. Aos 14, fazia trabalhos escolares em quadrinhos. “O Guarani” de José de Alencar foi minha primeira obra. Uma adaptação em 12 páginas.

MC – O que me fez fazer quadrinhos foi um impulso natural de gostar de desenhar histórias, imagens em sequência sem ser animação. E estímulo por ter visto tantas coisas bonitas nessa arte dos quadrinhos.

E se fosse para ter um superpoder, qual vocês escolheriam?

FR – Eu gostaria de ter supervelocidade, para escrever e desenhar mais rápido e apreciar o mundo congelado, como na cena em que o “Mercúrio”, zoa com todos em um dos filmes da Marvel, que eu considero uma das mais lindas cenas de cinema da história.

MC – Superpoder… acho que voar seria legal ou poder ficar invisível.

Como vocês se conheceram? O Zamor foi o primeiro trabalho que fizeram juntos?

FR – Em absoluto. Eu e Mozart trabalhamos em outras histórias em quadrinhos. A maioria voltada para leitores adultos, também de suspense, terror e aventura. Zamor foi o nosso primeiro e único trabalho de grande fôlego.

MC – Nos conhecemos trabalhando em quadrinhos para a editora Grafipar. Fizemos alguns trabalhos juntos, mas com personagem acho que foi só esse, que eu me lembre agora. Desculpe, mas foram tantas parcerias e tantas histórias que a gente sempre esquece.

A edição de Zamor, o Selvagem, pela Universo Fantástico é uma cuidadosa reconstrução da arte pelo próprio Mozart Couto. (Divulgação)

Em 1932, “Conan”, personagem das revistas pulp é criado por Robert Howard. Em 1982, a estreia do bárbaro nos cinemas transformou-o instantaneamente em um fenômeno mundial entre jovens e adultos. No mesmo ano, vocês lançaram o Almanaque Zamor, publicado pela extinta editora Grafipar. Existe alguma relação entre Conan e Zamor? Como surgiu o personagem?

FR – A Grafipar lançou Zamor em 1980, em uma revista chamada “Selvagem”. O personagem existia desde 1971, quando eu fazia o fanzine “Gudizo”. Conheci o Conan em 1972, em edição desenhada por Barry Smith, com roteiro de Roy Thomas, com quem trocaria e-mails em 2000 para publicar as tiras de Conan, na revista Stripmania da Opera Graphica Editora. Sempre gostei do Conan desenhado por Barry Smith. Zamor nada tem a ver com Conan. Zamor é um personagem do tempo das cavernas. É um herói pré-histórico, que atua na borda das grandes cidades das evoluídas Atlântida e Lemúria, que vivem em guerra.

MC – Nem me lembrava que as épocas coincidiam. Na verdade, os dois são personagens diferentes. Zamor é um homem que viveu com uma tribo de homens pré-históricos, na época de Atlântida e Lemúria. Ele encontrou uma faca que estava dentro de uma nave caída do espaço. Ele saiu pelo mundo em busca de suas origens e viveu aventuras bem variadas onde nem sempre dá conta de interferir para resolver as coisas. Ele é um personagem bem diferente de Conan. Zamor tem mais de Tarzan, Ka-Zhar e vários outros personagens desse tipo que o autor, o Franco de Rosa admirava na adolescência. Franco criou Zamor, acho que com 14 anos! Então, é outra coisa. Precisamos desvincular esses dois personagens.

O que mais inspirou vocês naquela época?

FR – “Targo” de Fernando de Lisboa, “Hur” de Wilson Fernandes, “Tarum” de Paulo Fukue, “Jongo” de Paulo Hamasaki, “Tor” de Joe Kubert, “Tarzan” de Edgard Rice Burroughs, quando no mundo de Paul-ul-Don foram as inspirações para Zamor. E, principal e diretamente, “Zhor, o Atlanta”, de Francisco de Assis com desenhos de Walmir Amaral, publicado pela Editora Taika em 1972. O universo Atlanta e lemuriano de Zhor, que foi inspirado nas crônicas de Homero, sobre o mundo pré-diluviano, está presente em Zamor. Zamor tem pré-história, ficção científica e fantasia.

