Em geral as discussões sobre o papel do Estado na economia estão contaminadas por fortes argumentos ideológicos. As polêmicas sobre Estado mínimo e/ou capitalismo de Estado são muito extensas na mídia e na literatura acadêmica. Não vou entrar nesse debate porque está dominado, na sua maior parte, por uma discussão ideologicamente obscurantista. O Estado tem que ser funcional, ou seja, tem que atender às demandas do cidadão por bens e serviços públicos de qualidade, pois, governos – os gerentes passageiros do Estado – são financiados com o dinheiro que pagamos de impostos.
É factual também que, ao controlar grandes empresas, o Estado, através dos governos de plantão, possa utilizá-los para fins ilícitos, quer seja para apropriar privadamente recursos, quer seja para desviá-los para financiar partidos políticos. O escândalo da Petrobras é emblemático de como a desonestidade associada à má gestão é capaz de abalar profundamente a saúde financeira e a imagem de uma empresa que, no passado, foi orgulho dos brasileiros. É preciso regular e instituir boa governança corporativa nas estatais para reduzir os riscos de que esses problemas sejam recorrentes.
Escritas tais considerações analisaremos agora o peso do Estado nas economias pernambucana e recifense medido, não pela sua contribuição ao PIB, mas pela presença no mercado de trabalho formal. Usaremos os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) geradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para os anos de 2004 e de 2014. Considerando o Estado como o conjunto do setor público, incluímos nesse universo as informações dos governos federal, estadual, municipal e das empresas estatais.
Em 2014, a participação da massa salarial nominal recifense, entendida como a soma de todas as remunerações pagas pelo setor público na cidade, correspondia a 51,7% da massa salarial total. Ou seja, no Recife, mais da metade das remunerações formais, isto é, de pessoas empregadas com carteira de trabalho assinada, regidas, portanto, pela CLT, ou pertencentes ao regime do serviço publico nas diversas esferas de governo, está abrigada no setor público. Esse percentual já foi mais elevado 10 anos antes; em 2004 foi de 55,3%, tendo diminuído pela presença crescente do setor privado impulsionado pelo substantivo bloco de investimentos que aportou em Pernambuco, conduzindo a um maior dinamismo do mercado de trabalho recifense, que experimentou uma forte geração de empregos formais em paralelo a uma queda nas taxas de desemprego.
Para o conjunto do Estado a participação é menor e também decrescente, evoluindo de 45,0%, em 2004, para 42,1% em 2014. O percentual da massa salarial recifense é maior do que no Estado de Pernambuco porque o município é sede regional de instituições federais (tribunais, por exemplo) com jurisdição maior do que o território pernambucano, sendo também a sede do Governo do Estado.
Os dados, por conseguinte, são inequívocos ao revelarem uma forte presença do setor público no conjunto de remunerações do município, e embora menor, também, do Estado. Em tempo de inflação e crise fiscal, os funcionários públicos de todos os níveis de governo e de empresas estatais têm perdas reais de salário e não têm aumento nominal como, de resto todos os trabalhadores. Por outro lado, uma boa parte desses servidores é estável, ou seja, não podem ser demitidos a não ser por motivos graves e após inquérito administrativo ou judicial. Contrariamente ao setor privado, o ajuste não é feito pelo lado das demissões, mas apenas pelo da contenção da massa salarial nominal.
Além disso, os salários dos trabalhadores do setor privado são mais flexíveis para baixo enquanto os do setor público são rígidos. O setor privado, quando não demite, negocia salários mais baixos ou recontrata com remuneração inferior. Isso não é possível no setor público a não ser para os não concursados detentores de cargos comissionados. A massa salarial nominal do setor público, contudo, não aumenta apenas por motivo de reajuste, pois possui a propriedade, protegida pela legislação, de apresentar um crescimento vegetativo devido à concessão de anuênios, bônus, promoções, etc. Assim, a manutenção ou baixo crescimento da massa salarial nominal do setor público funciona como mecanismo de sustentação da renda, minimizando o impacto da crise econômica sobre o nível de atividade local. Tem, portanto, uma característica anticíclica enquanto a massa salarial do setor privado cai com a recessão, sendo pró-cíclica.
Argumento ainda que as remunerações do setor público respondem, em parte, pela alta e invariante desigualdade de renda no Recife, uma vez que os salários pagos pelo setor público não apenas são bem mais altos do que no setor privado, mas também crescem mais rapidamente. Analiso isso depois. Até breve.
O peso do Estado (abril/2016)
Claudia Santos
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