Até pouco tempo, o pernambucano frequentava a padaria para comprar apenas o pão francês fresquinho e, no máximo, um litro de leite ou, quando muito, um pão doce. Nos últimos anos, porém, as prateleiras das panificadoras se multiplicaram e passaram a comercializar também cervejas artesanais e vinhos, produtos industrializados e algumas delas oferecem, até mesmo, as três refeições. O comportamento de seus clientes também se modificou e eles passaram a permanecer mais tempo nos estabelecimentos.
Exemplo dessa mudança é a Padaria Nova Armada, situada no bairro da Torre. Administrada por família de portugueses desde 1970, ela passou por uma reforma em 2004 e a partir de então começou a oferecer as refeições diárias. “Antes era uma padaria de balcão bem tradicional, que oferecia cerca de 50 itens, como pão, leite e presunto”, conta Manoella Villaça, uma das proprietárias. Após a repaginada, a padaria ampliou em 70% o mix de produtos, oferecendo 200 itens de produção própria e o faturamento cresceu em 25%. As sócias, Manoella e a sua prima Andrea Villaça, passaram a inserir no cardápio opções tão variadas como sushi, feijoada, tapioca, camarão, coxinha, bolos e mungunzá.
“Essa mudança surge como forma de inovar e atender à demanda do mercado, que cada vez mais exige novidades”, justifica Manoella. Antes, o movimento na padaria só começava no final da tarde, hora da produção do pão. Agora, logo cedo, clientes vão tomar café da manhã, compram o pãozinho, assistem aos noticiários de televisão e ainda batem um papo.
O antropólogo da gastronomia Raul Lody acredita que a padaria se modernizou como forma de se adaptar às necessidades do cliente. “Na correria do dia a dia, muita gente não tem mais tempo de preparar as refeições e acaba recorrendo às panificadoras. Diante disso, muitas padarias precisaram se adequar à demanda do consumidor que deseja encontrar tudo num só lugar, variedade e qualidade”, destaca. Vale ressaltar ainda que muitas famílias já não contam mais com o trabalho de empregadas domésticas para preparar as refeições.
Uma pesquisa do Instituto Popai mostra que o brasileiro vai em média 14 vezes por mês à padaria, enquanto ao supermercado, apenas três vezes. A administradora Carmem Lucia Henriques, 59, ilustra bem essa frequência. Ela costuma tomar café da manhã, almoçar e jantar na padaria Nova Armada. “O estabelecimento virou um anexo da minha casa”, brinca. “Ainda mais quando não tenho tempo de preparar as refeições por causa da correria do trabalho“, completa.
A rotina puxada também faz com que Maria Regina Rodrigues, 46, professora, encontre nas padarias uma opção para realizar as refeições. “Saio de casa muito cedo e não tenho tempo de fazer comida, então recorro às padarias pela praticidade, economia e conforto”, destaca Regina. A professora conta que também aproveita para fazer compras. “Algumas panificadoras oferecem produtos de limpeza e até alimentos para serem feitos em casa, então aproveito para comprar tudo isso em um só lugar”.
Para a vice-presidente da Associação dos Industriais de Panificação de Pernambuco (AIPP – EPÃO), Cristina Santos, a justificativa para a mudança no hábito dos consumidores está na qualidade do serviço oferecido. “No mesmo momento em que o cliente cobra sofisticação dos serviços, ele quer atenção. As padarias oferecem um atendimento personalizado, conhecem o consumidor pelo nome, sabem como ele gosta do pão, do café e, sobretudo, oferece um sorriso no caixa, com aquele até amanhã”, observa Cristina.
As mudanças operadas pelas padarias são também uma maneira de resistir à atual recessão. Dados do Instituto Tecnológico de Panificação e Confeitaria (ITPC) em parceria com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip) registram que o setor amargou em 2016 uma queda de 4,06% no fluxo de clientes. O mesmo levantamento mostrou, porém, que a venda dos produtos fabricados pelas próprias padarias cresceu 11,2% no ano passado.
No contexto dessa demanda, chama a atenção a entrada no mercado de padarias que investiram na produção de pão artesanal, oferecendo um produto mais sofisticado. Sua receita não contém nenhum tipo de pré-mistura e a fermentação é natural à base de água e farinha. Algumas panificadoras utilizam banha de porco, para deixar a massa mais macia e manteiga sem sal.
Dois exemplos que investiram na sofisticação do velho pãozinho são Vila Amizade e Galo Padeiro, ambas localizadas no Recife. “É um alimento mais rico em nutrientes e livre de substâncias químicas no processo”, pontua Frederico Luna, um dos sócios da Vila Amizade. Ele acredita que o consumidor está cada vez mais exigente e querendo novidade. “O cliente está disposto a pagar um pouco mais pelo sabor, saúde e qualidade”, completa.
A Vila Amizade é um empreendimento familiar que oferece produções próprias, como os pães artesanais e torradas, além de vender produtos locais, nacionais e importados na prateleira, como massas, molhos e vinhos. Situada no casarão da família Luna, no bairro das Graças, a padaria possui um espaço com mesas, além de um minimercado.
Uma das sócias da Galo Padeiro, Manuela Agrelli, explica que o resgate da forma tradicional de fazer pães, no entanto, teve que ser realizado com o auxílio da tecnologia. “Para produzir da maneira como era feito antigamente e conseguir ter volume na produção, precisamos nos aliar às máquinas, mas sem perder o processo artesanal”. Localizada no bairro de Santo Amaro, num pequeno e charmoso espaço, a padaria em apenas um ano e meio de inaugurada ficou conhecida por seus folhados, brioches, tarteletes, broa alemã e croissants.
Resgatar o pão artesanal e investir na sofisticação do espaço possibilitaram a essas novas padarias apresentar um bom desempenho em plena crise. Uma das sócias da Galo Padeiro, Luciana Lima, conta – sem especificar o volume de vendas ou o faturamento – que os resultados traçados para o negócio já foram superados. “Tínhamos consciência dos problemas econômicos que o País estava passando, então projetamos que o crescimento seria pequeno, e por isso estipulamos metas baixas, mas elas foram superadas em cerca de dois meses após a inauguração da casa”, comemora.
Com um pouco mais de cinco meses aberta, a Vila Amizade também não demorou para ter uma boa resposta do público. “Os moradores dos arredores foram os primeiros a frequentar a padaria. Mas, hoje, vêm pessoas de todo canto”, observa o sócio Francisco Luna.
*Por Paulo Ricardo Mendes – algomais@algomais.com