Coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, Sérgio Xavier, compartilha do entendimento da ministra Marina Silva de que a propagação das queimadas no País teve o envolvimento do “terrorismo climático”. Ele defende um novo modelo econômico que respeite a natureza como solução para os eventos extremos.
Com 40 anos de militância na área ambiental, Sérgio Xavier, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, afirma que, nessa luta, as vitórias são provisórias e as derrotas, muitas vezes, são para sempre. “Mas é preciso persistir”, ressalva, esperançoso. E é com esperança que propõe a união de governos, sociedade e setores empresariais em prol da mudança do modelo econômico para encontrar soluções para eventos extremos e tragédias como as queimadas que ardem em boa parte do País. O fórum é uma iniciativa do Governo Federal e visa justamente a promover a articulação entre órgãos e entidades públicas e privadas para construir a política climática no Brasil.
Ele, porém, concorda com o entendimento da ministra Marina Silva de que a proporção que as queimadas tomaram este ano deve-se à ação criminosa. Mas, para comprovar que é possível preservar a natureza e gerar negócios e renda, Xavier – que já foi secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco – fala, nesta conversa com Cláudia Santos, sobre projetos que têm essa visão, como o Lab Noronha. Instalado onde havia um lixão na ilha, o laboratório realiza pesquisas como a que estuda obtenção de energia a partir de resíduos orgânicos e de plantas nocivas que invadiram a floresta do arquipélago.
Já no Laboratório da Caatinga, foi criado um fundo de crédito de carbono para remunerar pequenos proprietários que mantêm suas áreas preservadas. Há ainda um estudo que investiga possibilidade de usar os resíduos orgânicos das cidades e transportá-los para áreas que estão em processo de desertificação. “Trata-se de um conjunto de material, como casca de fruta, restos de comida, que enriquece o solo e é muito úmido”, explica Xavier com a esperança de que tais experiências sejam multiplicadas pelo País.
Para começar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima?
O fórum é um instrumento para a construção da política climática no Brasil. Ele faz a ligação da sociedade civil com o Governo Federal, e estamos ampliando a sua atuação para que se conecte com os governos estaduais e municipais, porque o fórum é composto pelos setores acadêmico, empresarial, ONGs e os governos subnacionais.
Estamos criando câmaras temáticas sobre assuntos relacionados com a mudança climática, compostas por todos esses setores e que fazem uma ligação direta com o Comitê Interministerial de Mudança do Clima que é o lugar do Governo Federal que tem uma visão transversal dessas políticas. O CIM é a sigla e compreende 22 ministérios, coordenado pela Casa Civil. É o lugar onde o fórum pode levar as propostas e ter um encaminhamento. O fórum é ligado diretamente ao presidente da República, na verdade, ele preside o fórum, eu sou o coordenador executivo.
Como o Fórum tem atuado no tocante às queimadas?
Ao que parece é uma ação orquestrada, fala-se até em infiltração de organizações criminosas. Há indícios fortes e até provas de crimes nessas queimadas. É uma confluência de problemas porque há uma seca grande no Brasil e quando se junta essa situação com o fogo é uma combinação explosiva. Agora, esse é um indicador de que o modelo econômico é degradador. Atividades que usam fogo para fazer algumas ações em áreas rurais não deveriam existir, o fogo já poderia ter sido substituído por outras tecnologias. Sabemos que o material orgânico, enriquece o solo, então não haveria necessidade de queimar esses materiais. Mas tudo indica que tem ali um terrorismo climático, como a ministra Marina Silva tem falado.
Pessoas inescrupulosas estão incendiando lugares ou para causar tumulto, causar problemas para o Governo Federal por questões políticas, ideológicas ou por falta total de responsabilidade. Esse é um desafio da sociedade inteira, vemos os resultados desse problema na vida das pessoas, no campo e nas cidades, a fumaça está chegando em todos os lugares. A solução para isso é essa visão que o fórum tem de interligar todos os setores fazendo planos integrados de ação que envolvem prefeituras, governos estaduais, federal, diversos ministérios, a sociedade civil, as comunidades, a academia, o setor empresarial. E é nesse espaço das câmeras técnicas e dos laboratórios que estamos criando uma rede do fórum, onde a gente pode encontrar soluções mais consistentes envolvendo toda a sociedade. Mas é uma construção desafiadora, que está em processo ainda.
Já se tem uma ideia do tamanho desse prejuízo?
Estou há mais de 40 anos no ativismo ambiental, já estou calejado nesse desafio de estar sempre persistindo porque nessa área cada vitória é provisória, cada perda é para sempre. Quando você perde uma espécie, um ecossistema, uma floresta, isso é para sempre. Pode até recompor, mas não será como antes, a biodiversidade foi perdida. Agora, as vitórias são provisórias porque amanhã pode aparecer alguém que queira destruí-las. Hoje está havendo uma grande mobilização da sociedade e acho que a inteligência, a capacidade de articulação, a tecnologia e a ciência vão vencer esse desafio.
