No Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial (21), o projeto Caminhos da Alimentação alerta que falta de acesso a renda, rede de apoio e oportunidade no mercado de trabalho expõem famílias chefiadas por mulheres negras à fome. Fotos: João Velozo
De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiares, 57% das famílias chefiadas por mulheres negras na região Nordeste sofrem com a insegurança alimentar, enquanto a média nacional para o mesmo grupo populacional é de 51%. Os números que refletem os diferentes níveis da fome no País com perspectiva de gênero e raça são o ponto de partida do projeto Caminhos da Alimentação: o que chega à mesa das mulheres negras, realizado pela Gênero e Número, em parceria com a FIAN Brasil e com o apoio do Instituto Ibirapitanga.
No Brasil, a renda média per capita das famílias chefiadas por mulheres negras equivale a menos da metade da renda das famílias chefiadas por homens brancos. Já no Nordeste, a única situação em que o homem branco chefe de família tem renda inferior à mulher negra chefe de família é na condição de insegurança alimentar grave, uma vez que ele recebe R$ 36 a menos que ela. Além da renda, fatores como a sobrecarga de trabalho e falta de acesso a creches também influenciam na fome que ronda os lares liderados por mulheres negras.
EM VULNERABILIDADE
Conceição Mendes, 42 anos, é uma das quatro mulheres negras chefes de família acompanhadas pelo projeto Caminhos da Alimentação. Sua única renda são R$ 700 do Bolsa Família – que até pouco tempo eram R$600. Desse valor, ela usa R$ 150 para pagar a parcela do barraco onde mora e mais R$ 135 para comprar fraldas e remédios para dois de seus três filhos, de quem cuida sozinha. O que sobra é destinado à compra de alimentos – em sua maioria ultraprocessados – na barraquinha próxima a sua casa.
Vitória Régia da Silva, diretora de conteúdo da Gênero e Número e uma das coordenadoras do projeto
“Ainda que famílias chefiadas por mulheres negras do Nordeste sejam as principais impactadas pela insegurança alimentar, a região tem uma cultura alimentar rica em alimentos in natura ou minimamente processados, que compõem a maior parte da cesta (55%), enquanto alimentos ultraprocessados a menor (14%). Nosso objetivo é compreender como essa variedade contrasta com um imaginário social fora do Nordeste, que associa a região à fome e à pobreza”.
Caminhos da Alimentação: o que chega à mesa das mulheres negras
Lançado em março de 2024, Caminhos da Alimentação é um projeto multimídia que acompanhou a rotina de quatro mulheres negras chefes de família de Pernambuco para retratar as complexidades que influenciam o que chega à mesa delas, que representam o maior grupo demográfico do Brasil. O cotidiano alimentar e de vida delas foi transformado em dados, que revelam que a segurança e a insegurança alimentar entre as mulheres negras envolve diversos fatores sociais, como sobreposição de jornadas de trabalho, renda, acesso a transporte e saúde.
“A partir do levantamento e da análise de grandes e pequenas bases de dados, entrevistas com especialistas e das histórias de Gercina, Claudecir, Conceição e Lindalva, queremos posicionar as mulheres negras nordestinas no centro do debate pelo acesso à comida de verdade. Buscamos humanizar esses dados e reforçar a importância que a perspectiva de gênero, raça e território não deve ser um recorte, mas a base das políticas públicas de combate à fome no nosso país”, destaca Vitória Régia da Silva, diretora de conteúdo da Gênero e Número e uma das coordenadoras do projeto.