Entrevista Com William Smethurst: "Não Nascemos Para Ficar Sentados" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Entrevista com William Smethurst: "Não nascemos para ficar sentados"

Revista Algomais

Exercitar-se é uma atividade que vai muito além do desejo de emagrecer. Na verdade, o movimento faz parte da natureza do ser humano, desde os tempos em que nossos ancestrais viviam nas cavernas. O educador físico e professor da UPE (Universidade de Pernambuco), William Smethurst, explica, nesta entrevista a Cláudia Santos, como as necessidades do Homo Sapiens por alimentação e sobrevivência, durante o processo de evolução, levou-o a uma intensa atividade física que estruturam o formato do seu corpo, a expansão do seu cérebro e da sua capacidade cognitiva.

Se hoje não já corremos para caçar nossa comida e, no conforto do sofá, com simples toques no celular, obtemos alimentação por delivery, não significa que prescindimos de exercícios físicos. Nosso organismo, tal qual o do nosso longínquo parente pré-histórico, continua dependente do movimento. Estudos científicos, segundo William Smethurst, comprovam como a prática regular de exercícios físicos contribuem para manter o organismo saudável e para prevenir e tratar doenças, como câncer e Alzheimer.

O educador físico também comenta a grande adesão dos brasileiros às corridas, mas – para a satisfação dos que preferem caminhar – afirma que as caminhadas oferecem os mesmos benefícios para a saúde do que correr. E o melhor: sem provocar riscos ao praticante, como pode acontecer com os corredores. 

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No início de sua evolução, o ser humano não tinha comportamento sedentário. Como essa característica ancestral impacta no corpo humano hoje?

Há cerca de 5 a 7 milhões de anos, uma certa espécie ancestral, ainda não bem definida pela ciência, dividiu-se em duas linhagens. Uma delas evoluiu para os grandes símios, como chimpanzés e gorilas, com corpos musculosos e compactos, adaptados à vida em bosques e florestas, onde encontram sua alimentação e sobrevivência. A outra linhagem deu origem aos Homo sapiens, caracterizados por corpos esguios, pelo andar sobre as duas pernas, um cérebro bem desenvolvido e com uma fisiologia adaptada à intensa atividade física que os constantes deslocamentos para a caça e a coleta de alimentos exigiam para a sobrevivência na vida terrestre.    

Portanto, nossos parentes mais próximos – os símios – têm níveis baixos de atividade física que não causam efeitos nocivos à saúde. Já nos seres humanos, pesquisas revelam que à medida que a anatomia e o comportamento mudaram nos últimos milhões de anos, a fisiologia também mudou de tal modo que passamos a precisar de níveis muito mais altos de atividade física para sermos saudáveis.

Para equilibrar a relativa fragilização do seu físico durante a evolução da espécie com as demandas de sobrevivência, o ser humano necessitou fazer uso extensivo do seu corpo, aprimorar habilidades percepto-motoras para realização de movimentos corporais cada vez mais complexos e precisos, além de desenvolver tolerância a esforços repetitivos e prolongados. Para dar conta dessa diversidade de novas demandas, o cérebro foi pressionado a expandir suas capacidades durante seu curso evolutivo. 

Assim, pode-se afirmar que foram principalmente os movimentos corporais, cada vez mais sofisticados e eficientes, dentro de um estilo de vida fisicamente muito ativo, que induziram as adaptações estruturais do sistema nervoso central. O que permitiu ao Homo sapiens diversificar e aprimorar suas relações com seus semelhantes, com o ambiente e outras espécies, desenvolver sua capacidade criativa e alcançar o nível hierárquico mais elevado na escala evolutiva.

Portanto, não nascemos para ficar sentados. Outro aspecto importante é que nosso coração é uma bomba que precisa ser poderosa para fazer o sangue circular por todo o corpo. Sabemos que o lado esquerdo do coração é muito mais robusto, mais volumoso, mais musculoso que o lado direito, que é menor. Mas, veja: a circulação sanguínea é um sistema fechado.  Como é que o sangue circula se, de um lado, há uma bomba poderosa para empurrá-lo, mas no outro lado a bomba que “puxa” é mais débil? Então, há algo ajudando esse lado menos forte que é a musculatura dos membros inferiores, do quadril, que deve estar em constante movimento ou em movimento tonificado, contraindo e relaxando, para manter a postura e ajudar o coração a bombear o sangue. 

Então, quem costuma fazer exercício de manhã, depois passa o restante do dia sentado, não tem uma vida muito saudável?

Michael Mosley, jornalista e médico, fez estudo em que comparou um escritor – que diariamente fazia duas horas de academia mas passava o restante do dia sentado – com uma moça que passava o dia em pé trabalhando e nunca foi a uma academia. Ele mostrou que todos os indicadores de saúde desse escritor eram piores do que os da moça. 

Por isso, é recomendado inserimos na nossa rotina os breaks, a cada 50 minutos para que possamos levantar, durante 5 a 10 minutos, para então voltar e depois sentar novamente.

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Se nascemos para o movimento, quais os prejuízos causados pelo comportamento sedentário?

