1817: O Estado que aprende a conviver com a seca - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

1817: O Estado que aprende a conviver com a seca

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Uma grande seca que acometeu Pernambuco em 1816 foi mais um dos elementos que impulsionou a Revolução de 1817. Cerca de 20 anos antes, a então província já tinha sofrido com a maior estiagem do século 19. A memória do sofrimento passado e a inércia de Dom João VI com a nova escassez fervilharam entre a população e entre os senhores de engenho. Duzentos anos depois, vivemos nada menos que seis anos de seca severa, mas o resultado é muito diferente. Mesmo sem a inauguração da Transposição do São Francisco (projeto que foi mencionado pela primeira vez ainda por Dom Pedro II), o cenário não tem mortes, saques ou êxodo rural.

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João Suassuna, pesquisador da Fundaj. Foto: Piera Lobo

Na análise do pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), João Suassuna, em secas passadas não havia a menor estrutura para o nordestino, em especial os pequenos produtores. “Não tinha outra alternativa, a população tinha que sair da região, senão morria”. Ele data o período da mudança. “Isso aconteceu até pouco mais de 10 anos. Quando houve uma grande mudança que foi a inserção das tecnologias de convivência com o Semiárido, que começaram a circular e foram difundidas no meio rural. Essas tecnologias estão, sim, fixando o homem no campo, mesmo na época seca”, afirma o especialista.

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Em 1999 é fundada em Pernambuco a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e lançado o programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). As propostas só ganham força no ano de 2003, quando há um compromisso do Governo Federal de apostar na alternativa.
A marca de um milhão de cisternas (de 16 mil litros) foi atingida no Semiárido. Há uma estimativa da ASA de que sejam necessárias atualmente mais 350 mil para universalizar a estrutura na região. Além disso, outro desafio é construir também a chamada cisterna da “segunda água” (52 mil litros). Enquanto a primeira tem por meta o consumo humano, essa segunda permitirá ao homem do campo também fazer pequenos cultivos mesmo nos meses de estiagem.
“Estamos vivendo uma das grandes secas. Possivelmente em termos de duração a maior que todas as anteriores. Se essa mesma seca fosse há 30 anos estaríamos vivendo numa calamidade”, afirma Antônio Barbosa, coordenador do Programa P1+2 da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). Ele faz referência justamente ao período de falta de chuvas ocorrido de 1979 e 1983, quando morreram um milhão de pessoas. “Hoje, não vemos sequer migrações em peso ou saques. Hoje a população que vive no meio rural tem mais água que as pessoas que moram nas cidades do interior”.

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Antonio Barbosa. Foto: Adriana Noya

Na análise de Barbosa, as raízes da indústria da seca estariam inclusive na Revolução de 1817, período em que a população se rebelou contra a insensibilidade dos portugueses em socorrer as vítimas da falta de chuvas. Como o movimento pernambucano foi muito forte, a Coroa portuguesa temeu. Tanto se amedrontou que após decretada a independência, na elaboração da primeira Constituição do Império, ficou registrado que em casos de calamidade, estiagens ou cheias, o Estado brasileiro precisaria intervir. “Quando isso foi definido, foi com base na experiência da seca de 1816. A partir de então a Coroa teve um nível de desconfiança muito grande, preocupada com o surgimento de algum movimento”, justifica Barbosa.
Nasce, então, a indústria da seca. “A partir disso, o governo entra para acudir os fazendeiros e não a população. São construídos os grandes açudes, os grandes reservatórios, sobretudo para salvar não as pessoas, mas o plantio”, recorda Barbosa.
Além da oferta da água pelas cisternas, outra mudança que garantiu a permanência do homem no interior foram os programas de distribuição de renda voltados para as famílias mais carentes. “Apesar da histórica promessa de Dom Pedro II de que ‘Venderia até a última joia da coroa, mas solucionaria o problema da seca no Nordeste’, dois séculos se passaram e o problema persiste. A grande diferença daquele tempo para os dias atuais, é que os programas de renda mínima, adotados no Brasil, permitem que as pessoas mais pobres tenham como se sustentar nesses tempos tão difíceis. Assim, diminui o clamor social, ainda que haja uma das situações mais duras do ponto de vista da seca”, destaca Roberto Tavares, presidente da Compesa.

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Roberto Tavares, presidente da Compesa

Em paralelo ao trabalho da construção de cisternas pelo interior nordestino, o Governo Federal está prestes a inaugurar a Transposição do São Francisco (projeto que tem sido alvo de muitos elogios e críticas). Pelo Governo de Pernambuco, nos últimos 10 anos, houve um amplo investimento em ampliação da infraestrutura hídrica através da Compesa. “O presente é duro, mas nosso futuro de médio e longo prazo é extremamente promissor. Quando as obras que estão sendo tocadas estiverem concluídas, e muitas estarão prontas nos anos de 2017 e 2018, nosso Estado viverá tempos de prosperidade com relação à água. Teremos segurança hídrica para as gerações que vierem pelos próximos 200 anos... basta que cuidemos do meio ambiente e coloquemos o tema recursos hídricos na mais alta prioridade”, diz Tavares.

(Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais)

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