No mesmo solo onde a cana-de-açúcar foi a principal atividade econômica por décadas, hoje é a arte que está brotando. No antigo campo de pouso da Usina Santa Terezinha, em Água Preta, foi plantado pelo casal Ricardo e Bruna Pessoa de Queiroz, em 2016, a Usina de Arte. Inspirado no Instituto Inhotim, o projeto pernambucano é um parque-jardim botânico de 29 hectares, onde as obras de artistas consagrados estão a céu aberto. A identidade histórica do local, revelada nos trabalhos artisticos, é um diferencial desse espaço, onde a referência da economia canavieira está presente em várias instalações.
“É um lugar que deixou de moer cana para moer arte. Tudo aqui foi de 2016 para cá. Inclusive as três lagoas são de água de nascente, que se formaram por gravidade. Esse é um tipo de empreendimento que não dá para ter muita pressa para construir”, afirma Ricardo Pessoa de Queiroz. A Usina de Arte é um projeto que vai se construindo continuamente, com a chegada de novas obras, além da plantação de jardins com espécies vindas do mundo inteiro. O lugar inspirativo e bucólico recebe artistas e escritores que fazem residências de criação, sendo responsáveis pelas experiências e cenários com que os visitantes se deparam num passeio pelo espaço.
Com exceção das obras que estão dentro do hangar, desenvolvidas pelo artista paraibano José Rufino, todas as demais estão ao ar livre. E, sempre que possível, com uma proposta de interação com os visitantes, não apenas de contemplação.
No hangar, que já é um espaço que representa a memória da usina, Rufino montou uma exposição com peças e documentos antigos da Santa Terezinha. Sucatas que viraram arte completamente contextualizada com o lugar. Na parede externa do espaço há o desenho do Rio Jacuípe, que corta a região, construído com antigas ferramentas e parafusos, que terminam numa cadeira que está suspensa na parede. Seria uma referência aos antigos senhores de engenho da centenária atividade canavieira de Pernambuco? Cabe ao visitante contemplar e deduzir. As memórias trabalhistas e sociais da cultura sucroalcooleira marcam a obra desse artista, que está no projeto desde 2015, ainda antes da inauguração.
Muitas peças que estão ao ar livre foram montadas com antigas estruturas usadas na Usina Santa Terezinha, que foram resignificadas pelos artistas. Esse detalhe traz uma identidade ao espaço e reforça a sua história, como a Rádio Catimbó, do artista Paulo Meira. De um dos pontos mais altos do jardim, ela funciona de fato como antena de rádio e é um dos melhores pontos de observação de todo o empreendimento, tendo a própria usina como cenário no horizonte de observação.
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Outro destaque que tem a inspiração na antiga atividade econômica da região é a obra Átrio, do artista plástico Marcelo Silveira. Construída em uma colina do parque, ela é uma réplica de uma área interna das antigas residências e que faz referência à Casa Grande. A locomotiva com a placa 21 é outra marca dos tempos áureos da indústria canavieira. No passado a Usina Santa Therezinha chegou a ter 80 quilômetros de malha ferroviária e 21 locomotivas em operação.
Um pequeno labirinto cercado de plantas com efeitos alucinógenos (o Eremitério, de Márcio Almeida) e a cabeça do bandeirante suspensa sobre um dos açudes (a obra Tinha que acontecer, cabeça de bandeirante, do artista Flávio Cerqueira) são algumas instalações de destaque que compõem o intrigante acervo na Usina de Arte.
O Jardim Botânico foi idealizado pelo biólogo Eduardo Gomes Gonçalves, em 2016. O lugar é visitado principalmente no final da tarde, quando o clima é mais ameno, já sendo bastante frequentado para ensaios fotográficos. Tanto espécies nativas, como ipês e carnaúbas, como exóticas, a exemplo da Palmeira Azul, vinda de Madagascar, compõem um mosaico natural do parque artístico botânico. As plantas são cuidadas pelas jovens biólogas Samara Ferreira e Joana Farias, nascidas nas proximidades da antiga usina e responsáveis pelas visitas guiadas.
Quem já visitou Inhotim, vai identificar os bancos construídos com enormes troncos de árvores instalados ao ar livre da Usina de Arte. São as “esculturas mobiliárias” criadas por Hugo França a partir de resíduos florestais, que também estão presentes no museu mineiro. Ele foi um dos pioneiros nas imersões criativas na Usina de Arte.
Além de ser um espaço de passeio e contemplação no ano inteiro, completamente gratuito, a Usina de Arte promove anualmente um evento cultural. O Festival Arte na Usina dura mais de uma semana, mobilizando centenas de turistas e moradores da comunidade local. Na Safra 2018, como se chamam cada edição, aconteceram apresentações de Almério, DJ Dolores, Chico César, Cordel do Fogo Encantado, entre outros. Oficinas de desenho, fotografia, moda, literatura e dança integram a programação do evento.
Serviço:
Usina de Arte: entrada gratuita. Visitas guiadas de segunda a sexta, às 8h e às 14h, mas o parque é aberto também aos finais de semana. Tel. 81 2125.3900. aPara uma experiência gastronômica local, a Usina de Arte indica aos visitantes a Ró Lanches ou os restaurantes Capim de Cheiro e Alquimia.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)