O senhor mencionou querer agregar também os estados, e muitas das responsabilidades para combater as queimadas também estão na esfera estadual.
Exato, na verdade, a responsabilidade é de toda a sociedade. O meio ambiente é um bem comum, interessa a todas as pessoas, não só de hoje mas, também, as próximas gerações. Interessa a todos os tipos de espécies que existem no planeta. Precisamos criar rapidamente a mudança dos paradigmas da atual economia que traz vantagens para quem desmata, queima e polui, porque faz crescer o PIB. Muitas vezes, guerras fazem o PIB crescer, geram negócios em diversos setores. Precisamos criar uma economia em que os modelos de negócios tenham um compromisso com a regeneração, note que eu não estou dizendo compensação ambiental.
Qual a diferença?
A diferença é que na compensação você desmata e planta em outro lugar para compensar, não acrescentou nada. Precisamos recuperar o que foi degradado, já passamos do limite do ciclo do carbono, logo, temos que capturar muito carbono e a melhor forma é plantando florestas. Mudamos o solo em diversos lugares, o que está levando a processos de desertificação, como no semiárido. Precisamos recompor essas áreas. Estamos emitindo muito CO2 por combustíveis fósseis, temos que mudar a matriz energética, embora o Brasil tenha uma matriz muito limpa.
É na economia que está esse desafio da mudança, precisamos criar um processo em que quem polua tenha muito problema e quem recupera, muitas vantagens. Desenvolvemos na confluência da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergipe, no Rio São Francisco, no Laboratório da Caatinga, o modelo de um fundo de crédito de carbono para remunerar os pequenos proprietários em cooperativas que mantêm suas áreas preservadas.
Se começarmos a mostrar que quem preserva a sua área – mesmo quando a lei permite que a desmate – pode ter direito a um crédito de carbono, a uma renda extra, o proprietário vai evitar queimar e desmatar. Também é necessário ajudar essas comunidades a usarem melhor os biomas, explorar outras atividades econômicas que sejam com a floresta em pé.
E em relação ao agronegócio, que desmata áreas extensas para plantar só um tipo de vegetação, como é possível reverter esse quadro?
Existem soluções tecnológicas e financiamentos para isso. Sistemas agroflorestais são um exemplo, em que se pode mixar florestas, área de cultivo, criação de gado de forma mesclada, ou seja, acabar com aquelas áreas onde há milhares e milhares de hectares só com uma cultura. Esse mix que é o que a natureza faz, gera uma produtividade até maior, porque terá mais polinizadores. As abelhas estão sumindo porque não têm mais um lugar onde possam até se abrigar. A biodiversidade está empobrecendo o que gera uma cadeia de perda em todo um ecossistema que também influencia na agricultura.
Usar ou não agrotóxico é uma questão prática de envenenar ou não, de matar espécies ou não, de buscar controles orgânicos ou não. Já passamos dos limites de potássio, de nitrogênio, de fertilizantes tóxicos, de transgênicos. A agricultura já está criando um problema muito sério que vai gerar um colapso depois. Mas, há setores do agronegócio mais modernos, com visão científica e conhecimento sobre melhores formas de produzir do que as atuais, que são ultrapassadas e insustentáveis. Hoje, se continuar do jeito que está, vai faltar chuva e o próprio negócio dos grandes agricultores vai ser perdido.
Como estão os projetos de transição energética?
Essa é uma área com várias contradições, o Brasil é o país com a matriz mais renovável do planeta. Temos hidrelétricas, energia solar, eólica numa proporção muito grande, comparando com outros países. Existem muitos lixões ainda no Brasil que poderiam ser convertidos em usinas de geração de energia a partir do biogás. E há outras tantas possibilidades que poderiam ser utilizadas, energia de maré, por exemplo.
O Brasil tem esse potencial, mas ainda existe um setor muito abraçado às velhas energias, como os combustíveis fósseis. Ainda vemos essa discussão sobre exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, que é inadequada para as oportunidades que o Brasil tem. O País podia ser líder em energia solar, em hidrogênio verde. Temos um sistema elétrico mais interligado do mundo. O Brasil tem um conjunto de possibilidades que poderia exportar soluções na área de energia e infelizmente ficou parado.
Quando eu estava na universidade, nos anos 1980, sonhava que o Brasil poderia investir muito em energia solar. Se o País tivesse investido nesse setor – porque é muito simples fabricar uma placa solar – poderíamos ser um grande exportador dessa tecnologia. Mas compramos as placas da China. Poderia ser uma grande possibilidade para a economia do Nordeste. Mas ainda está em tempo.
Existem denúncias quanto à algumas áreas de geração eólica e solar, que tem causado prejuízos para os moradores e desmatado para implantar esses sistemas. Como essa questão tem sido tratada no fórum?