MC – O que me incentivou muito a desenhar o personagem, desde a primeira vez, quando Franco me convidou a fazer a parceria com ele, foi o fato de eu ainda não ter feito quase nada relacionado a personagens que viveram nessa época e região. Exceto “AMBRAK”, um personagem que eu criei e publiquei mais ou menos nessa época, nos anos 80.

Publicado em 1973, pela editora Taika, “Zhor, o Atlanta” serviu de inspiração para Franco de Rosa criar o selvagem Zamor. (Divulgação)

Como foi o processo de elaboração desta nova edição de Zamor? De quem foi o pontapé inicial para revisitar o personagem depois de tantos anos? O que mudou do antigo para o novo Zamor?

MC – O Franco me falou da Editora Universo Fantástico e do interesse do editor, o Roberto de Castro, em publicar Zamor. Fizemos uma busca em nossos “arquivos secretos”, fomos coletando coisas e tendo ideias novas, ao mesmo tempo. Com relação à parte dos quadrinhos publicados em 82, eu decidi redesenhá-los. Tínhamos um material impresso precário, e mesmo se fosse bem tratado digitalmente não seria bom para o leitor tê-lo como um lançamento adequado aos dias de hoje. Assim, juntos, todos os envolvidos, fomos reconstruindo, acertando, melhorando acrescentando novidades, até sair esse belo projeto. As mudanças foram em detalhes das HQs de 1982, e o restante foi todo feito de material inédito, mantendo a base da saga de Zamor.

FR – O antigo e o novo Zamor é o mesmo personagem. A nova edição traz uma releitura das duas aventuras originais de 1982. Com nova arte-final em todas as páginas da primeira história e acréscimo de cenas. E novas imagens na segunda aventura, que também recebeu novo tratamento de finalização. Enfim, é uma obra mais apurada. Este volume novo possui uma HQ Colorida escrita e desenhada pelo Mozart, feita em uma técnica narrativa e com artes em um estilo semelhante a desenhos animados de aventura em 2D. E ainda, na mesma edição, apresentamos a origem de Zamor, criada agora, onde Mozart aplica uma terceira técnica de desenho.

Os fundadores da Editora Universo Fantástico – Aline Rodrigues, Vinicios Ferreira (meio) e Roberto de Castro – responsáveis pela volta de Zamor. (Divulgação)

Podemos esperar uma continuação? Já existe plano de uma segunda edição de “Zamor, O Selvagem”? Uma dobradinha com “Brakan, o Bárbaro Vingador”, não seria nada mal, hein?

FR – Sim, existe plano para um volume 2 de Zamor. Uma dobradinha com Ambrak, de Mozart Couto já é planejada. Porque o universo de Brakan é outro, e acontece em outro período de tempo e geográfico.

MC – Dependendo da aceitação dos leitores, é claro que sim. Franco fez uma série de crônicas que serão publicadas nesse livro e que nada mais são do que sinopses de próximas HQs de Zamor! Temos muito material a ser desenvolvido. Sobre a dupla Zamor e Brakan não é possível porque são personagens que viveram em épocas muito diferentes e seria muito forçado fazê-los se encontrarem no tempo. No entanto, Zamor e Ambrak já é bem possível.

Escrito e desenhado por Mozart Couto, “Ambrak” foi publicado pela Press em 1986 e é “planejada uma dobradinha” em uma futura edição com Zamor. (Divulgação).

Além do lançamento de Zamor, O Selvagem, vocês estão trabalhando em algum outro projeto? Podem revelar?

FR – No momento, estamos focados apenas neste Zamor e no próximo volume.

O mercado de quadrinhos no Brasil, como também no exterior, vem passando por diversas transformações. O ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia causada pela Covid-19 e muitos autores, desenhistas e editoras precisaram repensar ou até cancelar projetos. Como vocês analisam o atual momento para quem vive de quadrinhos no país?

MC – A minha visão é um pouco pessimista. Eu vivi exclusivamente de quadrinhos no Brasil durante quase duas décadas. Foi muito sacrificante. Publiquei no exterior (Europa e EUA), mas acabei deixando os quadrinhos como atividade principal por vários motivos. Ainda faço, esporadicamente quadrinhos, mas nunca, na minha época, encontrei facilidade em viver só de quadrinhos. Pelo que tenho observado, embora o cenário seja muito bonito atualmente, com várias publicações luxuosas e variadas, eventos, etc., aquela dificuldade que eu sempre tive de viver exclusivamente como quadrinista, ainda existe.

