O futuro da mobilidade urbana

*Por Rafael Dantas

Engarrafamentos quilométricos, fumaça saindo pelo cano de escape dos automóveis nas ruas, ônibus e metrôs lotados compõem o estresse cotidiano da mobilidade da maioria das grandes cidades. Fatores econômicos, tecnológicos e até geopolíticos, no entanto, estão apontando para algumas trans- formações no deslocamento nas metrópoles no médio e longo prazos. A descarbonização das frotas de veículos particulares, o maior incentivo ao transporte público e mais investimentos na mobilidade ativa, multimodal, estão no horizonte da reorgani- zação urbana mais sustentável e mais humana.

O fotógrafo Alexandre Albuquerque, 62 anos, deixou de ter um automóvel há cinco anos. Desde então, passou a usar trans- porte público em deslocamentos mais distantes e bicicleta para pequenos trajetos, que algumas vezes são feitos a pé mesmo. Com a pandemia, deixou de usar o ônibus, que foi substituído pelo serviço de corridas por aplicativo. Motivações financeiras, do custo elevado de manter um carro, e mesmo de comodida- de, pela dificuldade de estacionamento, o levaram a esse novo padrão para se locomover.

“Quando me aposentei, percebi que o carro ficava muito tempo na garagem. Vi que era vantagem financeira vender o veículo e usar os aplicativos de corrida quando precisasse. Era por comodidade também, para não se preocupar mais em estacionar e ficar livre para tomar uma champanhe ao sair para uma festa ou evento”, explica Alexandre.

A preocupação ambiental também reforçou essa decisão. “A questão ecológica também me motivou. É um carro a menos na rua. Menos trânsito. Eu e minha esposa temos bicicleta. Fazemos muitas compras perto de casa também, vamos andando. Hoje a possibilidade de voltar a ter um carro é ínfima. Se em algum mo- mento precisar comprar, será um elétrico. Mas até hoje não senti- mos falta em hora nenhuma”, afirma o fotógrafo. Com a redução das contaminações na pandemia, ele pretende também voltar a andar de ônibus.

Alexandre conta ter muitos amigos que também deixaram o carro de lado e migraram para as bikes ou outras formas de deslo- camento. O comportamento de Alexandre evidencia tendências da sociedade que foram reforçadas com a pandemia e que po- dem direcionar as políticas para o ordenamento da mobilidade. Entretanto, acende um alerta para a redução do uso dos coleti- vos. Assim como o fotógrafo, muitas pessoas deixaram de se lo- comover nas cidades de ônibus e preferiram os serviços de carros compartilhados, como o Uber, e tiveram aqueles que aumentaram o uso do carro particular.

O consultor em mobilidade e do núcleo de mobilidade urbana do Insper, Sergio Avelleda, analisa a questão e afirma que duas mudanças provocadas pela crise da Covid-19 trouxeram novas pressões para o complexo financiamento do transporte público. “Na pandemia surgiram modificações que podem ser permanen- tes. O home office, que era uma prática embrionária, se tornou muito mais comum nas empresas. Isso promove diminuição das viagens nas cidades e essa redução está levando a uma crise no transporte público, pois diminui as receitas. Essa situação poderia vir a reduzir o trânsito também. Mas uma das tendências que no- tamos foi o aumento do uso do carro, pois as pessoas passaram a ter medo de usar os ônibus devido ao receio de contaminação. Mas não podemos simplesmente assistir a essa tendência, é pre- ciso agir para derrubá-la, pois o transporte particular é ineficiente para as cidades”, afirma Sergio Avelleda.