Excelente pergunta. Precisamos investir em novas tecnologias sustentáveis, em energias renováveis, mas a partir de um novo modelo que envolva as comunidades. Os investidores desse setor estão usando o mesmo formato da economia do século passado, que é chegar numa área, atropelar tudo, desmatar, não se preocupar com as pessoas. Tem gente com problemas sérios de saúde em razão do ruído e até com as sombras das torres eólicas. Conversei com uma pessoa que morava perto de uma dessas torres e a sombra ficava na grande parte do dia, na frente da janela dela, e ela não aguentava essa situação.
Há problemas com animais, com pás que quebram e caem nas casas das pessoas. Acho que o setor deveria fazer todo um plano para corrigir esses erros porque o caminho vai ser energia eólica e solar, mas a gente precisa fazer um modelo em que a população participe desde o princípio. Quando há um projeto desse, sabe-se com antecedência onde vai ser construído, então daria para o governo chegar um pouco antes, treinar as pessoas para acessarem os melhores empregos nesse setor. Existem muitas escolas técnicas no Nordeste hoje, elas poderiam adaptar os cursos para as demandas da região. Falta esse planejamento mais integrado.
Como estão os resultados do Lab Noronha, que o senhor implantou?
Fizemos o primeiro Laboratório de Economia Regenerativa do Brasil, ou seja, queremos provar que é possível criar modelos e negócios que regeneram o meio ambiente e, ao mesmo tempo, geram emprego, renda, resultados para as empresas. Escolhemos o pior lugar de Noronha, que era um lixão, para fazer essa demonstração. Já recuperamos grande parte de uma área que estava ocupada por resíduos. O prédio deve ser inaugurado até dezembro. Mas já desenvolvemos vários negócios, vários modelos que integram diversos setores e geram resultados interessantes.
Descobrimos que alguns problemas da ilha podem ser resolvidos com modelos de negócios inovadores e viáveis economicamente. Exemplo: Noronha tem um problema de resíduos, é muito caro manejá-los, eles têm que voltar para o continente. A ilha também está com toda a sua área florestal invadida por espécies nocivas, e há também a urgência de energia renovável. Estamos desenhando um negócio que usa as plantas invasoras e lixo orgânico como matéria-prima para gerar energia renovável. Com a receita da energia serão financiados os viveiros para plantar e repor as espécies nativas. Essas ideias são viáveis e o que está dando certo, levamos para Bahia, para Alagoas, para o interior de Pernambuco. Estamos montando laboratórios similares no interior.
E na Caatinga, quais os novos tipos de negócios que podem surgir?
O principal negócio é a própria Caatinga. A Caatinga de pé pode gerar pequenas bioindústrias com milhares de possibilidades com as espécies que sequer são estudadas. Ela pode ser um grande captador de carbono porque cada hectare do bioma, em média, segundo estudo da Embrapa, captura por ano 5,2 toneladas de carbono. Se a gente multiplica isso por um valor relevante, vale a pena o produtor, que não tem às vezes nem como usar aquela área, preservá-la para receber esses recursos.
Estamos testando um fundo de carbono em cooperativas para viabilizar isso em Floresta, e escolhemos a cidade até pelo nome. Existem outras possibilidades inovadoras. Vou dar uma notícia em primeira mão para você: estamos fazendo um estudo sobre a possibilidade de usar os resíduos orgânicos das cidades – que vão para aterro sanitário, gerando custos para as prefeituras – e transportá-los para áreas que estão em processo de desertificação. Trata-se de um conjunto de material orgânico, como casca de fruta, restos de comida, que enriquece o solo e é muito úmido. Ao depositá-lo, todo dia, em áreas que estão em erosão, que estão morrendo, é possível que esse solo se recupere.
Falando agora do litoral, como o Fórum tem tratado a questão do aumento do nível do mar?
O Recife tem que ter muita atenção a isso porque os indicadores são muito críticos. O nível do mar está aumentando. Aliás, essa é uma das vulnerabilidades de Pernambuco. Não se tata de um avanço do mar, nós é que avançamos sobre ele, construindo perto demais da praia. O oceano é muito forte e precisa de espaço. Além disso, ele está recebendo mais calor, é como se dilatasse a água, e ocorre ainda o derretimento das geleiras. Tudo isso faz com que os oceanos ganhem a cada ano uma altura maior.
Quando combina esse quadro com a maré cheia, com ventos, chuvas fortes etc., o Recife fica numa situação crítica, porque há os rios trazendo muita água. É importante pensarmos em soluções de cidade esponja. Existem estudos que mostram ser preciso ter parques mais espalhados pela cidade, áreas mais naturais para absorver água, precisa ter todo mundo captando chuva nas suas casas, nos seus edifícios.
Vai chegar um tempo em que vamos levar essa água para o Sertão, porque vai faltar lá. O Rio São Francisco está morrendo ano após ano. Se a gente equipa a região metropolitana para capturar água e canalizá-la, podemos resolver problemas de inundação na RMR ao levar água para o interior. Não tenho dúvida que isso vai ser necessário. Se eu pudesse colocar uma sugestão para os planejadores, eu colocaria que pensem num grande sistema hídrico de captura de água na região metropolitana e em formas de levar essa água para o interior.