Para que tenhamos um correto funcionamento do nosso organismo faz-se necessário que ele seja constantemente exposto às mesmas condições que proporcionaram seu desenvolvimento e aprimoramento no processo evolutivo. Do contrário, ele pode tornar-se disfuncional, o que, em médio ou longo prazo, degenera para condições patológicas crônicas. 

Está muito bem documentada a associação da inatividade física com o aumento do risco para câncer, doença coronariana, acidente vascular cerebral, diabetes, demência, dentre outras de caráter degenerativo e crônico. Do mesmo modo também está comprovado o quanto a prática regular de atividade física, juntamente com uma alimentação balanceada, é o principal fator de redução de riscos para essas doenças.

Como a prática de exercícios físicos ajuda a prevenir e tratar o câncer?

O corpo humano possui mecanismos autônomos de, digamos, “autorreparo” para, na hora que houver um distúrbio, esse sistema fazer o reparo antes que aquilo se torne catastrófico. Todos estamos sujeitos a ter alterações espontâneas no organismo, células que deveriam ser replicadas de forma perfeita, por vezes, podem sofrer mutações na divisão, gerando uma linhagem celular defeituosa que pode causar o câncer. O sistema imunológico busca essa célula que não está funcionando bem a fim de destruí-la. Mas para que isso funcione, é preciso exigir do corpo, movimentá-lo. 

Doenças que eram típicas da velhice – hipertensão, diabetes, colesterol elevado, câncer, demência –atingem década a década, faixas etárias mais precoces. O que é que explica isso? O desuso do corpo, que causa disfunção nesse “mecanismo de autorreparo”. Ou seja, nossa higidez, que é essa organização funcional perfeita, vai se alterando e surgem sinais de patologias. 

Os exercícios físicos previnem o câncer modulando as vias hormonais e inflamatórias, melhorando a função imunológica e alterando o metabolismo das células tumorais, bem como reduzindo seus fatores de risco, como a obesidade, o estresse e a inflamação crônica, e fortalecendo o sistema imunológico. 

No tratamento, os exercícios físicos aumentam a eficácia terapêutica, reduzindo seus efeitos colaterais. Além disso, ajuda a dificultar o crescimento tumoral pela diminuição da disponibilidade de nutrientes para o tumor, pela estimulação da atividade das células imunes e reduzindo o risco de metástase por meio de miocinas (espécies de proteínas), como a Irisina, IL-6 e IL-15, liberadas pela musculatura esquelética durante os treinos.

De que forma a prática de exercícios físicos ajuda a memória? Qual o impacto no Alzheimer?

A história evolutiva dos humanos explica por que a atividade física é importante para a saúde do cérebro. O estilo de vida de caça e coleta adotado por nossos ancestrais exigiu um grande aumento no padrão de atividade física, o que alterou não só a forma do corpo, mas aumentou o tamanho dos componentes cerebrais que potencializaram o desempenho cognitivo. 

Estudos recentes têm demonstrado como a atividade física estimula a neuroplasticidade (a capacidade do cérebro de se adaptar, do neurônio, por exemplo, formar novas conexões). Isso promove o aumento do fluxo sanguíneo cerebral e a produção de fatores neurotróficos, como o BDNF, que promovem o crescimento e a sobrevivência dos neurônios e preservam suas sinapses. Também promove a liberação e regulação de neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina, cuja desregulação está associada a problemas neurológicos e mentais, incluindo demência. 

Em relação à Doença de Alzheimer, além de todos os benefícios citados, sabe-se que as contrações dos músculos esqueléticos produzem e ativam uma miocina chamada irisina, que estimula as células cerebrais a secretarem uma enzima chamada neprilisina, que degrada as placas amiloides, que desempenham um papel central no desenvolvimento da doença de Alzheimer. Portanto, a prática suficiente e regular de exercícios físicos – de qualquer tipo – associada a um estilo de vida ativo na vida cotidiana, é a forma mais eficaz de obter benefícios para a saúde do cérebro. 

Por que uma pessoa que faz exercício físico tende a ter um sono melhor?

Exercícios físicos melhoram o sono por meio de vários mecanismos, como: aumentando a produção de adenosina no cérebro, que é um neurotransmissor que atua como um sonífero natural; estimulando a liberação de endorfinas, serotonina e melatonina, essenciais para regulação dos ciclos de sono-vigília, diminuindo os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, o que contribui para a redução da insônia, dentre outros. 

Contudo, é preciso ajustar a intensidade e o horário do exercício, pois treinos intensos perto da hora de dormir podem prejudicar o sono, mantendo a frequência cardíaca e o nível de adrenalina relativamente elevados, o que dificulta o relaxamento e a transição para o sono. É recomendado, portanto, que treinos mais intensos sejam concluídos pelo menos duas a quatro horas antes de ir para a cama. 

A corrida se tornou uma das atividades mais praticadas pelo brasileiro. O que o senhor acha dessa realidade?

