Você já imaginou poder saborear todos os dias um tipo diferente de feijão na hora do almoço? Enquanto estamos acostumados a comer apenas o carioca e o mulatinho ou vez por outra o preto dentro da feijoada, só no Agreste Meridional pernambucano foram mapeadas 34 variedades, com diferentes cores, texturas, tamanhos e sabores. Essa descoberta partiu de uma pesquisa realizada pelo extensionista rural do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) Pedro Balensifer, que desde 2012 faz esse inventário nas propriedades rurais familiares e bancos de sementes crioulas (sementes locais que são passadas de pai para filho, conservadas e manejadas por agricultores familiares).
Provavelmente você nunca viu em nenhuma prateleira de supermercado o feijão fogo na serra (vermelho) ou não tenha experimentado em nenhum restaurante a variedade enxofre, com aspecto amarelo, ou o leite, que é bem branquinho. Os nomes são dados pelos próprios agricultores, que escolheram alcunhas ainda mais curiosas para os feijões, como o carrapatinho e o chitadinho. A região escolhida para a pesquisa compreende os municípios de Angelim, Calçado, Canhotinho, Garanhuns, Ibirajuba, Jucati, Jupi, Jurema, Bom Conselho, Lajedo, São Bento do Una e São João, que formam o território produtivo do feijão em Pernambuco, sendo responsável por um quarto dessa cultura no Estado. O Brasil é o terceiro maior produtor de feijão do mundo, sendo responsável por 12% da produção mundial, tendo toda produção praticamente absorvida pelo mercado interno”.
Após identificar e provar dessa diversidade, o pesquisador se detém agora a estudar no Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) a razão desses produtos não chegarem na mesa dos pernambucanos. “Esses agricultores seguem cultivando esses feijões porque gostam de consumir ou mesmo por tradição dos pais, já que são variedades que atravessam gerações”, afirma Balensifer.
Sem interesse da indústria e dos atravessadores que compram nas feiras, essas sementes já teriam sumido se não fosse a persistência dos produtores. “Muitos desses feijões são bastante saborosos, mas ficam marginalizados no mercado. Os agricultores continuam produzindo, mas encontram dificuldades de obtenção de renda com seus produtos, especialmente pelos baixos preços pagos por intermediários, já que uma minoria tem acesso à venda direta ao consumidor. Assim, um dos grandes desafios para a produção da agricultura familiar consiste no quesito comercialização, principalmente das variedades crioulas”, explica.
FEIRAS
As feiras agroecológicas de Pernambuco podem ser uma alternativa para escoamento dessa produção, na análise do extensionista. “Essas feiras já comercializam uma vasta biodiversidade de produtos que não encontramos nos supermercados, além de possuírem um tipo de consumidor disposto a buscar sabores diferentes e interessado em comprar diretamente dos produtores”, aponta Balensifer. Enquanto não encontram os caminhos que levem esses produtos para a mesa dos consumidores, Pedro relata que diversas estratégias de comercialização solidária vão garantindo o escoamento dessa produção, como a troca entre famílias produtoras e as vendas em circuitos locais, em pequenos mercados.
Para reverter esse quadro de desinteresse e ampliar o acesso da população aos produtos locais, ele afirma ser necessário um processo de reeducação alimentar da população. “O cardápio típico que temos na nossa mesa e que está à venda nos supermercados é fruto de um processo de padronização da indústria de alimentos e de propaganda da grande mídia televisiva”. Ao consumirmos essas variedades ajudaríamos a conservar a biodiversidade agrícola e a própria história da agricultura”, defende o pesquisador. Ele conta que, no mundo, os feijões começaram a ser cultivados há 5 mil anos no México. “A continuidade de tantas variedades é fruto do trabalho de manejo dos agricultores ao longo de muito tempo”.
Em um esforço de articulação dos agricultores, órgãos públicos e sociedade civil organizada para garantir a continuidade dessas culturas foi criada a Rede de Sementes Crioulas do Agreste Meridional de Pernambuco (Rede Semeam). Essa organização promove feiras de troca de sementes crioulas, palestras, seminários e formação de Bancos Comunitários de Sementes com o objetivo de resgatar e conservar a biodiversidade agrícola da região.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@revistaalgomais.com.br)