Para enfrentar esse cenário, Marcelo Bandeira, conselheiro de inovação na NTU (Associação Nacional das Empresas de Trans- portes Urbanos), sinaliza que há uma grande expectativa pela criação de um marco regulatório para o transporte público. “Não se trata apenas da atualização da legislação que ampara o setor, mas da garantia que o transporte público seja efetivamente exercido como um direito social, que o transporte coletivo tenha prioridade sobre o transporte individual motorizado. Na esteira dessa discussão, outra transformação extremamente relevante serão as alterações nos modelos de financiamento. Esse tema está em discussão em praticamente todos os sistemas de transporte do País e as conclusões apontam para a adoção de fontes extratarifárias para ajudar a custear o transporte público, especialmente aquelas que se originam na propriedade e uso do transporte individual motorizado”.

A questão do transporte público, segundo Bandeira, implica ainda num direcionamento indispensável para promover as mu- danças necessárias às cidades: o alinhamento do planejamento urbano com o planejamento da mobilidade. “Esperamos a adoção de estratégias de desenvolvimento orientado ao transpor- te sustentável, promovendo adensamento em áreas dotadas de infraestrutura de transporte, contendo o espraiamento urbano, criando novos núcleos e reduzindo a necessidade de deslocamentos para acesso aos serviços e às oportunidades das cidades. Podemos antecipar que a incorporação de novas tecnologias impactará sensivelmente o transporte e a mobilidade das pessoas”.

O conselheiro da NTU considera que esses avanços vão reduzir o impacto ambiental dos transportes e promover alterações im- portantes na prestação do serviço público. Mas não são os únicos. “Outra tendência clara que podemos observar é a busca por maior eficiência energética e a descarbonização do transporte. Novas tecnologias devem ser discutidas e o debate irá bem além da eletrificação da frota, devendo ter como norte as necessidades do cliente. Também esperamos que se consolide a inversão das prioridades nos sistemas de mobilidade e nos centros urba- nos e que os investimentos e atenção dos governos migrem do transporte individual motorizado para a mobilidade ativa e para o transporte público. Os meios coletivos e não motorizados devem ser protagonistas na transformação dos meios urbanos e são o caminho para a construção de cidades mais justas, equilibradas e sustentáveis”, afirma Bandeira.

MUDANÇA TECNOLÓGICA NO HORIZONTE

A substituição dos combustíveis fósseis inicialmente para a ma- triz elétrica e posteriormente para o hidrogênio estão na pauta da indústria automobilística, na avaliação do doutor em engenharia elétrica e professor da UFPE, Pedro Rosas. “Podemos pensar em diferentes tempos para prever as mudanças na mobilidade. Para os próximos 5 ou 10 anos, haverá uma adaptação ao sistema elétrico, com carros e motos elétricas. Isso é uma tendência que não tem volta. A redução do custo de manutenção, da poluição e do ruído são algumas das forças que levaram a sociedade a seguir por esse caminho. Essa migração será rápida”.

O docente afirma, no entanto, ter dúvidas se no longo prazo a mobilidade permanecerá elétrica ou se o carro elétrico que observamos chegar às concessionárias e às ruas hoje será apenas um meio de transição para outro combustível, como o hidrogênio. “A Comunidade Europeia está investindo muito forte na produção de hidrogênio. No primeiro momento focado no verde (proveniente de fontes renováveis), mas depois se observou que só verde não atenderá toda a demanda. Estão falando de investimentos entre € 50 bilhões a € 100 bilhões nesse mercado. É possível que o setor de transporte tenha proveito dessa situação, que levaria a uma nova disrupção ou transição do elétrico para hidrogênio”.

O avanço dos sistemas de metrô e trem enfrenta o desafio do in- vestimento mas são as melhores alternativas para altas demandas de passageiros. “A tendência das cidades maiores é a implantação ou ampliação das frotas de trem pois são sistemas de alta capaci- dade, ao qual nenhum outro modal se iguala. Além dos metrôs, a mobilidade de ônibus movida a bateria elétrica tem ganhado larga escala no mundo, numa transição acelerada em países como China, Holanda, Colômbia e Chile”, afirma Sergio Avelleda.

Leia a reportagem completa na edição 199.4 da Algomais: assine.algomais.com

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