São vários os motivos para esse aumento da popularidade: busca por saúde e bem-estar, acessibilidade e baixo custo, socialização e pertencimento, superação pessoal de desafios, influência das redes sociais, atratividade dos eventos, economia aquecida, marketing etc. Contudo vale alertar que correr é uma atividade física que pode ser bem intensa para uma parcela considerável de seus praticantes e isso requer uma adequada preparação antes de se iniciar nessa prática, além de uma constante vigilância para que ela não se torne em uma fonte de problemas devido a excessos e negligências. No mais, para quem está bem adaptado, sem dúvida, trata-se de uma prática salutar e prazerosa.    

O que é melhor: caminhar ou correr?

Você me faz uma pergunta bem complexa e, a bem da verdade, polêmica.  Mais uma vez precisaremos revisitar a evolução humana. Nos primórdios da nossa espécie, achar comida era a mais importante tarefa a ser realizada entre o alvorecer e o pôr do sol, e fazíamos o que fosse necessário para isso, mesmo que custasse nossa segurança e bem-estar. 

A caça era uma atividade árdua e a mais perigosa com esse fim, porque o nosso alimento em potencial estava vivo e fazendo o possível para assim se manter, fosse fugindo ou contra-atacando. Aqueles que dentre todos conseguisse correr mais e, manejando com mais habilidade a sua arma de caça, provavelmente seriam os mais bem-sucedidos do grupo.  

Porém, também para esses, os “acidentes de trabalho” certamente eram mais frequentes. É razoável considerar, portanto, que os deslocamentos constantes e provavelmente longos nas rotinas diárias desses indivíduos fossem preferencialmente feitos em um ritmo mais lento, o que permitiria mais segurança ao trilharem os caminhos rústicos da natureza. Acredito que nossos ancestrais só corriam por premência e não por preferência, pois era uma atividade de relativo risco e muito extenuante. Mas, foi nessa constante alternâncias de velocidades, ora para alcançar a caça, ora para fugir, que desenvolvemos características anatômicas e fisiológicas que hoje nos permitem marchar e correr competentemente. 

Que nós somos um dos melhores corredores de resistência da natureza e bem adaptados para isso, de fato somos. Mas se a corrida é algo tão natural, por que a ocorrência de lesões é tão alta, comparativamente à caminhada? A questão é que na natureza a corrida não era por quilômetros sem fim e nem no asfalto regular. Não havia planilhas rígidas de treino com metas semanais a serem batidas. Era uma corrida intercalada com caminhadas, variando muito de ritmo, o corredor tinha que estar muito atento às irregularidades do terreno, sentindo o impacto contra o solo e controlando mais o seu equilíbrio do que a velocidade. Provavelmente, não existia o prazer nem o “barato” da corrida, senão a angústia da necessidade.

Não resta dúvida que, modernamente, as corridas ofereçam benefícios significativos para a saúde física e mental, como a melhoria da saúde cardiovascular, o fortalecimento ósseo e muscular, a perda de peso, a redução do estresse e a melhoria da produtividade e do humor. No entanto, esses benefícios não são exclusivos da corrida, também são obtidos com a prática das mais diversas modalidades. 

Porém, a corrida particularmente pode acarretar desvantagens à saúde, incluindo risco de lesões, devido ao alto impacto nas articulações e músculos, e de overtraining (condição que surge do desequilíbrio entre treinos intensos e frequentes e a falta de recuperação adequada). Por isso, a modalidade impõe a necessidade de check-up médico prévio e repetido, dada a elevada carga de estresse físico em curto, médio e longo prazos, e por haver certas condições de saúde que contraindicam a prática. 

Os estudos mais importantes sobre exercício físico e saúde demostraram que uma maior redução de mortalidade é encontrada com níveis moderados de prática semanal de qualquer modalidade. Particularmente em relação a corridas, este benefício se daria com 1hora a 2,5 horas de corrida por semana, em ritmo leve a moderado. E não parece haver maior benefício para a saúde e longevidade quanto mais intensos e/ou mais volumosos forem os treinos. 

Também já foi visto que a mortalidade entre os corredores saudáveis de maior intensidade e volume de treinos não foi significativamente diferente da mortalidade apresentada entre pessoas inativas saudáveis. 

E quanto à caminhada como modalidade de exercício físico para a promoção da saúde? 

A caminhada é a atividade mais recomendada por ser a mais democrática, não exigir habilidade especial nem equipamentos, parceiros ou local específico para ser praticada. O único desafio é transformá-la num hábito. Caminhada pode ser feita a prestação. Quem tem pouco tempo para o exercício pode dividir em pequenas parcelas de tempo durante o dia e os benefícios para a saúde podem ser os mesmos da corrida, e praticamente sem riscos ao praticante. 

Muito popular entre adultos de todas as faixas etárias, é ainda pouco usual entre os jovens. Mas, a caminhada pode ser uma aliada importante para reverter o crescente sedentarismo nesse grupo populacional e pode facilmente ser tornada atraente se forem incorporados elementos lúdicos ou desafios que estimulem a criatividade e o prazer, como o trekking ou uma caminhada por um roteiro instagramável. 

Por fim, pela pouca exigência de esforço físico, a caminhada praticamente não tem contraindicações, adequa-se a qualquer faixa etária e normalmente não exige exames médicos preliminares, a não ser como uma medida de cautela em casos individuais muito específicos.

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