O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está sistematizando uma metodologia que permita que o próximo Censo Demográfico, previsto para 2020, incorpore dados relacionados às comunidades quilombolas de todo o país. Relevante por valorizar uma parcela da sociedade historicamente marcada pela resistência ao racismo e a outras violações de direitos, a novidade está sendo pautada em reuniões que ocorrem até hoje (5), no complexo da Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília.
Em conversa com a Agência Brasil, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Erivaldo Oliveira da Silva, afirmou que o plano vem sendo debatido desde 2016, como possível saída para a incongruência observada nos registros atualmente coletados, já que as fontes que tratam dos quilombolas não têm seus resultados unificados em uma única base.
“Existem vários números. Falam em 3 mil comunidades, falam em 8 mil, falam em 16 milhões de quilombolas. E também não tínhamos dados sistematizados”, disse. “Queremos saber qual a vocação econômica [das comunidades], suas manifestações culturais. Isso nos inquietou demais.”
Segundo Vinícius do Prado Monteiro, oficial do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), agência envolvida na mudança do sistema estatístico, as equipes responsáveis por atualizar o modelo de levantamento trabalham para formular perguntas adequadas ao novo propósito, já que, em suas visitas, os recenseadores irão considerar como quilombolas os indivíduos que assim se autodeclararem, a exemplo do que se verifica entre grupos indígenas.
Este ano, algumas equipes do IBGE já colheram informações sobre quilombolas para o Censo Agropecuário, também do IBGE, a fim de mapear suas atividades, que têm significativa projeção junto a expoentes de prestígio, como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), no âmbito de Sistemas Agrícolas Tradicionais, considerados uma expressão do patrimônio cultural do Brasil.
Dados atuais
Plataformas da Fundação Cultural Palmares relacionam um total de 3 mil comunidades quilombolas certificadas. Com o novo modelo de censo, porém, a quantidade provavelmente seja ampliada, como antecipa Monteiro. “Nos últimos anos, há uma tendência de melhora na autodeclaração, na população negra como um todo. E é um processo que vai além da questão estatística, é de identificação de cultura”, acrescentou.
Segundo o oficial, a expectativa com o incremento no censo é de provocar uma participação mais ativa da sociedade civil no controle de políticas para o segmento quilombola. “Significa, antes de mais nada, dar visibilidade a essa população e coletar dados específicos que servirão para construir indicadores, conhecer suas demandas”, pontuou.
Processo de regularização de terras
Hoje, as regras de regularização de comunidades quilombolas envolvem sete etapas, começando pela abertura de um processo no Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na sequência, estudos e relatórios sobre a área reclamada são elaborados, até que um decreto presidencial oficialize a concessão do título de propriedade, se o entendimento for de que a região pertence, de fato, a descendentes.
Em muitos casos, é necessário que o Incra desenvolva uma ação chamada desintrusão, que consiste na retirada de ocupantes não quilombolas do território reivindicado, para garantir que o título seja emitido. Essa fase pode gerar desapropriações ou pagamentos de indenização a interessados afastados do local delimitado.
O chefe da Divisão de Identificação e Reconhecimento do Incra, José Henrique Sampaio Pereira, explica que é justamente por singularidades tocantes a essa disputa pela posse de terras que cada processo de regularização segue um ritmo próprio de tramitação. “Depende do tamanho, da situação fundiária, do grau de conflito, do quanto os contrários [os não quilombolas] têm poder de mobilizar [a seu favor] o Poder Judiciário, a mídia. Não é só uma questão administrativa, em que todas as etapas estão sob nosso comando. É um assunto muito complexo pra gente estabelecer uma média de prazo. Tem gente que fala em cinco, dez anos, mas não dá pra dizer”, disse. Segundo ele, apesar de haver casos mais céleres, o processo é delicado e requer diligências. “Em menos de cinco anos, não tem como sair um processo desse. É impensável.”
A organização Terra de Direitos destacou, em 2016, que, naquele ano, embora fossem contadas 2.648 comunidades quilombolas, somente 30 delas haviam recebido o título do Incra. “Seguindo esse ritmo moroso de titulação, seriam necessários 970 anos para garantir à totalidade das comunidades quilombolas os seus direitos territoriais”, emendou, em nota.
(Da Agência Brasil – Por Letycia Bond)