FR – Eu vinha lançando minhas obras independentes em eventos, desde 2017, como “Shadow Lady”, “Ultraboy”, “Operação Jovem Guarda”, “Fargo”, “Caras e Caretas” e “Klik – Humor Gráfico”.  Os últimos eventos em que participei foram o Butantã GibiCon e o CCXP 2019, onde foi lançado o livro Grande Almanaque do Super-Heróis Brasileiros, pela Chiaroscuro, que escrevi e organizei com bons colaboradores. E o Fuzuê Nerd em março de 2020. Durante 2020 realizei as HQs, ainda inéditas, para a editora Criativo e GRR!!: “Primórdios – Faroeste” e “Visg, o super-herói magnético”. Ainda inéditos. E gibis infantis sobre o folclore brasileiro. Relançar com muitos extras e novas histórias as edições de “Shadow Lady”, “Ultraboy” e “Fargo” está em meus planos. Assim como uma edição em parceria com Laudo Ferreira e outra com Arthur Garcia, em homenagem ao desenhista recém falecido Rubens Cordeiro. Obras estas que já estão em produção. E o novo Social Comics também é uma plataforma onde iremos atuar. O ano de 2021 começa intenso. Home office total para mim. Vai melhorar bastante junto com a editora Universo fantástico e Mozart Couto.

Mestres em ação: Franco de Rosa (meio) na Butantã GibiCon 2019, com os ilustres desenhistas Walmir Amaral (esq.) e Paulo Fukue (dir.). (Divulgação)

E quais dicas vocês dariam para quem quer começar a trabalhar com quadrinhos, seja escrevendo, desenhando ou produzindo e editando?

MC – Eu aviso que é trabalho pesado. Não pense que, ao olhar para um tipo de quadrinho que parece simples de fazer, o seja mesmo “simples ou fácil”. É preciso formar uma base sólida, e isso geralmente leva anos, no mínimo uns 10. Então eu recomendo estudar muito as regras de desenho e as de quadrinhos com pessoas que as conheçam muito bem e que sejam profissionais competentes e atuantes. Ser disciplinado e trabalhar muito. O resto fica por conta do talento nato que é aquela aptidão natural que pessoas têm e que as permitem fluir melhor, trabalhando em certas áreas, do que outras pessoas.

FR – Não fique parado. Faça webcomics. Publique no Facebook e no Instagram. Faça fanzines. Publique seus próprios trabalhos. Faça edição digital. Contate outros artistas. Faça edições coletivas. Participe de antologias. Apresente seus trabalhos a editoras que não publicam quadrinhos, eles podem começar com o seu. Não é a mídia quadrinhos que importa para uma editora e sim o conteúdo da obra. O que o leitor poderá encontrar no seu trabalho. Siga em frente. Hoje só não publica quem não quer. Ter sua HQ no Social Comics, na Amazon, na plataforma Issuu. Para começar tem mais é que se divulgar.

Por último, eu queria agradecer imensamente aos dois mestres dos quadrinhos pelo tempo e disponibilidade. Algum recado final para os leitores da Coluna Gibitown? 

Franco de Rosa – Eu que agradeço a possibilidade de conversar com o seu público. Espero que venham adquirir, ler e escrever para gente sobre o nosso Zamor. Porque essa edição, além das histórias em quadrinhos, apresenta mais de 20 crônicas com dezenas de personagens diferentes, ambientes fantásticos e muitas situações inusitadas.

Mozart Couto – Eu que agradeço o espaço para falar sobre esse nosso projeto que é uma novidade e um resgate, ao mesmo tempo. E aos leitores, eu diria que continuem com essa paixão incrível que têm pelos quadrinhos. É muito agradável manter esse hábito.


Sobre a Gibitown – Parafraseando Chico Science, a cidade do mangue ergueu uma nova e assim surgiu a Cidade do Gibi. O assunto aqui é quadrinhos. Marvel, DC, Image, editoras nacionais, quadrinhos independentes. Do clássico ao contemporâneo, vamos trazer o que existe de melhor no universo da nona arte em Pernambuco, no Brasil e ao redor do mundo. Sem distinção. A coluna é escrita pelo empresário e jornalista pernambucano Eduardo Martins.

Para envio de materiais, releases, sugestões e críticas: edmartins@gmail.com

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